domingo, 22 de março de 2015

Como ama o amor

A frase que serve de título para esse texto é de um poema do Fernando Pessoa em que ele começa dizendo: “Amo como ama o amor”.
É sobre isso que quero escrever. Sobre quão proveitoso seria se amássemos como o amor amar e não como a gente quer que o amor nos ame. Ou talvez paguemos um preço bastante alto.
É inegável que todos nós temos nossas expectativas sobre o amor, afinal, crescemos ouvindo histórias de amores com finais felizes e assistindo a filmes de amores bonitos e de paixões que inspiram, onde o amor sempre supera tudo e move os amantes a conquistas improváveis e até impossíveis. Ao longo da vida, acabamos todos, de um jeito ou de outro, contagiados por uma urgência de amar e ser amado. Amar e ser amado...
Amar e ser amado parecem ser duas das constantes mais assustadoras dessa equação chamada vida e isso porque quando mais vivemos e experimentamos a vida, mais isso parece realidade cada vez mais distante de cada um de nós.
As nossas expectativas sobre o amor e o que ele pode nos conceder muitas vezes nos levam a encontrarmos um amor que não entendemos ou não enxergamos e não aceitamos. Muitas vezes perdemos a chance de um bom e bonito amor pelo simples fato de acharmos que o amor é o que queremos e não o que alguém tem para nos amar.
Talvez aqui esteja a culpa de muitos amores que morrem antes de nascer. Cada qual preocupado com quem passaram a vida esperando, ao encontrarem alguém que lhes deseja, ocupa-se mais em expectar a transformação de quem lhe quer em quem ela deseja, do que simplesmente aceitar esse que lhe quer do jeito que ele é.
É como querer sempre mais. Mas é querer um mais que a gente quer acreditar que existe do jeito que a gente acha que tem que existir e não do jeito que a vida sugere que é. 
Que tal apenas aceitar o amor que vier do jeito exato que ele quiser amar?

quinta-feira, 12 de março de 2015

A (in)consciência do outro

Desejamos a onisciência. Talvez até sem perceber. Detestamos não saber. Ou não é verdade que vez ou outra nos pegamos olhando alguém e pensando: “o que será que ele(a) está pensando?”. Nesse mesmo instante em que estamos curiosos, sentimos aquela ponta de frustração por não lermos ou ouvirmos pensamentos, cuja consequência é continuarmos no escuro da nossa ignorância.
Fantasiamos de tal modo que nem consideramos a “benção da ignorância”. Sim, muitas vezes a ignorância é uma benção, porque é bastante provável que nem sempre tenhamos estrutura emocional para que saibamos a verdade de certos pensamentos de modo a que descubramos que não somos tão queridos, nem tão bons, nem tão desejados ou admirados como nos pensamos ou queremos.
Mas como na nossa fantasia somos invencíveis e infalíveis, só conseguimos nos manter com a sensação de que saber o que o outro pensa, o que faz, o que quer ou o que esconde só nos fará bem e então insistimos nessa ideia, nessa intenção de desvendarmos o mistérios que não nos diz respeito, mas que nos assumimos mesmo assim. Como não é comum que tenhamos êxitos, partimos pro “plano B”.
A pior parte de não saber de tudo talvez seja compensarmos a ignorância com a imaginação. De repente nos pegamos imaginando o que o outro imagina, o que o outro sente, o que busca, por que busca, o que quer, o que esconde. Nos ocupamos tanto tentando criar a vida que o outro nos sonega, que até nos enciumamos dos amores que nem sabemos que ele tem e desejamos ajuda-lo a viver os desejos que nem sabemos se ele sente.
Cada vez que estamos com uma pessoa, seja sob o status que for, estamos oferecendo o que temos e ela, muito provavelmente, está nos oferecendo o que tem. A nossa mania de não nos contentarmos com nada nos tem impedido de reconhecermos o muito que o outro nos tem e queremos sempre mais. Mas o que ele mostra e o que ele compartilha é o que lhe é confortável viver e até talvez o melhor que ele pode dar.
Querermos controlar tudo, até o pensar alheio é um passo certo para o desgaste, a amargura e até o rancor. É tarefa mais que hercúlea, na medida em que viver e sentir é mais do que o amor, mais que o que se vê e muito menos do que o que se sente. Há pensamentos, desejos, lembranças e intenções que não se compartilham, que são segredos, que não devem ser relevados muitas vezes até porque perderam seu momento, apesar de não terem deixado de ser.
Duas vidas que se unem são mais do que duas vidas que se unem. Uma só dessa vida que se oferece pra outra é composta das milhares de vidas que já foi e que conheceu. Há toda uma jornada que leva a outra jornada e tudo que se fez foi tudo o que se viveu pra ser o que agora é.

Por mais sedutora que a ideia seja, não vale a pena querermos ou acreditarmos que dá pra saber tudo do outro sob o peno desse outro nos enganar. Só estaremos trocando eventuais mentiras. Não saber nem sempre é perder. Não saber pode, muitas vezes, ser a forma mais inteligente de ganhar.