Quase como se fosse uma sina: em determinado
momento você acorda como se a vida finalmente te desse o sentido que você,
sozinho, não encontrou. Tudo o que era cinza, o que era opaco, ganha cor, ganha
brilho. Você canta, sorri, sai de casa, cumprimenta os que passam, elogia quem
te encanta, é simpático ao mundo que você sente que te alegra. Nesse instante,
tudo em você é vontade, é energia, é potência para desafiar o futuro investindo
no melhor presente. Até que você percebe que não “conquistou” o mundo. Você
ainda nem saiu da cama, do colchão.
É impressionante como o barulho
do nosso pensamento é tão alto quanto pode ser veloz o seu ir até onde encontre
o desejo que lhe desfaz a inércia. Mas é a mesma velocidade que pode parar de
repente. Zerou. Morreu. A potência caiu. O mundo nos entristeceu. Porque, da
cama, antes do despertar do corpo que carrega essa nossa alma sempre pronta para
o próximo encontro que lhe abaterá ou mesmo pronta para o desencontro da outra
alma que até lhe alegraria, dessa cama, os sonhos são grandes, a disposição infinda,
as conquistas são todas, os sonhos são muitos, mas os medos são mais.
De repente, quando finalmente com
os pés tocando o mundo que é, sentindo o desafio e o enfrentamento das coisas
que não são como quereríamos, a gente se põe a perguntar que caminho é esse que
a gente trilha, que escolhas são essas que não alegram, que destino é esse que parece
mal determinado e que nos custa entender que é consequência da gente que a
gente se fez. Pouco a pouco, as inconveniências da vida e dos outros, as
circunstâncias desagradáveis da vida e dos outros, as influências tantas vezes
nocivas dos outros na nossa vida, fazem com que os responsabilizemos pela nossa
própria falta de atitude e de coragem para assumir: eu quero isso, eu quero sim,
eu quero assim e vou até onde seja ou esteja o que não desistirei até conquistar.
Sim. Somos o nosso fracasso tanto
quanto seríamos o sucesso se a nossa covardia e a dissimulação não nos fizessem
esconder que desejamos, que queremos e que amamos porque sob pena de, então,
uma vez revelados, nos sentirmos obrigados a conseguir, obrigados a conquistar,
não mais para a satisfação nossa – me parece, que deveria o objetivo primeiro –,
mas por nos sentirmos obrigados à satisfação aos outros de quem erramos quando pensamos
assistirem nossa desdita. E outra: se é que se ocupam de nós, é porque têm uma
vida pior do que a nossa. Gente feliz só se ocupa de ser feliz.
E daí porque temos medo de experenciarmos
o real, guardamos a imagem do ideal que fazemos. Porque tentar e não conseguir
pode anular a fantasia onde tentar é conseguir e onde conseguir é bom, é suficiente
e emocionante. É comovente. E porque a fantasia nos alegra, em princípio parece
que nos basta. Mas também porque muitas vezes temos medo de buscarmos experenciar
o real da fantasia porque seria ruim descobrir que se sonhar feliz faz mais
feliz do que procurar ser feliz.
Então a vida vira esperança: o
eterno sinônimo de ausência. Porque só se espera o que ainda não chegou. E se
não chegou, mas se espera, é porque falta. E não pode haver alegria na falta. Na
falta só há o desejo que, irrealizado, esvazia a razão da alegria. A fantasia
que parece contentar, na verdade não passa de fuga de quem se apavora ante a
ideia de tentar.
É aí que filhos enterram pais a quem
amam, maridos que enterram a esposa a quem ama, irmãos que enterram irmãos a quem
amam, amigos que enterram amigos a quem amam e tudo isso depois de anos se
imaginando declarando o amor que é de verdade e que sentem, mas que não têm
coragem de declarar porque temem o que acreditam lhes faria parecerem fracos,
quiçá ridículos. Nisso, perdem-se na busca pela coragem de dizer no amanhã em que
já será tarde.
Da mesma forma é quando o apaixonado
não revela a paixão porque teme não a ter acolhida, nem a saber recíproca, até
que deixa que passem anos em que sem premeditar some da vida de quem queria como
companhia da sua vida. Anos depois, informais, distanciados, mas reencontrados,
num tempo em que se pensa que não há mais sentimento a ser rejeitado e, portanto,
não há mais medo de revelar o que já é passado, ele finalmente fala da paixão
que sentiu e dos desejos que desejou e, então, conhece uma nova do: a dor de
ouvir que se se tivesse revelado no que sentia, o outro também teria se revelado
apaixonado. Mas não se tiveram.
E é assim com todos, em tudo. É o
caso do que não aguenta mais o emprego, nem o estudo, ou a igreja ou até o
bairro em que vive, mas se resigna e se mantém onde não pretende estar, quem
dirá permanecer. Todos esses vivendo seu medo de tentar.
O fato é o que o medo nos tira de
nós mesmos. Ante ao medo (do desentendimento, da fraqueza, da exposição, da
rejeição, etc.), perdemos a vida que temos quando optamos por deixar de vivê-la.
O medo nos descaracteriza para nós mesmos e nos enche da dor de sermos quem não
deveríamos ser. E, pior, sabemos disso. Sabemos que o medo nos impede de
vivermos a graça, o contentamento, o atrevimento que faz com que haja vida mesmo
na dor (que vem do silêncio ou do não que rejeita), porque sentir é se saber vivo,
ativo, dono do futuro que um dia merecerá ser contado, mas que no presente calamos
e fazemos dele o futuro que não acontecerá. Perdemos.
Acumulamos a tristeza todo dia em
que não sabemos que caminho é esse que nos leva até onde não vamos chegar. E tudo
porque não arriscamos. E tudo porque não nos permitimos e nem tentamos alcançar
o que ou quem queremos e só por causa de medo estúpido de “perder” o que, na
verdade, não temos, nem revelamos. Isso tudo a que apenas tememos.
Ora, temer a vida é a receita
perfeita para perder o que de melhor todos nós temos para viver e que ainda que
nos aguarde, não nos chegará se não formos nós os que sairemos dispostos a
buscar. Então vá! Se permita e se mostre! Arrisque-se e ganhe o que tiver para
ganhar. Apenas não enrole, nem demore. Nem acumule a tristeza de não viver aquilo
que já passou da hora de você admitir e aceitar. E que seja sempre mais fácil
fazer que falar.