Algumas histórias de amor têm finais felizes. Outras histórias têm
apenas finais. A minha tem final. E só. Poderia ser a história de qualquer
pessoa que amou, foi amada, depois se duvidou amada e se perguntou se amava o
amor que amou. Poderia ser a história de qualquer pessoa que não viu o amor ficar
doente e, na hora da angústia, procurou a ajuda errada num socorro que tardou.
Essa história, prefiro dizer assim, é minha sem que aqui seja e, se
você me permite, vou começar contando como ela, realmente, acabou:
“Quando eu me dei conta de que o carro
cairia mesmo dentro do rio, foi que tudo ficou claro pra mim: eu a amava. Não
naquele segundo em que assustada ela gritou segurando meu braço, assustada pelo
fim iminente. Eu a amava desde muito antes. Desde o primeiro momento. Desde o
primeiro instante.
Antes daquela viagem fomos um
casal. Durante a viagem, já não o éramos há algum tempo. E não me pergunte por
que deixamos de ser. Essa pergunta eu já me fiz centenas e centenas de vezes e,
definitivamente, não há resposta que me pareça certa. Não há motivo que pareça
justo. Não há nada que faça parecer certo. Só que já tinha chegado o fim.
Mas eu a amei, eu a amava... e a
imagem dela era a última imagem que eu via, ali, segundos antes do instante em
que iria morrer.
Lembro que a primeira vez que a
vi sabendo que a via, ela vinha ao longe com mais duas amigas. Inseparáveis até
um tempo. Ela era linda. Seus cabelos estavam lisos, escuros e quando caíam
pela blusa lilás que ela usava, formavam o contorno ideal para aquele rosto
lindo que já tinha visto muitas vezes, mas que pela primeira vez gostava tanto.
Eu já fazia conta dela muito
antes de ela notar a minha presença. Era mais velha, tinha mais vida. Já era
mulher quando eu era menino e a ideia de tê-la era tão absurda que eu mal
conseguia considerar.
Mas naquele mês de julho tudo era
diferente. Naquelas formas de mulher pequena havia a felicidade que me seria
plena quando, meses depois, descobrisse nela a metade de mim.
Sim. Foram meses. Ela não queria.
Eu era pouco e sabia que seu não querer fazia sentido. Ela que já tinha sido
tanto e se cuidava desde mais nova do que a idade que agora era eu que tinha e
nada fazia, não tinha porque querer quem nada era perto de quem lhe merecia.
O primeiro beijo se deu no dia
que dizem trazer azar. Era a sexta das superstições, dos medos, dos uivos e dos
gatos pretos. Mas foi a sexta do primeiro beijo. Um beijo... batalhado. Sim,
porque apesar da noite agradável, do abraço apertado e das palavras perto do
ouvido, ela não se deixava beijar. Mas ela se deixou beijar e, depois daquele
beijo foram anos de beijos do menino que nada era com a mulher que era tanto.
E ela era tanto... e no tanto que
ela era, foi muito que ela ensinou.
Por causa dela, eu que mal me
sabia, queria ser diferente daquele que eu era. Tinha que mudar. Queria lhe ser
motivo de orgulho, queria fazer com que ela se orgulhasse e cada dia parecia
mais certo a escolha de amar.
Queria amá-la.
Um mês, uma rosa; dois meses,
duas rosas; flores, poesias, vinhos, carinhos, desejo... amor?
Meus pensamentos eram dela, meus
sonhos tinham ela e mesmo a vida naquele começo era toda dela que me parecia
boa, ainda que sempre acima, como quem olha da janela aquele que, de longe, faz
acenos e gentilezas enquanto pensa uma forma de alcançá-la.
Já não me via mais sem ela. Amor?”
- Pensei que conseguiria contar a história que era minha, mesmo que eu
tenha dito que não é e, espero que você pense que não é mesmo. Mas não consigo
seguir daqui. Penso que o melhor é que alguém conte por mim, ainda que esse
alguém não saiba como eu. Mas fica seu testemunho ao invés do meu:
“Moraram juntos. Não se diziam
casados, até sabiam assim, mas se enganavam dizendo que não era o que todo
mundo via que se fizeram sem querer.
Todas as noites encostavam-se
para o que se queriam e a presença do corpo de um era o pedido do corpo do
outro para a noite que se dormiria em paz. Meu corpo era mais calmo na presença
do corpo dela e mais vivo a cada instante que se tinha pra viver.”
- Não! Não dá certo que outro conte por mim. Deixa-me voltar a falar a história
que sou só eu que sei de um jeito que só eu sei:
“Nossa, eu a amava!
Ela dizia amar e era do seu jeito
não saber escrever como eu escrevia e nem mostrar isso como eu mostrava, mas
ela sabia amar e hoje eu vejo, ela também amava.
Mas muitas vezes eu quis que
fosse como eu fazia e essa ausência me doía e até me fazia duvidar. Eu era um
idiota. Agora, vendo o carro cair da ponte alta, sem qualquer controle e com a
certeza de um único fim, vejo seus olhos e neles a história que foi nossa e
que, no fim, fui eu que pus o fim. Ela me amava sim e eu a amava também.
Eu já aprendia mais. Já era
outro. E sentia que ela gostava. Ainda assim, de tempos em tempos eu era errado
e errava. Cada mágoa que lhe fazia era uma dor que também me causava. E pra
cada perdão que pedi, era menos um perdão que me guardava.
Mas no fim do dia, voltar pra
casa era vê-la. Era abraçar o corpo que melhor eu conhecia e que me conhecia
como nenhum outro. Era beijar o beijo que me entorpecia e encontrar o amor que
me alegrava. Era bom voltar pra casa.
Mas o tempo é implacável e não
parou de passar e trazer ventos diferentes e desafios... E eu fui sucumbindo a
cada um deles. Perdi minhas forças. Duvidei dos amores. O que eu tinha e o que
eu recebia. Fui fraco. Não achava sentido em ser amado e já não me achava
amado, nem como queria, nem como – por suposto – achava que merecia.
A urgência dos anos e os passos
da vida eram de um caminho que me levava para onde não sei. Não sabia. E ainda
hoje não entendo. Só sei que a olhava, lhe sabia, mas parecia não entender, não
compreender.
Era estranho a mim, era estranho
a ela, ao mesmo tempo que lhe via, lhe sabia, mas já não podia lhe entender.
Senti que lhe perdia e ela parece
não se dar conta do risco de me perder. Inseguro, temeroso, já achava que não
lhe importava me ter ou me perder.
Perdíamos um do outro, não nos
víamos e não sabíamos de nós. Conversar? Pra que? Eram muitos anos. Os olhares
deveriam dizer e a certeza não poderia morrer. Nós sempre éramos quem sempre
seríamos e não havia assunto que trouxesse dúvidas nos corações que só podiam
ter certezas.
Nos perdíamos até que nos
perdemos.
Hoje eu sinto falta dela quase
todo dia e, certamente, toda noite. Quando o som da vida lá fora é nenhum, meus
ouvidos ouvem suas voz enquanto meus olhos se fecham para que recebam a visão
da sua chegada.
Ela era. Ela é. Ela será.
Será sempre presente quando,
mesmo no futuro, eu revisitar meu passado. Será sempre dona de um sorriso que é
só pra ela e de mais.
Sei que lhe amei antes de saber
amar... e o que me resta senão amar, amar, (re)amar e mais amar quando venha o que seja amor?
É, então, que amo!”