quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Revelações podem ser mais que desabafos: pensando os amores que tive em mim (que amor foi o meu?)


Cada vez acredito menos no discurso de quem é feliz sendo só de si. Não. Não acredito que é possível ser feliz sozinho. E talvez porque ainda que muitas vezes eu me sinta como se o fosse, na verdade nunca o fui. Nem sozinho, nem tão triste.
Também descobri, de mim, a falta de medo das minhas paixões. Talvez um pouco de medo como reajo a mim apaixonado. Gosto de estar, gosto de alimentar isso, mas não aprendi a manter. E nem sei se dependeria de mim me manter intenso na paixão. Mas em tempos que se fala tanto em responsabilidade afetiva e emocional, questiono-me se sou irresponsável nalguns encontros ou se consequência (sem ser vítima) de uma inconstância contra a qual luto, mas de ordinário perco.
Talvez ninguém que me leia saiba e tampouco se interesse, mas recentemente me apaixonei como há tempos desejava. Não que me faltara paixão em histórias outras. Mas dessa vez foi diferente porque eu estava diferente. Sim, porque poucas vezes me vi tão disposto a descobrir que era possível ser tudo o que ainda não tinha sido para alguém e que muitas vezes duvidei que um dia seria. As noites de sono eram precedidas dos melhores pensamentos, desejos e fantasias. As manhãs já começavam na expectativa de algum aparecimento de quem, por um tempo, não só aparecia como permanecia. Mas a distância que mantive dela foi a mesma que já mantinha desde quando sequer a conhecia.
Apaixonei-me como nunca. Não vivi como sempre. Sofri? Talvez. Me arrependi? Jamais! Desisti? Exatamente de quê...?
Porque é assim que acontece: é um ciclo de correspondências e falta de correspondências. Já quis sem ser querido; já fui querido sem querer; algumas vezes quis e fui querido; outras tive quem não me queria tanto quanto eu lhe tive sem também lhe querer. A maior parte disso não tem ganho, não tem lucro, é só perda.
Mas a vida vive, segue, não para e passa. Ninguém sabe o hoje, quiçá o amanhã. Muitas das minhas melhores relações me surpreenderam em tudo o que tinham de improvável, enquanto as que mais me pareciam naturais e certas (e desejadas) não passaram de fantasia irrealizada.
E algo que sempre me foi curioso foram algumas ocasiões em que ouvi de mais de uma pessoa que às vezes se procurara em textos postados aqui. De fato, escrevi aqui sobre poucas, mas sempre torcendo para que fosse lido por aquela que era para quem escrevia. Um jeito de me expor sem me mostrar, mesmo que me mostrando e me expondo. Me movia – ainda me move – um senso de cumplicidade que viria nos únicos olhos capazes de me entender que era a ela a que me referia (pois bem, minha analista também entenderia).
Textos, poesias, declamações, pensamentos... havia o que era para o mundo, havia o que era para o que seria o meu mundo. E até nisso mudei.
Vejo em mim que cada vez mais sou cada vez menos quem fui. Não mais aquele descrente da própria capacidade de gostar do que vive sempre constantemente atento só ao que tinha à sua volta por viver, desatento com o carinho que ofereciam, a paixão que nutriam ou mesmo o amor que dedicaram. Também por isso é que me julgo melhor do que antes. E não porque sou condescendente comigo – jamais me permiti gentilezas a mim próprio. Julgo-me melhor que antes porque hoje quase consego estar em paz comigo.
Ainda não sei quantas histórias e paixões e desilusões me aguardam. Talvez sejam muitas, talvez tenha acabado todas. Ainda sou aquele que espera algumas certezas que nem sei se existem. Mas também não deixei de ser aquele que há pouco tempo se descobriu disposto a ser quem ainda não foi e nem deixei de ser aquele que creu que poderia alcançar viver o que – e quem –  lhe faltou.
E sem ser ansioso. Sem deixar de ser paciente. Sem querer um dia de cada vez a história que não terá um final feliz porque será toda ela feliz. Nem sempre fácil, nem sempre linda, mas de saldo feliz.
Sei que o tempo correu rápido e espero que ainda haja mais por passar (de preferência sem correr). O que não quero é ser quem se perde da vida quando deixa de viver o que tem, quando fica tempo demais desejando conquistar o que não dá. Quero que seja fácil se um dia chegar a hora de, finalmente, me casar.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Quem virá despetalar pétalas...?


I


Sinto minha dor,
Mas minha dor me é estranha
Ela dói como se me tomando aos poucos, mas                                                        por inteiro.
E me prende... me enclausura.
Mas não me mata que é pra que doa
E não me sufoca que é pra que eu sinta.
Minha dor me é desconhecida porque nem eu mesmo me aproximo dela.
É ela que me envolve a mim.
Sei que ela há e que ela está nalgum lá e é nesse lá que a mantenho
Talvez culpado e leniente no meu jeito intransigente de não me dar.


II

A verdade deve ser mesmo a de que não amo porque não entendo o amor e não sei amar.
Desconfio do carinho na medida que me incho de amargura.
E não devo estar errado quando entendo que não tenho ninguém.


III

Por que alguém se comoveria de uma dor que escondo?
Por que alguém se interessaria por alguém que se esvai em cada lágrima que não chora pra fora?
E como esse seria capaz de gostar de alguém se não gosta nem de si?
Mas gostei. E me odiei por cada vez que gostei de gostar de quem gostei.


IV

Desculpem-me as vezes que pareci gentil.
Desculpem-me as vezes que pareci interessado.
Desculpem-me até as vezes que pareci apaixonado.
Não sei se aquele era eu.
Quem sou eu para além da agressividade que, minha, se volta contra mim?
Quem sou eu para além da indiferença que imponho a que os outros nutram-na contra mim?
Porque se não é minha culpa, então é o que?


 V

De egoísmo em egoísmo e minha dor não se deve ao acaso
Sou a soma de todo desprezo que comecei primeiro por mim e prossegui
No fim, sou o inatingível de mim mesmo
Aceitei que não me aceitassem humano
E logo fui eu que esqueci de ser.


VI

Pus-me à distância de todos e até de mim.
A imagem é de alguém (eu) que se abandonou.
Se pela primeira vez me notarem e me virem com atenção, eis que me verão me dizendo adeus para mim.
E vejam lá: sou eu partindo sozinho enquanto me deixo sozinho.


VII

Sou o terremoto e o cataclismo que em mim cindiram alma e corpo e desaprisionaram o espírito.
Agora vago vário e vazio.
Deambulo frágil, cansado. Exasperado mesmo.
Tomo até o ar por inimigo. Se ele não falta, vivo.


VIII

Sou a soma de todos os nadas que tive, que tenho e que terei a oferecer.
E por isso o nada é tudo o que ofereço.
E por isso sempre ninguém quererá.
E me revelo não por querer louros de glórias malditas: só quero paz e quero escuro.
Quero o silêncio só quebrado pelo ruído cupinal na madeira. E nem esse ouvirei.


IX

É como se tivesse embebido da minha própria peçonha e é isso que me escurece a visão, me endurece o peito e me emudece a voz.
No fim, sou a razão do meu mal (e de mais quantos?)
Enquanto o tempo me escapa inútil, minha mente gira como um carrossel de rostos e corpos e risos e                                                                                              sorrisos que poderiam ter me feito bem.
Mas mesmo o desejo desses e por esses se esvai em mim e comigo.
Até esse desejo passa e não se justifica nem no começo, nem na desdita.
Sim. Em algum momento eu as teria feito mal
Então, que se prostrem à providência que lhes guarda bem e lhes mantiveram distante de mim.
Adeus para elas também.


X

Tóxico não é o que injeto, mas o que ofereço.
Apartai de mim vós que não me conheceis e alertai aos que não têm a mesma sorte.
E quando ouvirem de mim, não lamentem meu fim.
Não fiz o que era preciso.
Não faltarei ao encontro, à reunião, à festa...
Só faltarei à saudade.
Mas enquanto vou, é ela que me invade.
Oxalá Deus se desembuce e consiga, pelo menos Ele, me explicar.


20 de setembro de 2019
6h34

sábado, 24 de agosto de 2019

O amor me puniu (carta de um possível desabafo)


Noites insones são perfeitas para ajudarem entender onde foi que a vida viveu e a gente perdeu.
De repente a gente revolve o passado (o distante e o presente) e, na busca de se culpar pelo que deu errado, raramente se permite absolver.
É como se culpar pela confiança depositada em quem soube de você mais do que você mesmo se sabia confortável em contar e de repente... silêncio. Reclusão nem tão forçada, mas que é dessas que te deixa na dúvida do que realmente fora e, até do que será.
Mas que fique claro: a culpa é minha.
Tenho a culpa de não ter sido fiel àquilo que quis na forma que quis. A culpa de quem temeu o desejo que escapa do controle porque não sabe se perder, mas que mesmo assim se perde tentando se conter. 
Em dias como ontem, acho-me novo (por vezes até mais novo do que sou). É quando me lembro do tanto de vida e de gente que já vivi. Isso foi determinante para decisão que acabei de tomar.
De uns meses para cá, foram várias as vezes em que me arrependi de cada vez que falei o que deveria ter calado ou que calei o que deveria ter dito. Lamentei cada vez que fui ridículo por medo de ser objetivo e daí... ridículo. Mas não foi só disso que me arrependi.
Me arrependi de cada busca por mulheres em quantidades tais que hoje julgo tenham me afastado de ter enxergado que em algum momento me houve a mulher com a qualidade real.
Me arrependi por cada vez em que disse “sim” para alguém que me queria e me pediu só porque não gostei do “não” que um disseram pra mim e, de vez em vez, sem perceber, fui me violentando em sentimento e, de violência em violência fui perdendo a coragem e a clareza e sozinho e assustado, mas movido pelo coração estupido e esperançado, de repente quis quem jamais me quereria (e não quis). Mas pusilânime como são os que são como eu, tampouco me permiti lhe insistir que quem vale a pena sou eu. Antes, de silêncio em silêncio, virei as costas.
Parti. E parti carregado de um malquerer por mim mesmo, negando qualquer sentimento bonito e mentindo-o horrendo, cruel e cruento. E enquanto isso, dei-me às outras, aconselhei a tanta e tantos, romantizei em versos o amor a ser vivido, mas apenas porque distraído no pretexto de viver para os outros a fim de deixar o risco de tornar a viver para mim.
Se isso trouxe ganho ou sucesso? Ah! Quase todas as mulheres que amei, não as tive. Também não soube viver nenhuma daquelas por quem quis ser amado desde quando escolhi lhes amar.
Mesmo quando acreditei que era eu quem seduzia, percebi-me feito objeto dos quereres astutos dessas mulheres sagazes. A escolha jamais foi minha, vivido e vivendo, não raro, à revelia e à indiferença da realidade do meu desejo e da minha libido. Muitas delas ocorreram apenas porque elas quiseram e eu só estive justamente porque elas não eram aquela que minh’alma (até então) devotada precisava que fosse. E não lamento o que na juventude era até motivo de gozo. Mas agora, nessa primeira maturidade, representa só caos e vazio... de alma.
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Ps1.: A par disso, uma quantidade que não é muita, mas é o bastante de paixões machucadas, lamentos e dores causadas, num processo em que só eu, com minha arrogância, inocência e licenciosidade sou principal é único responsável por esse aviltamento de mim próprio.
Quis ser como os poetas, mas não me deram ópio. O fracasso é tanto que me tornei até mesmo incapaz de me embriagar daquilo que não seja o sentimento em que me afundo. Desistir da própria vida? Nem esse mérito eu seria capaz de me dar.
Mas então como posso culpar quem dê as costas ao meu chamado, me evite e se esqueça de mim? Se até a minha certeza de querer oferecer o meu melhor esbarra no meu histórico de não esconder o que também há (em mim) de pior, como não entender quem se proteja e se afaste e me afaste?

Ps2.: Não que eu inveje aqueles que se dão a quem se querem e tem quem lhes deseje. O que tenho guardado em mim é ainda muito mais e melhor do que o que há em todos eles. Mas é tudo cada vez mais guardado. Cada vez mais enterrado no profundo de uma alma que não conhece o que não seja dor; que até já esquecera como é sentir o alívio que acha que um dia sentiu. Uma alma que brincou de amar e brincou com o amor que agora, por isso, lhe pune. Pena pra essa alma que, triste e séria, até queria, mas a verdade é que não sabe chorar.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

A falta que você não faz


A vida vive enquanto você não está. Pessoas riem quando você não está. Amantes amam quando e enquanto você não está. Amores surgem, principalmente, quando você não está. A questão passa a ser: quanto tempo dura a falta que alguém sente de você? (Isso se realmente alguém sentir a falta de você). Ou será que há mesmo quem lembre ou pense na gente?
Sim. É doído, mas talvez precise ser pensado. Vivemos a ilusão da nossa significância (se não para o mundo, talvez para alguém). Mas quão importante realmente fomos ao ponto de a nossa partida fazer falta? Ou ao ponto de quem não nos quis lembrar que algum dia teve a oportunidade de nos ter? Será que só eu que fantasio que algum dia, no silêncio de alguma noite, alguém se pegará pensando “como será que ele está?” ou “o que será que ele tem vivido?”?
Afinal, é bom saber que não foi em vão. É bom saber que não somos descartáveis e, por isso, não fomos simplesmente descartados. E enquanto a verdade não vem, é boa a ilusão de que somos pensados por alguém que é esse mesmo alguém sobre quem não deixamos de pensar.
Mas não é bem assim que funciona. Mesmo a gente pode listar pessoas que vivemos e que nos viveram e que hoje, sem algum esforço, nem passam pela nossa lembrança. E é assim porque há, de fato, outra vida acontecendo. Há outros encontros, outros projetos. Outras prioridades. Ou mesmo a indiferença de quem não está disposto a alimentar no outro (que dirá em si) qualquer tipo de contato que acrescente menos do que o potencial que tem para desgastar. E outra: se nós raramente somos a nossa prioridade, por que seríamos alguma coisa de alguém?
Então não sofra por quem não te faz questão. E nem se sinta menos. Aceite a ideia de ser útil pelo momento em que foi ou a ideia de que não te viram útil em momento nenhum. Cada um sabe de si e escolhe por si. Não se trata de não te quererem por causa de você, mas sim por causa deles. E não é justo – nem razoável – que queiramos ressignificar a vida de alguém que tem seus sonhos e sua própria ideia de viver bem.
Sendo assim, qual o valor de alimentarmos um passado com tanto potencial de aprisionamento? Por que nos prendermos à ideia de que em algum lugar alguém perceberá que cá onde estamos guardamos o melhor sentimento e a maior vontade de sermos para outro aquilo que queremos acreditar de que, “bom assim”, ninguém nunca lhe foi?
A resposta talvez esteja no medo de seguir em frente. Alimentar algumas esperanças é uma forma de não nos comprometermos com a nossa própria felicidade, tão acostumados que às vezes nos pegamos com a sensação de falta e de vazio. Pode ser que algumas vezes nos pareça mais seguro a clausura de um sentimento não vivido ou ignorado do que a liberdade de se escolher viver e correr o risco de provar nova decepção. Seria como se a rejeição conhecida fosse melhor que a nova rejeição. Aquela velha história de que “o medo de perder tira a vontade de ganhar”. Para alguns, o zero a zero é um bom resultado.
"Casablanca" (sim, o filme) mostra e ensina isso pra gente (além de sugerir que a pessoa volta justamente quando a gente acha que já não quer que ela volte. E daí é ela quem descobre que, sim, nos queria, apenas não sabia ou não podia –  Ah esses fimes!).
Mas a vida pode ser mais. Não fazer falta para alguém não significa que você não será a chegada feliz para outrem. E não é porque um dia houve esse alguém que você não se permitirá que outros surjam e te cortejem, te desejem, te possuam em corpo e alma e enquanto você se permite possuir corpos e almas, devotado que você estará em não se deixar ser vivido pela vida que é você que viverá. Porque a vida do outro vive e viverá com ou sem você, mas a tua, para ser viva (e vivida) depende toda de você. E por isso não vale a pena ficar alimentando a esperança de que alguém sentirá a falta que você não faz (e não tem problema).

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Carta ao meu filho


Julho de 2019

Que dia feliz! Mas que felicidade diferente.
Em primeiro lugar: já te amo.
Em segundo lugar, quero te dizer coisas que talvez não possa. Então, apenas presta atenção em mim e guarda essas minhas palavras:
Não existe jeito certo de ser homem. Mas são muitos os jeitos errados.
Jamais permita que alguém te diga como você deve sentir. E jamais tenha vergonha do que sente. Nem da dor, nem da alegria, nem medo, nem da tristeza, nem do desejo. Nada.
Não é verdade que homem não chora. Não é verdade que homem tem que ser escroto, machão, mal educado ou dominador. Prefira ser sensível. Prefira entender a dor ao invés de causar a dor. Prefira sempre estender a mão à amizade e não se envergonhe por quem não lho aceitar.
Se quiser dançar, dance. Se quiser cantar, cante. Aprenda a tocar um instrumento (a vida é vazia sem música. Faça a sua — vida e música).
E não tenha vergonha de sentir, de gostar, de ser alegre e feliz. Sentimentos são para que sejam sentidos e não para que sejam aprovados por alguém. Eles são teus. Viva-os. Jamais esconda-os.
Também não tenha vergonha de errar o chute, não acertar a cesta ou não alcançar a rede. Errar faz parte de tentar. Apenas não deixe nunca de jogar. Mesmo que te critiquem, mesmo que não te queiram, mesmo que não te escolham, olhe pra si, reúna força e faça o que puder. Mas não deixe de fazer o teu melhor.
Respeite e admire teus professores. Não é todo mundo na vida que vai se preocupar em te ensinar ou te preparar.
Sempre olhe pro céu. Olhe pra lua. Depois olhe pra si e entenda que há muito que é mais e maior que você. E daí entenda que nunca se deve ser arrogante com nada nem ninguém.
Respeite todas as pessoas, mas principalmente quem trabalha onde quer que você chegue. O dia dele pode estar pior que o seu. Seja quem ajuda a melhorar. 
Não há conhecimento inútil. Inútil é quem não tem, nem busca algum conhecimento. Portanto, estude e leia. E tenha imaginação. E se a tua imaginação te levar a sonhos gigantes, aí sim você terá descoberto o valor dos sonhos. Daí continue a sonhar.
E procure encontrar os meios de realizar teus sonhos. Jamais acredite em alguém que te diga que algo não é pra você. Só você deverá ser seu limite. O único limite.
Toda vez que você chegar num lugar, cumprimente todas as pessoas ali. Aperte suas mãos sorrindo, pergunte como elas estão e ouça suas respostas. Será melhor assim. Não precisa ter timidez.
Preste atenção à tua volta e confie no teu julgamento. Tudo o que te propuserem e você não puder confessar, nem faça. Experimente o prazer de ir pra cama sem medo e nem culpa. Fazer o certo pode até não ser o mais fácil, mas te fará mais seguro.
Quanto a ser seguro, sempre se pergunte a razão do que te afeta. Converse consigo, avalie teu dia, entenda o que te alegra e o que te faz triste e por quê. Autoconhecimento é essencial pra ser grande. Jamais queira ser pequeno na vida.
E lembre-se que ser é mais importante que ter. Seja bom, seja fiel, seja sempre jovem (mesmo depois de toda idade. Não tenha pressa para crescer ou envelhecer).
Cuidado ao se barbear. Cuida da tua pele desde novo. Nossa genética pode não te favorecer. E um pouco de vaidade não te fará mal. Apenas cuida do exagero. Não exagere nos cuidados que vão além da tua pele (alguém já ensinou: “use filtro solar”).
Agora algo muito importante: um dia você sentirá a urgência do amor e do carinho de outra mulher. Respeite-as todas. Não só a mulher que você ama. Mas talvez principalmente ela. Não se aproxime de nenhuma mulher se você não estiver disposto a ser o melhor que ela merece. Goste das mulheres. Interesse-se pelo seu mundo, pelo seu dia, pelo que ela gosta.
Não acredite em quem te diga que há coisas de homem e coisas de mulher. Coisas de menina ou coisas de menino. A vida será o que você fizer dela e não o que outros queiram fazer da tua.
Aprenda comigo: não te valerá de nada possuir uma mulher uma única vez e de forma vazia. Não chegue onde você não pretende permanecer. Não desperte sentimentos que não queira cuidar. Não seja vil.
Quando tocar uma mulher, busque que até sua alma (a dela, mas também a tua) se sinta tocada. Olhe-a nos olhos e deixa que teus olhos confessem teu encanto. Se beijá-la, que ela sinta tua vontade. E quando chegar a hora de você viver o sexo, procure ser amante presente, generoso e confidente da mulher que te receber nela.
E escuta: não importa que tenha havido outros (nem se ocupe deles): que o momento dela contigo te seja único (porque é único) e — quem sabe? —procure lhe dar motivos para que só haja você depois de você. E que haja muito de vocês. E, então, você vai descobrir que amar uma única mulher é um privilégio que nem todos têm (tomara que você tenha!). E seja você, também, só da mulher que te gosta, você gosta e que está com você. Não há mérito e nem ganho em ter vivido um número grande de mulheres.
A vida pode ser muito dura muitas vezes por isso, tenha quem te escute, te incentive, te descanse dos dias ruins. E seja esse pra ela. Não há chefe, nem há dona. Deve haver apenas dois diferentes que se querem iguais na história bonita que se desejarão.
Já te disse que estude e que leia. Isso é sério. Teu tempo parece muito, mas ninguém sabe qual o tempo que realmente tem. Então use o teu direito.
Estude um pouco todo dia. No começo será português, matemática, história e geografia. Estude caligrafia. Aos poucos você vai se acostumando com a química, a física e a biologia. Na primeira hora possível, dedique-se à filosofia e a entrar na melhor faculdade (pode até ser a de Direito se quiser), mas saiba que é você quem se forma. A responsabilidade é toda tua. Só tua. Então resista à preguiça, ao professor ruim ou às dificuldades que te vierem. Permita-se conquistas todo dia.
Ah sim: celebre tuas conquistas. Todas! Na escola, na vida. Todas. Celebre cada passagem de ano, cada aniversário, Natal e até festa junina. A vida é mais triste quando a gente acha que essas datas não são nada demais.
Quanto aos livros, escolha os melhores livros com as melhores histórias e reflita sobre elas. Leia Platão, Nietzsche, Descartes e Espinosa. Leia Rousseau, a Bíblia e Machado de Assis. Leia Pessoa, Vinicius e Drummond e se deleite com a Ismália e seu amor pelo luar. Aprenda que Aquiles foi morto por sua íbris, mas que Odisseu foi honrado porque amou sua casa e isso fortaleceu-lhe em seus propósitos. Não seja tíbio como Hamlet, nem ganancioso como Liar ou afoito como Romeu. Não há valor no ciúme. Logo, não seja possessivo como Otelo. Mas, quando amar, não seja covarde como Orfeu (sim. Se preciso, vá ao inferno pelo teu amor. Mostra pra ela que, se precisar, você provará que sabe que ela vale a exatidão de todo o preço que você quererá pagar).
Mas se faça pronto e forte para ser o apoio que sustentará a família que formará com ela. E reconheça que enquanto com ela não fez nada sozinho.
Trabalhe duro. Não deixe nada pra depois. O que tiver que ser feito, que seja feito. E o que quer que faça, faça com teu coração. Em nada ache que é irrelevante. Não importa o que te deem pra fazer, procure ser o melhor. Não por orgulho, mas por índole e vocação.
Também assista a bons filmes. Filmes que te distraiam, te descansem, mas que também te façam refletir, além de sonhar.
E ouça música clássica. Assista a uma orquestra e entenda a importância do um no todo.
Onde quer que você esteja, destaque-se pelo quê de bom você sabe e pode fazer. Mas também destaque-se por não precisar ser o dono da razão. Lembre-se que não existe uma única verdade. Respeite a forma que outros têm de ver com os olhos que têm. Os olhos deles são diferentes dos teus. Mas, se acreditar numa causa, dedique-se a ela de corpo e alma. Faça da tua vida a tua obra. Confia no teu coração.
E tenha fé. Se sentir necessidade de acreditar em Deus, acredite. É importante saber que há alguém maior que a gente que está de olho e que cuida e que conhece o nosso coração. Quando estiver triste, experimente orar. Se feche no teu quarto e peça que esse deus que você buscará te dê uma resposta. A resposta te virá.
Seja bom pra quem cruzar teu caminho. Não há mérito em ser bom só pra quem nos faz bem. Tenha olhos amorosos e espírito caridoso. Ajude a melhorar a vida de quem você puder e experimente a gratificação de dar a mão a um semelhante que bem poderia ser nosso irmão.
Mas acima de tudo, seja feliz. Acredite na felicidade e lute por ela. Não desista. Resista! Você vai conseguir alcançar. Eu já torço pra que você consiga alcançar.
E me desculpe se eu não te ver crescer. Não foi como eu queria. Tenho certeza que ainda se estivesse aí, eu teria orgulho da vida que você vai viver. Mas tenha certeza de que o dia mais feliz da vida desse teu pai foi esse dia em que eu soube que você iria nascer.
Ps.: espero que tenha dado tempo de te pegar nos meus braços, olhar pra você, te beijar e te dizer: “oi, carinha. Prazer te conhecer”.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Amizade pra gostar, somar e relembrar


Quanto temos real dimensão da sorte que já demos?
Você tem alguém que se preocupa com você? Amigos com quem você sabe que pode contar? Aquela pessoa para quem você liga na hora da tristeza ou para quem você liga na hora da dor (se bem que, infelizmente, hoje me dia ninguém liga pra ninguém. O mais próximo que a gente chega de ouvir uma voz é um áudio no whatsapp). Mas você consegue ter a consciência de que mesmo que viva só, não está sozinho?
Se sim, então você tem sorte.
Empoderem-se quanto quiserem, preguem que não precisam de ninguém, façam-se reclusos e defendam que a vida é vir e ir só, mas o fato é que uma boa companhia faz toda diferença. E não se trata de não estar bem quando só consigo mesmo. É mais aquela coisa de ter quem nos concerne, quem nos interessa, quem cuja alegria e a conquista também nos alegre e cuja tristeza nos afeta e nos indigna e, quando não, nos comove no sentido de tirar satisfação em quem teve coração de não cuidar de quem cuidamos. E saber que essa pessoa faria o mesmo por nós.
Saber, sim. Não só imaginar. Em alguns casos acabamos esperando de outros mais do que eles estão dispostos a oferecer. Mas arrisco dizer que há – e nós sabemos quem são – aqueles que estenderiam a mão, ofereceriam sua força, se ocupariam das nossas questões e tudo isso desde antes de nós já termos feito algo por eles. E que recíproca gostosa quando isso há.
Acho importante aprendermos a gostar de gostar. Parar com essa bobeira de que gostar é coisa de gente fraca ou o primeiro passo para se lascar. Parar com essa covardia de achar que primeiro tem que “ser gostado” e só depois se permitir gostar.
E por isso é que acho que já é hora de darmos mais chances para os beijos, para os abraços, para os apertos de mãos estendidas à amizade que, pode sim, ser de verdade. É hora de nos abrirmos mais, nos contermos menos e aceitar que a vida é isso que acontece a gente fazendo ou não, se permitindo ou não, ousando ou não. E ela vai passar. E que passando junto com quem nos faça rir, tente nos entender, se ocupe de saber o que nos falta e até tenta dar o que talvez complete (e não tem problema termos vazios que não são preenchíveis por nós mesmos), a vida será melhor.
Assim como não tem problema procurar “do nada” aquela pessoa que te foi amiga numa hora específica, mas que a vida – vivendo – por algum motivo afastou. Talvez ela estranhe que você surja. Talvez até ache que você vai querer um favor. Até porque o jeito que se tem vivido leva a que duvidamos do afeto e da gratidão gratuitos. As pessoas ficam sempre achando que há alguma outra intenção. Mas por que não confrontarmos essa forma de visão? Por que não sermos os primeiros de uma corrente que cresce e multiplica a possibilidade de ter afeto por outras gentes?
Vamos parar com isso de “sem tempo”, de “preguiça de gente” ou de “antes só”. Sejamos os bons amigos. Reconheçamos nossos bons amigos. Peguemos o telefone, mandemos a mensagem de “OI”, de “OBRIGADO”, de “QUALQUER COISA ESTOU AQUI” ou de “SINTO SUA FALTA”. Alimentemos o ego de alguém. Ajudemos a que quem foi relevante não ache que não fez diferença a ninguém.  
Tem muita gente sozinha porque têm medo de não quererem sua companhia. E isso é cruel...

quinta-feira, 18 de julho de 2019

A equação do afeto (ou a consciência do amor desequilibrado)


Ela era – não, ela é – das moças mais bonitas que eu já vi. Se eu a descrevesse, aqui, como a vejo, você provavelmente pensaria estar diante de um anjo ou da arte definitiva do artista mais valioso. E provavelmente você estaria certo.
Não bastasse, ela é sagaz. Pensa rápido de um jeito que te desmonta. Parece que sempre sabe o que dizer. Tem o comentário que vai te fazer rir, mas por vezes vai te fazer pensar. E depois que ela parte, uma parte dela ainda fica com você. É mais forte. Não que você queira pensar nela. Você vai pensar por bastante tempo até perceber.
Ela é nova e namora alguém da sua idade. Só que isso, por si só, já a faz maior que ele. Apesar de o conhecê-lo só pelos olhos dela, não é difícil entender que o homem jovem é muito mais jovem que a mulher jovem da sua idade. E imagino quão difícil deve(ria) ser, para ele, compensar o fato de não à altura dela. Ainda que talvez ele não tenha consciência de que ela é a sorte dele.
Ao olhar os dois e saber um pouco deles (mas também por saber de mim), pus-me a pensar que a maioria dos homens não entende que a sorte deles está em serem das mulheres de quem são. E não me venham com o argumento de que “ninguém é de ninguém”. Pra mim, isso é coisa de gente covarde, receosa de chorar a expectativa frustrada por ter querido bem quem não sabia direito o que fazer com isso. Gente que tem medo da dor, como se a vida fosse só para ser feliz.
Também não me censurem por falar de homem e mulher. Sintam-se livres para conformarem o texto àquilo que é conforme o que gostam, o que vivem, o que conhecem. Permitam-me que escreva o que me concerne e sobre o que sei. Leiam do modo que lhes concerne e como sabem.
Pois bem. Via de regra o homem não entende a sorte que tem. Eu mesmo, durante meus poucos relacionamentos e minhas muitas relações, peguei-me distraído da sorte que tive em ter mulheres que, de início, quiseram-me bem. Nem sempre soube lidar com isso. Não raro, apresentei-lhes um reconhecimento tardio seguido de um pedido de desculpa pela minha própria idiotice.
Porque a autoestima é ao mesmo tempo problema e solução. Quando alguém gosta da gente e ajuda a gente, a gente tende a viver um acréscimo de autoestima e começa a se achar mais interessante do que éramos antes daquela relação. E “sem noção” – o que quase sempre somosr (especialmente ou particularmente os homens) – achamos que ser interessante tem a ver com a gente, que somos naturalmente assim. “Errooou!” É a mulher que está com a gente que faz a gente ser melhor.
Por nossa vez, tantas e tantas vezes nos mostramos incapazes de reconhecer que fomos parte pequena da equação (da vida) em que elas nos foram a nossa “prova real”.
Mas continuemos a falar desses homens “sem noção” do porquê serem quem estão. Ninguém duvida que a mulher amadurece mais rápido. Talvez seja um erro que nos primeiros anos da vida adulta os namorados tenham a mesma idade (mas respeito e reconheço as exceções). A mulher parte logo e se desenvolve e cresce enquanto o homem fica. O problema é ela gostar muito dele. Gostar muito e ser altruísta e voltar os olhos para o homem que ainda não entende o que é ser adulto, o que é ter liberdade, o que é ter a oportunidade de conquistar. E como ela gosta muito – e como ela o quer junto –, ela procurará fazer por onde o ajudar a crescer.
Mas, crescendo, o homem quererá viver o que falta, enganado pela sensação de que, em algum momento, haverá a satisfação de que nada mais falta. E daí ele se perde, se distrai, a chateia e perde o que de melhor tinha para desfrutar. A sua companhia. A companhia dela.
E cada vez que o homem se torna patético, libertino porque cresce só em dias, a mulher perder a sua admiração. E não há paixão, não há amor, não há relação (saudável) sem admiração.
É claro que tudo depende do valor que nos damos. Oxalá todos nos conhecêssemos ao ponto de não demandar mais do que oferecemos e nem de aceitar menos do que merecemos. Mas não aceitar também não significa impor que nos deem o valor que acreditamos. Em relacionamento não se impõe valor. A gente até decide qual é o nosso e observa se a pessoa está conforme a gente vale. Se a gente tem certeza de que oferecemos o nosso melhor (e sejamos justos), mas ela não se der conta disso, algo será natural: pouco a pouco gostaremos menos e, enfim, partiremos.
O outro ou a outra, distraídos no seu egoísmo de namorarem mais a si e aos seus sonhos, talvez, então, se surpreenderão. É aquela hora que alguém diz: “mas estava tudo bem e ‘do nada’ ele(a) resolveu terminar”. Nunca é do nada que a admiração deixa de existir.
Agora é claro que não é porque a outra pessoa não reconhece o nosso valor que a gente vai desistir de gostar de alguém (talvez até dela). Até porque o coração não é nenhum gênio. Daí que acho que o primeiro motivo para gostar de alguém é porque “gostar é bom”. Eu mesmo gosto muito mais de mim quando estou gostando de alguém. Mas também é importante que a pessoa faça por onde a gente continuar gostando e não faça por onde a gente desgostar.
Além disso, talvez seja bom que a pessoa tenha algum receio de perder a gente. Não porque a gente fique fazendo jogo, fazendo cena, ameaçando partir. Isso é ridículo. Mas porque a nossa presença na vida dela será tão importante que ela vai olhar pra gente e pensar: “ela não está comigo porque sou bom; eu é que sou bom porque estou com ela”, e daí não vai querer perder essa sensação por nada e ninguém no mundo.
Mas se ela não entende... tchau! Tem muito mais gente disposta a ser e fazer feliz e que só precisa de uma oportunidade.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Saudade de que(m)?


A quem comunicamos a nossa saudade? E sentimos saudade de quê?
Poucas coisas são tão ruins quanto lutar contra o costume. A gente se acostuma muito fácil ao que ou a quem nos faz bem e a falta desse alguém ou desse o que é bastante para desorientar nossa rotina e por em xeque – de alguma maneira – a nossa sanidade. Sim. Porque sabemos que desde antes desse “costume” já havia a vida que ainda haverá depois que passa o momento e, portanto, nada daquilo com que nos acostumamos é determinante para que vivamos bem. Mas faz falta.
Termos que ressignificar essa rotina e esses gostos também algo longe de ser tranquilo. Ainda que possa ter acontecido de a distância daquele bem tenha sido um ajuste entre duas pessoas que, racionais, reconhecem o risco ou a inutilidade ou mesmo a indisposição de se conviverem, seguir adiante e não olhar para trás é medida que requer ou muita coragem ou total falta dela. A mulher tornada sal é a prova disso e olha que, no caso dela, havia um Deus “recomendando”.
Espero que a hipótese da falta de coragem tenha te chamado atenção até ao ponto de você estranhar e querer entender o porquê dessa afirmação. Ora, ser racional não é ser desprovido de emoção. Pelo contrário. Muitas vezes gostamos, mas diante de um cenário de mau futuro que projetamos (talvez movidos por uma imaginação fatalista, pessimista e sabotadora) deixamos de lado o bem de agora em nome de evitar um mal depois. E daí não olhamos para trás por medo da dor e da saudade do que não teve tempo para se estragar. Era só gozo.
Mas certamente o pior é para aquele que fica enquanto há quem vai. Esse que fica é aquele que, ainda incapaz de se libertar do desejo do “eterno retorno” daqueles instantes tão significativos (e daí se faz sentido ou se é ridículo, é uma outra questão), fica estancado numa fase em que seus pensamentos são seus piores inimigos. Começa a se perguntar o que poderia fazer para mostrar que ainda há espaço se o outro quiser voltar. Mas pior: começa a se perguntar e a fantasiar se o outro sente a falta que ele sente e se pensa tanto quanto ele pensa ou se a essa altura, se ri com outrem e tem a disposição de se compartilhar com o novo, mas jamais consigo.
De minha parte, os anos me ensinaram que minha cabeça covarde tenta controlar minha emoção. E ela faz isso judiando de mim. Não raro, diante de algum episódio entristecedor, meu mecanismo de fuga mental é sonhar sonhos em que a pessoa me é ruim. Me distrata no que me dói, perde a discrição no que me importa, age como talvez, no mundo real, eu fosse incapaz de perdoar. E daí, de alguma maneira, tendo a acordar curado da saudade que dói, mas que não parte e que também tendo a querer comunicar.
Mas de que vale essa saudade? O que se ganha em continuar esperando que alguém volte ou surja para legitimar uma ideia de futuro com alguém que idealizamos sobre um alguém real que no mais nem conhecemos? Tanto mais seguro seríamos entender que não temos saudade de alguém, mas temos saudade de quem somos e do que sentimos quando sonhamos acordados com a remota possibilidade do nosso ideal se fazer real. Porque a questão a se fazer é até que ponto esse encantamento (que agora falta) resistiria ao teste da vida real. Até porque, mesmo nós nos pensamos sendo perfeitos quando apenas fantasiamos o começo de uma relação que, se tivermos sorte, não ocorrerá.
Por outro lado, a vida não precisa ser segura nos sentimentos. Talvez seja muito pior não arriscar tornar o ideal real por medo. Talvez seja muito pior calar o desejo que sente, mesmo se esse desejo não parece fazer sentido algum. Quem disse que a vida precisa ter sentido?

terça-feira, 16 de julho de 2019

Autoconfrontação: precisamos gostar da gente antes de querermos que gostem de nós


Somos vítimas do nosso tempo ou agentes da nossa dor? Estamos sabendo onde procurar nossa paz e nossa autoestima? Cuidamos do outro como cuidamos de nós? De onde vem a nossa paz e a nossa autoestima? E a do outro? O que faz com que estejamos bem? O que faz com que queiramos fazer o bem?
Tenho me sentido preocupado e com a impressão de que vivemos cada vez mais a tendência de querermos encontrar “pertencimentos à distância”. Por alguma razão parece que nos sentimos como se dissociados do mundo imediatamente à nossa volta e passamos a usar da internet como se o telescópio que, nos dando a visão das gentes mais distantes, nos ajuda na busca de quem se pareça conosco e mostre, então, que não estamos sozinhos na nossa forma de ser.
Mas por que precisarmos disso?
A vida em uma sociedade pasteurizada sob matizes estabelecidas pelo gênio de não se sabe quem parece nos constranger contra a ideia de sermos únicos ao nosso modo. E não importa que talvez ninguém seja único e que mesmo as nossas idiossincrasias se reconheçam vivas na personalidade de outrem: temos o direito de sermos únicos e de não precisarmos da confirmação de ninguém.
É necessário que fortaleçamos nosso caráter e nos permitamos o privilégio de sermos o que quisermos, pautados pelos valores que tivermos e opostos a tudo quanto não se comunique com quem somos. Não precisamos nos adaptar a cartilhas ou nos ajustarmos a formas de ser quem não somos nós. O tempo precisa ser o do grito da liberdade da escolha de ser um.
Será ótimo que não precisemos nos preocupar se nos aprovarão. Quem “não é eu” não precisa gostar do que gosto, assim como, “eu sendo eu”, só preciso me bastar naquilo que me agrada e que não é ilegal e nem é imoral. Que belo seria o mundo em que as pessoas se completassem nas suas diferenças ao invés de se incharem nas suas semelhanças. Haveria menos pessoas dependendo de “likes” e “biscoitos” para se sentirem felizes e relevantes porque aprovadas desde fora de si.
É perigoso nos confortarmos com o aplauso alheio e pautarmos nossa ideia de importância no número de vozes que louvam nossa forma de ser. Porque se eu espero a satisfação da acolhida e valorizo demais a aprovação que venha da reação positiva de quem gosta de mim, correrei o risco de supervalorizar eventuais desaprovações e maldades e reações negativas de pessoas vis e vazias que não estão nem aí para mim, mas que se sentem estranhamente confortáveis em destratarem quem quer que, diferente delas, não tenha problema em gostar de ser quem é.
Que bom seria se todo o mundo entendesse que a melhor aprovação é a que vem de dentro, a que vem da gente. A sensação de se conhecer, saber quais são as fraquezas e trabalhá-las; quais são as virtudes e desenvolvê-las; quais são os sonhos e as metas e ir buscá-los. Que importe pouco ou nada se são mais os que discordam e desanimam do que os que concordam e incentivam. A gente simplesmente vai e faz porque sabe que ninguém melhor que a gente conhece melhor a gente. E daí se atrapalharem, a gente ignora; se segurarem, a gente se solta; se destratarem, a gente segue e anda e realiza e na volta ainda volta sorrindo a certeza de quem se sabe forte porque se sabe gente que sente e não tem medo algum de sentir (e se conhecer).
Quanto ao aplauso, o mais importante é o nosso. Agradeçamos aos dos outros, mas desconfiemos. Não nos bastemos neles. Nem choremos a falta deles. Será muito melhor a certeza de que fizemos o que queríamos e de que vivemos o que desejamos.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

QUEM TEME O AMOR CALA O AMOR (ou o que é biografia?)


Lembro como se ontem que ela “voltou”. Sim, voltou. Houvera um tempo em que tivesse sido talvez a pessoa mais presente daqueles meus dias. Eu era solteiro há pouco, ela jamais sozinha, em alguma medida éramos o que a distância pareceria companhia que convinha, mas que aos poucos foi se fazendo companhia que bastava porque companhia que se queria. Mas apenas companhia.
Acontece que a vida vive e nem só de companhia vive o homem (e a mulher). A certa altura a única certeza era que chegaríamos juntos e que no outro dia nos perguntaríamos se voltáramos bem. Era a vida vivendo, os encontros se acumulando, o cuidado existindo, mas ninguém se empatando. Ate que a frugalidade passou a ser um com o outro. Havia os que passaram a ser companhia constante e quem sempre se tinha, pouco a pouco, sem que notasse, se perdia.
Ela se casou primeiro. Grande festa, muita alegria. Aplausos e desejos de felicidade. Mas há meses que não a via, era pouco o que nos falávamos. E mesmo à falta de pretexto, não fui. Tinha o convite, tinha o terno e tinha o dia. Mas não tinha a vontade de aplaudir o que, por alguma razão, me ofendia.
O curioso é que também havia meu próprio casamento que nem eu sabia que logo chegaria. Dia após dia, o que era costume se fez compromisso e mesmo sem festa, banda e damas de companhia, de repente era eu que descobria minha casa abrigando minha nova companhia.
E a vida foi vivendo, acontecendo e separações e divórcios ocorrendo.
Devo ter sido o primeiro a me dar conta que o que era certo se fez erro. Pus muita fé na minha capacidade de me manter inteiro onde faltava parte de mim. Por alguma razão, naquele início de vida adulta acreditei que gostar era questão de escolha e que me bastaria querer que meu afeto fosse dela e logo tudo faria sentido porque tudo seria bom. Eu faria questão de fazer bem.
Ah, a empolgação da vontade de quem se pensa prenhe da melhor paixão. Voluntarismo, erotismo... tudo parecia que contribuiria para as núpcias perfeitas. Não seria preciso cartório, papel, padre e qualquer juramento de uma fidelidade eterna. Não foi o que a vida mostrou.
Com menos de 25 anos e eu já me sabia recém-saído de um casamento sucumbido a uma gravidez naturalmente interrompida, restava me reerguer. Restava me recuperar da falta dos beijos da partida, da chegada e do durante da melhor convivência, me acostumar a falta do abraço, do afeto, do boa noite ou do bom dia que me fazia sorrir ou da ligação no meio dia só para lembrar que a noite logo viria e na sua esteira todo o desejo que não era só eu quem nutria. Não havia mais o abraço que embalava, a imagem que inspirava, a voz que acalmava, o olhar que acendia e a certeza do amor que me habitava.
Quanto a ela, viu que quem se mostrava muito, no final não era nada. Não tinha casado para esperar marido que não sabia quando voltava ou para conviver com o álcool que se não fazia agressivo, acabava tornando bufão, enerve, fraco. Mesmo os bons modos dos tempos de namoro soçobraram a medida em que a convivência mostrava que se casara com um homem, no mínimo, vil de modos, jeitos e trejeitos. Mas pior: vil de moral.
Agora éramos os dois sozinhos, machucados, desgastados... envergonhados. Envergonhados um do outro porque sumidos das vidas que naufragavam em seus propósitos e que não se viam no direito de voltar ao pertencimento mútuo de quem sempre se quis bem. Não que já não houvesse redes sociais ou amigos em comuns de onde se sabia o que acontecia. Era mais uma questão de não se ter certeza de qual o tratamento que a gente realmente merecia.
Se eu quis procurar e dizer da falta que sentia e de como lhe queria perto? Todo dia. Mas também queria que ela me ligasse, que ela me dissesse que sabia do desejo que calei desde antes e que se arrependia de quando não me viu ou por saber de mim temeu se permitiu ser de quem não era eu enquanto eu me perdia na busca dela em quem não tinha nada dela. Devaneei a busca do regresso dela, mas não arrependida, apenas desejosa de descobrir se era verdade aquilo que, de mim, ela sentia.
De repente, num dia de voo atrasado, aeroporto lotado e barulho irritante, duas mãos me envolveram os olhos. Não disse “advinha quem é?”, mas também não precisava. O perfume a denunciara e eu soube na hora que era ela (muito embora, até hoje ela jure que nunca teve aquele perfume enquanto me tinha grato cativo dela). Sem qualquer susto lembro de subir minhas mãos às suas mãos e, corridos meus dedos até seus punhos, puxando-a desde trás de mim até diante dos seus olhos. Como ela ficava linda de azul. Seus cabelos negros e mais crescidos, seu sorriso envolto de lábios tão bem feitos em harmonia com o olhar travesso... e que abraço cheio de sentido o que se seguiu.
Ela partira do destino para onde eu ia, mas seu voo também atrasara e sentada ao meu lado me contava o que nem sempre eu ouvia no tanto em que eu me encantava. Ela estava ali e falava e falava ora rápido outra hora acelerava e eu só conseguia sorrir e pensar no vazio que a falta dela me causava.
- Eu falo muito. Me fala de você.
- Eu sinto sua falta e am...
Chamaram meu nome, o tempo passara e só faltava o meu embarque. Os olhos dela brilharam à declaração interrompida e de repente me pensei fraco por me por a falar o que, àquela altura, eu não tinha motivo algum para acreditar que lhe interessaria saber. “Eu amanhã te ligo assim que chegar” foi o máximo que consegui dizer. E liguei. Ela me contou o que viveu, me disse dos seus planos, me contou dos seus medos, de como não queria saber de ninguém antes de terminar seus projetos... eu ouvi, disse de mim, marcamos um almoço, quem sabe um jantar...

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Desde quando quis ser professor. Mas não sei se era pra ser assim (Por que quis ser professor?) - uma "autobiografia"


Me peguei fazendo uma retrospectiva de mim mesmo.
Logo no 2º ano de faculdade entendi que gostaria de ser professor e, para minha sorte, apesar de todos os traumas e senões que tenho em relação às escolhas passadas, a forma como vivi minha graduação me permitiu fosse envolto de pessoas que o tempo me provara essenciais.
Muito embora não pretenda dizer, aqui, quem achei melhor que outros – mesmo porque se já não era justo na época seria ainda menos justo hoje – já naquele 2º ano eu tinha referência de professores cujo modelo me acompanha até hoje. Claro que não me furtaria o prazer de citar (porém por pudor não os marcarei nenhum) nomes como do Davys, do Marlon, David, Elias e Geraldo porque compõem o grupo dos professores nessa fase até o 2º ano.
Além deles, destacaria especial e carinhosamente, Priscilla (ela já no 3º ano) e que, em sempre ansiosos, esperançosos e hoje saudosos diálogos, me sugeria uma visão de mundo menos estreita que a que eu tinha – ela com uma visão mais ampla do que jamais terei – e também uma esperança de atuar em prol de um mundo melhor que até hoje que lhe assisto de longe, ainda me comove.
Daí que, de alguma forma, olho pra trás os últimos dezessete anos e preciso ser mais feliz que triste, mesmo se lamento as leituras que poderia ter feito, mas não me foram exigidas num tempo em que eu mesmo não sabia me obrigar; ou mesmo se lamento todas as outras possibilidades que talvez não vivesse, mas que me são fantasmas que assombram e retornam e acusam sem parar. Mas foi essa época determinante em que conheci pessoas – e daí não só professores – que me fizeram quem sou; amei as primeiras mulheres com a urgência de uma poesia improvisada no auge do estupor (todas elas devidamente referidas e reverenciadas nO Trovante), desgarrei-me de morais que me foram dadas, mas não eram minhas, fiz-me no despertar da consciência de que ainda haveria muito a ser feito.
Pois sim. Acho que a melhor parte de mim vem diretamente desse fato de ter sido acolhido – adotado mesmo – por esse grupo de pessoas (não muito) mais velhas que eu e que, ao me receberem, também me abriram portas para um mundo (nem sempre cru, apesar de potencialmente cruel) de que graças a Deus não me livraria mais.
E claro que não ficaram apenas esses. Antes já teria havido Tony com seminários de português que me ajudaram na timidez de me apresentar em um púlpito que não era de igreja. Já no 4º ano ainda pude me encantar com as aulas da Fabíola (que privilégio), ou mesmo com a expertise (e parceria) do Malwe, a parcimônia e educação do Paulo Cachimbo (na verdade, ele, no 3º ano, caminhando lentamente em uma das raras noites que cheguei cedo pra me dizer: “o senhor não se resfrie porque já estourou em faltas”). Ainda tive muito boas aulas com meu pai (àquela época se descobrindo professor) e em tudo isso, muito embora matando muita aula (as do meu pai, não), fui me querendo também professor.
Mas mesmo carregando a dor de não ser bem querido por todos – aquela cruel ilusão narcisista – , mas querendo a inocência de ao menos sê-lo pela maioria, sempre me quis um professor próximo dos alunos tanto quanto fui desses professores que hoje confesso, em texto, que me foram essenciais para que eu fosse quem sou na essência tantas vezes desconhecida.
E acho que por algum tempo o fui. Mas desde algum tempo talvez tenha deixado de saber como se faz para ser (para continuar sendo). E isso me exaspera na mesma medida em que me entristece.
Eu, particularmente (óbvio que é particularmente se falo de mim, mas enfim), nunca gostei de nada muito rigoroso ou formal, tal pecha me incomoda porque sinto que ela também afasta. Me incomoda o excesso de siso na vida. E tudo piora quando me parece que em algum momento é como se alguém lograra o êxito de estabelecer um muro feito de detrações e maledicências recíprocas entre professores e alunos, como se compusessem classes antagônicos e não complementares que o são.
E por que me entristece? Principalmente porque não me fiz, nem nunca me quis professor para que um aluno me visse como adversário do seu crescimento, ou temesse o que eu pudesse pensar: seja do que pensa de mim (por mais que invencionices e mentiras magoem), seja se pensa contra mim ou diferente do que penso. Para mim, sempre será mais importante que ele seja quem é e pense conforme seja. Quero ser parte e não fim.
Na verdade, sempre acreditei que, entre professores e alunos, um pudesse ser a extensão do outro já que os afetos nos fazem sempre outro. E foi esse que me quis: o que diz, mas que saiba ouvir; o que fala o que é necessário, mas não cala o que é preciso falar porque também é preciso ouvir.
E me preocupa ainda mais porque vejo que, de alguma maneira, se não houver cuidado, o professor se isola na personagem que traveste, põe-se acima do aluno e, bastando-se em quem é e no que crê, deixa de querer saber o que aquele aluno anseia, o que ele consome na sua rotina, na sua cultura, na sua forma de ser. Logo, não é de se espantar que haja um estranhamento triste que, por sua vez, gerará um professor distante e, portanto, entristecedor porque inapto no mister de inspirar ou motivar seus alunos tanto na hora da dúvida quanto na hora da dor.
E até isso pode piorar: lembro de certa vez, e isso já contam uma pluralidade de anos, ter ouvido a recomendação de que o professor deveria passar ao largo de qualquer problema pessoal do aluno porque amanhã poderia ser acusado por mal aconselhamento. E são coisas como essas que me indignam: por que ver alguém ansioso pelo que talvez se justifique numa falta de vivência que alguns anos a mais ajustariam, e não se importar? Ser professor tem a ver com vida e aprender a viver (não só ensinar).
De todo modo, é triste assistir que há uma cada vez maior ansiedade pelo fim de uma fase que deveria ser bem vivida a ponto de dar saudade antes de terminar. E que essa ansiedade não é pela expectativa de colher os louros do sucesso que lhes virá, mas sim, fruto do mais puro estado de esgotamento emocional. É sinal de que algo deu muito errado. Mas onde está o “mea culpa” de quem também tem culpa? Ou se viverá de intransigência em intransigência, ao argumento de que deve se ser duro porque a vida também é?
Quanto a mim que escrevo como se testificasse a vida finda, mas que espero longa, tenho que gostaria de ser lembrado por quem reconheça, em mim, q fui o melhor que minha parca capacidade me permitiu que eu fosse. Mas gostaria de ser ainda mais lembrado como quem não foi ruim, nem se quis difícil ou dificultoso, antes, procurou deixar claro que, mais do que da matéria ensinada (ou só lecionada), gostava de quem teve, por todo esse tempo, diante de si.
Isso, sim, seria minha boa fortuna.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Os sonhos também voam até que se perdem e precisam acabar



Vez ou outra a gente precisa se permitir sonhar. De olhos abertos, contemplamos a felicidade que nos parece qualquer coisa menos improvável. De repente nos imaginamos perfeitos, dispostos a qualquer coisa menos repetirmos o que não deu certo, o que não foi certo. A gente simplesmente ousa acreditar que vai ser melhor. É a hora em que há por quem ser melhor.
Ao mesmo tempo projetamos o futuro que no fundo a gente sabe que não vem. E é porque a gente sabe que ele não vem que a gente permite que ele nos alimente. E a gente se alimenta dele. A gente olha para frente e tudo que se consegue ver é a gente feliz, vivendo e fazendo alguém ainda mais feliz. A gente se quer fazendo feliz até quem a gente acha que quer para gente, apesar de no fundo desconfiar – até saber – que é alguém que nem pensa em querer a gente.
É aquela vez, aquela época, em que a tua vontade é a de romper o silêncio para dizer que não haverá no mundo ninguém capaz de dar o que você tem, de fazer o que você pode, de viver o que você deseja. Sim... nos tornamos soberbos. Mas soberbos porque cheios de uma intensidade rara de quem escolhe viver o que não seja comum. É quando nos queremos ousados, mas nos contemos e, se nos contemos, é porque no fundo não acreditamos que gostarão do que há em nós. Não acreditamos que gostem de quem somos nós. Não! Não temos medo do passado e nem do futuro, só do presente que nos lega a ausência de quem nunca nos esteve porque não nos quis, mas que mesmo assim insistimos em fazer a lembrança constante de tudo o que quisemos, mas infelizmente não vivemos.
Daí que não se trata de amor não correspondido porque nem amor foi. E nem amor é. Talvez seja o amor querido, o amor desejado, vislumbrado e deslumbrado justamente no que se permitiu sonhar. Sentimento de que queria se alegrar mais, mesmo quando se mantém longe de quem nunca esteve perto. Sentimento que dura o tempo de nos vermos a nós mesmos postos no beiral do qual não se pula, tendo às costas o caminho para o qual não se volta e diante dos olhos, no horizonte mais distante, um futuro com que não se conta.
Diante do fim do sonho, da ilusão, da fantasia que faz – que fazia – a alegria de que se cantava e se renovava a própria energia, a sensação de solidão fica ainda mais forte. Já não há mais a companhia que impulsionava o passar dos dias porque cria que mais dia ou menos dia seria o fim do adeus, seria o fim da agonia.
Mas chega a hora em que o sonho também se vai. Vai e liberta o sonhador. Deixa-o pronto para ao menos um pouco do que é real. Deixa-o pronto para viver na pele o que só desejou, no mais, sequer revelou. Ficam, pois, as mãos acenando o adeus que se queria oi; os braços vazios, abertos, esperando o abraço de quem já se foi enquanto se perguntam se haverá novo corpo a quem envolveria, a quem envolverá; os olhos, por sua vez, só menos opacos e sem vida que a voz que não passa de murmúrio de quem não quer se confessar. Aliás, os lábios reservados para o encontro impossível, agora se cerram e se enterram e juram jamais voltar a beijar.
Realidade entristecedora que afugenta a felicidade de quem, ainda assim, não se furta de desejar que viva bem a vida que for, mesmo que, a partir de agora, seja essa vida a vida que lhe exige nunca mais voltar a sonhar.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Acumulando tristezas


Quase como se fosse uma sina: em determinado momento você acorda como se a vida finalmente te desse o sentido que você, sozinho, não encontrou. Tudo o que era cinza, o que era opaco, ganha cor, ganha brilho. Você canta, sorri, sai de casa, cumprimenta os que passam, elogia quem te encanta, é simpático ao mundo que você sente que te alegra. Nesse instante, tudo em você é vontade, é energia, é potência para desafiar o futuro investindo no melhor presente. Até que você percebe que não “conquistou” o mundo. Você ainda nem saiu da cama, do colchão.
É impressionante como o barulho do nosso pensamento é tão alto quanto pode ser veloz o seu ir até onde encontre o desejo que lhe desfaz a inércia. Mas é a mesma velocidade que pode parar de repente. Zerou. Morreu. A potência caiu. O mundo nos entristeceu. Porque, da cama, antes do despertar do corpo que carrega essa nossa alma sempre pronta para o próximo encontro que lhe abaterá ou mesmo pronta para o desencontro da outra alma que até lhe alegraria, dessa cama, os sonhos são grandes, a disposição infinda, as conquistas são todas, os sonhos são muitos, mas os medos são mais.
De repente, quando finalmente com os pés tocando o mundo que é, sentindo o desafio e o enfrentamento das coisas que não são como quereríamos, a gente se põe a perguntar que caminho é esse que a gente trilha, que escolhas são essas que não alegram, que destino é esse que parece mal determinado e que nos custa entender que é consequência da gente que a gente se fez. Pouco a pouco, as inconveniências da vida e dos outros, as circunstâncias desagradáveis da vida e dos outros, as influências tantas vezes nocivas dos outros na nossa vida, fazem com que os responsabilizemos pela nossa própria falta de atitude e de coragem para assumir: eu quero isso, eu quero sim, eu quero assim e vou até onde seja ou esteja o que não desistirei até conquistar.
Sim. Somos o nosso fracasso tanto quanto seríamos o sucesso se a nossa covardia e a dissimulação não nos fizessem esconder que desejamos, que queremos e que amamos porque sob pena de, então, uma vez revelados, nos sentirmos obrigados a conseguir, obrigados a conquistar, não mais para a satisfação nossa – me parece, que deveria o objetivo primeiro –, mas por nos sentirmos obrigados à satisfação aos outros de quem erramos quando pensamos assistirem nossa desdita. E outra: se é que se ocupam de nós, é porque têm uma vida pior do que a nossa. Gente feliz só se ocupa de ser feliz.
E daí porque temos medo de experenciarmos o real, guardamos a imagem do ideal que fazemos. Porque tentar e não conseguir pode anular a fantasia onde tentar é conseguir e onde conseguir é bom, é suficiente e emocionante. É comovente. E porque a fantasia nos alegra, em princípio parece que nos basta. Mas também porque muitas vezes temos medo de buscarmos experenciar o real da fantasia porque seria ruim descobrir que se sonhar feliz faz mais feliz do que procurar ser feliz.
Então a vida vira esperança: o eterno sinônimo de ausência. Porque só se espera o que ainda não chegou. E se não chegou, mas se espera, é porque falta. E não pode haver alegria na falta. Na falta só há o desejo que, irrealizado, esvazia a razão da alegria. A fantasia que parece contentar, na verdade não passa de fuga de quem se apavora ante a ideia de tentar.
É aí que filhos enterram pais a quem amam, maridos que enterram a esposa a quem ama, irmãos que enterram irmãos a quem amam, amigos que enterram amigos a quem amam e tudo isso depois de anos se imaginando declarando o amor que é de verdade e que sentem, mas que não têm coragem de declarar porque temem o que acreditam lhes faria parecerem fracos, quiçá ridículos. Nisso, perdem-se na busca pela coragem de dizer no amanhã em que já será tarde.
Da mesma forma é quando o apaixonado não revela a paixão porque teme não a ter acolhida, nem a saber recíproca, até que deixa que passem anos em que sem premeditar some da vida de quem queria como companhia da sua vida. Anos depois, informais, distanciados, mas reencontrados, num tempo em que se pensa que não há mais sentimento a ser rejeitado e, portanto, não há mais medo de revelar o que já é passado, ele finalmente fala da paixão que sentiu e dos desejos que desejou e, então, conhece uma nova do: a dor de ouvir que se se tivesse revelado no que sentia, o outro também teria se revelado apaixonado. Mas não se tiveram.
E é assim com todos, em tudo. É o caso do que não aguenta mais o emprego, nem o estudo, ou a igreja ou até o bairro em que vive, mas se resigna e se mantém onde não pretende estar, quem dirá permanecer. Todos esses vivendo seu medo de tentar.
O fato é o que o medo nos tira de nós mesmos. Ante ao medo (do desentendimento, da fraqueza, da exposição, da rejeição, etc.), perdemos a vida que temos quando optamos por deixar de vivê-la. O medo nos descaracteriza para nós mesmos e nos enche da dor de sermos quem não deveríamos ser. E, pior, sabemos disso. Sabemos que o medo nos impede de vivermos a graça, o contentamento, o atrevimento que faz com que haja vida mesmo na dor (que vem do silêncio ou do não que rejeita), porque sentir é se saber vivo, ativo, dono do futuro que um dia merecerá ser contado, mas que no presente calamos e fazemos dele o futuro que não acontecerá. Perdemos.
Acumulamos a tristeza todo dia em que não sabemos que caminho é esse que nos leva até onde não vamos chegar. E tudo porque não arriscamos. E tudo porque não nos permitimos e nem tentamos alcançar o que ou quem queremos e só por causa de medo estúpido de “perder” o que, na verdade, não temos, nem revelamos. Isso tudo a que apenas tememos.
Ora, temer a vida é a receita perfeita para perder o que de melhor todos nós temos para viver e que ainda que nos aguarde, não nos chegará se não formos nós os que sairemos dispostos a buscar. Então vá! Se permita e se mostre! Arrisque-se e ganhe o que tiver para ganhar. Apenas não enrole, nem demore. Nem acumule a tristeza de não viver aquilo que já passou da hora de você admitir e aceitar. E que seja sempre mais fácil fazer que falar.