segunda-feira, 29 de julho de 2019

Carta ao meu filho


Julho de 2019

Que dia feliz! Mas que felicidade diferente.
Em primeiro lugar: já te amo.
Em segundo lugar, quero te dizer coisas que talvez não possa. Então, apenas presta atenção em mim e guarda essas minhas palavras:
Não existe jeito certo de ser homem. Mas são muitos os jeitos errados.
Jamais permita que alguém te diga como você deve sentir. E jamais tenha vergonha do que sente. Nem da dor, nem da alegria, nem medo, nem da tristeza, nem do desejo. Nada.
Não é verdade que homem não chora. Não é verdade que homem tem que ser escroto, machão, mal educado ou dominador. Prefira ser sensível. Prefira entender a dor ao invés de causar a dor. Prefira sempre estender a mão à amizade e não se envergonhe por quem não lho aceitar.
Se quiser dançar, dance. Se quiser cantar, cante. Aprenda a tocar um instrumento (a vida é vazia sem música. Faça a sua — vida e música).
E não tenha vergonha de sentir, de gostar, de ser alegre e feliz. Sentimentos são para que sejam sentidos e não para que sejam aprovados por alguém. Eles são teus. Viva-os. Jamais esconda-os.
Também não tenha vergonha de errar o chute, não acertar a cesta ou não alcançar a rede. Errar faz parte de tentar. Apenas não deixe nunca de jogar. Mesmo que te critiquem, mesmo que não te queiram, mesmo que não te escolham, olhe pra si, reúna força e faça o que puder. Mas não deixe de fazer o teu melhor.
Respeite e admire teus professores. Não é todo mundo na vida que vai se preocupar em te ensinar ou te preparar.
Sempre olhe pro céu. Olhe pra lua. Depois olhe pra si e entenda que há muito que é mais e maior que você. E daí entenda que nunca se deve ser arrogante com nada nem ninguém.
Respeite todas as pessoas, mas principalmente quem trabalha onde quer que você chegue. O dia dele pode estar pior que o seu. Seja quem ajuda a melhorar. 
Não há conhecimento inútil. Inútil é quem não tem, nem busca algum conhecimento. Portanto, estude e leia. E tenha imaginação. E se a tua imaginação te levar a sonhos gigantes, aí sim você terá descoberto o valor dos sonhos. Daí continue a sonhar.
E procure encontrar os meios de realizar teus sonhos. Jamais acredite em alguém que te diga que algo não é pra você. Só você deverá ser seu limite. O único limite.
Toda vez que você chegar num lugar, cumprimente todas as pessoas ali. Aperte suas mãos sorrindo, pergunte como elas estão e ouça suas respostas. Será melhor assim. Não precisa ter timidez.
Preste atenção à tua volta e confie no teu julgamento. Tudo o que te propuserem e você não puder confessar, nem faça. Experimente o prazer de ir pra cama sem medo e nem culpa. Fazer o certo pode até não ser o mais fácil, mas te fará mais seguro.
Quanto a ser seguro, sempre se pergunte a razão do que te afeta. Converse consigo, avalie teu dia, entenda o que te alegra e o que te faz triste e por quê. Autoconhecimento é essencial pra ser grande. Jamais queira ser pequeno na vida.
E lembre-se que ser é mais importante que ter. Seja bom, seja fiel, seja sempre jovem (mesmo depois de toda idade. Não tenha pressa para crescer ou envelhecer).
Cuidado ao se barbear. Cuida da tua pele desde novo. Nossa genética pode não te favorecer. E um pouco de vaidade não te fará mal. Apenas cuida do exagero. Não exagere nos cuidados que vão além da tua pele (alguém já ensinou: “use filtro solar”).
Agora algo muito importante: um dia você sentirá a urgência do amor e do carinho de outra mulher. Respeite-as todas. Não só a mulher que você ama. Mas talvez principalmente ela. Não se aproxime de nenhuma mulher se você não estiver disposto a ser o melhor que ela merece. Goste das mulheres. Interesse-se pelo seu mundo, pelo seu dia, pelo que ela gosta.
Não acredite em quem te diga que há coisas de homem e coisas de mulher. Coisas de menina ou coisas de menino. A vida será o que você fizer dela e não o que outros queiram fazer da tua.
Aprenda comigo: não te valerá de nada possuir uma mulher uma única vez e de forma vazia. Não chegue onde você não pretende permanecer. Não desperte sentimentos que não queira cuidar. Não seja vil.
Quando tocar uma mulher, busque que até sua alma (a dela, mas também a tua) se sinta tocada. Olhe-a nos olhos e deixa que teus olhos confessem teu encanto. Se beijá-la, que ela sinta tua vontade. E quando chegar a hora de você viver o sexo, procure ser amante presente, generoso e confidente da mulher que te receber nela.
E escuta: não importa que tenha havido outros (nem se ocupe deles): que o momento dela contigo te seja único (porque é único) e — quem sabe? —procure lhe dar motivos para que só haja você depois de você. E que haja muito de vocês. E, então, você vai descobrir que amar uma única mulher é um privilégio que nem todos têm (tomara que você tenha!). E seja você, também, só da mulher que te gosta, você gosta e que está com você. Não há mérito e nem ganho em ter vivido um número grande de mulheres.
A vida pode ser muito dura muitas vezes por isso, tenha quem te escute, te incentive, te descanse dos dias ruins. E seja esse pra ela. Não há chefe, nem há dona. Deve haver apenas dois diferentes que se querem iguais na história bonita que se desejarão.
Já te disse que estude e que leia. Isso é sério. Teu tempo parece muito, mas ninguém sabe qual o tempo que realmente tem. Então use o teu direito.
Estude um pouco todo dia. No começo será português, matemática, história e geografia. Estude caligrafia. Aos poucos você vai se acostumando com a química, a física e a biologia. Na primeira hora possível, dedique-se à filosofia e a entrar na melhor faculdade (pode até ser a de Direito se quiser), mas saiba que é você quem se forma. A responsabilidade é toda tua. Só tua. Então resista à preguiça, ao professor ruim ou às dificuldades que te vierem. Permita-se conquistas todo dia.
Ah sim: celebre tuas conquistas. Todas! Na escola, na vida. Todas. Celebre cada passagem de ano, cada aniversário, Natal e até festa junina. A vida é mais triste quando a gente acha que essas datas não são nada demais.
Quanto aos livros, escolha os melhores livros com as melhores histórias e reflita sobre elas. Leia Platão, Nietzsche, Descartes e Espinosa. Leia Rousseau, a Bíblia e Machado de Assis. Leia Pessoa, Vinicius e Drummond e se deleite com a Ismália e seu amor pelo luar. Aprenda que Aquiles foi morto por sua íbris, mas que Odisseu foi honrado porque amou sua casa e isso fortaleceu-lhe em seus propósitos. Não seja tíbio como Hamlet, nem ganancioso como Liar ou afoito como Romeu. Não há valor no ciúme. Logo, não seja possessivo como Otelo. Mas, quando amar, não seja covarde como Orfeu (sim. Se preciso, vá ao inferno pelo teu amor. Mostra pra ela que, se precisar, você provará que sabe que ela vale a exatidão de todo o preço que você quererá pagar).
Mas se faça pronto e forte para ser o apoio que sustentará a família que formará com ela. E reconheça que enquanto com ela não fez nada sozinho.
Trabalhe duro. Não deixe nada pra depois. O que tiver que ser feito, que seja feito. E o que quer que faça, faça com teu coração. Em nada ache que é irrelevante. Não importa o que te deem pra fazer, procure ser o melhor. Não por orgulho, mas por índole e vocação.
Também assista a bons filmes. Filmes que te distraiam, te descansem, mas que também te façam refletir, além de sonhar.
E ouça música clássica. Assista a uma orquestra e entenda a importância do um no todo.
Onde quer que você esteja, destaque-se pelo quê de bom você sabe e pode fazer. Mas também destaque-se por não precisar ser o dono da razão. Lembre-se que não existe uma única verdade. Respeite a forma que outros têm de ver com os olhos que têm. Os olhos deles são diferentes dos teus. Mas, se acreditar numa causa, dedique-se a ela de corpo e alma. Faça da tua vida a tua obra. Confia no teu coração.
E tenha fé. Se sentir necessidade de acreditar em Deus, acredite. É importante saber que há alguém maior que a gente que está de olho e que cuida e que conhece o nosso coração. Quando estiver triste, experimente orar. Se feche no teu quarto e peça que esse deus que você buscará te dê uma resposta. A resposta te virá.
Seja bom pra quem cruzar teu caminho. Não há mérito em ser bom só pra quem nos faz bem. Tenha olhos amorosos e espírito caridoso. Ajude a melhorar a vida de quem você puder e experimente a gratificação de dar a mão a um semelhante que bem poderia ser nosso irmão.
Mas acima de tudo, seja feliz. Acredite na felicidade e lute por ela. Não desista. Resista! Você vai conseguir alcançar. Eu já torço pra que você consiga alcançar.
E me desculpe se eu não te ver crescer. Não foi como eu queria. Tenho certeza que ainda se estivesse aí, eu teria orgulho da vida que você vai viver. Mas tenha certeza de que o dia mais feliz da vida desse teu pai foi esse dia em que eu soube que você iria nascer.
Ps.: espero que tenha dado tempo de te pegar nos meus braços, olhar pra você, te beijar e te dizer: “oi, carinha. Prazer te conhecer”.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Amizade pra gostar, somar e relembrar


Quanto temos real dimensão da sorte que já demos?
Você tem alguém que se preocupa com você? Amigos com quem você sabe que pode contar? Aquela pessoa para quem você liga na hora da tristeza ou para quem você liga na hora da dor (se bem que, infelizmente, hoje me dia ninguém liga pra ninguém. O mais próximo que a gente chega de ouvir uma voz é um áudio no whatsapp). Mas você consegue ter a consciência de que mesmo que viva só, não está sozinho?
Se sim, então você tem sorte.
Empoderem-se quanto quiserem, preguem que não precisam de ninguém, façam-se reclusos e defendam que a vida é vir e ir só, mas o fato é que uma boa companhia faz toda diferença. E não se trata de não estar bem quando só consigo mesmo. É mais aquela coisa de ter quem nos concerne, quem nos interessa, quem cuja alegria e a conquista também nos alegre e cuja tristeza nos afeta e nos indigna e, quando não, nos comove no sentido de tirar satisfação em quem teve coração de não cuidar de quem cuidamos. E saber que essa pessoa faria o mesmo por nós.
Saber, sim. Não só imaginar. Em alguns casos acabamos esperando de outros mais do que eles estão dispostos a oferecer. Mas arrisco dizer que há – e nós sabemos quem são – aqueles que estenderiam a mão, ofereceriam sua força, se ocupariam das nossas questões e tudo isso desde antes de nós já termos feito algo por eles. E que recíproca gostosa quando isso há.
Acho importante aprendermos a gostar de gostar. Parar com essa bobeira de que gostar é coisa de gente fraca ou o primeiro passo para se lascar. Parar com essa covardia de achar que primeiro tem que “ser gostado” e só depois se permitir gostar.
E por isso é que acho que já é hora de darmos mais chances para os beijos, para os abraços, para os apertos de mãos estendidas à amizade que, pode sim, ser de verdade. É hora de nos abrirmos mais, nos contermos menos e aceitar que a vida é isso que acontece a gente fazendo ou não, se permitindo ou não, ousando ou não. E ela vai passar. E que passando junto com quem nos faça rir, tente nos entender, se ocupe de saber o que nos falta e até tenta dar o que talvez complete (e não tem problema termos vazios que não são preenchíveis por nós mesmos), a vida será melhor.
Assim como não tem problema procurar “do nada” aquela pessoa que te foi amiga numa hora específica, mas que a vida – vivendo – por algum motivo afastou. Talvez ela estranhe que você surja. Talvez até ache que você vai querer um favor. Até porque o jeito que se tem vivido leva a que duvidamos do afeto e da gratidão gratuitos. As pessoas ficam sempre achando que há alguma outra intenção. Mas por que não confrontarmos essa forma de visão? Por que não sermos os primeiros de uma corrente que cresce e multiplica a possibilidade de ter afeto por outras gentes?
Vamos parar com isso de “sem tempo”, de “preguiça de gente” ou de “antes só”. Sejamos os bons amigos. Reconheçamos nossos bons amigos. Peguemos o telefone, mandemos a mensagem de “OI”, de “OBRIGADO”, de “QUALQUER COISA ESTOU AQUI” ou de “SINTO SUA FALTA”. Alimentemos o ego de alguém. Ajudemos a que quem foi relevante não ache que não fez diferença a ninguém.  
Tem muita gente sozinha porque têm medo de não quererem sua companhia. E isso é cruel...

quinta-feira, 18 de julho de 2019

A equação do afeto (ou a consciência do amor desequilibrado)


Ela era – não, ela é – das moças mais bonitas que eu já vi. Se eu a descrevesse, aqui, como a vejo, você provavelmente pensaria estar diante de um anjo ou da arte definitiva do artista mais valioso. E provavelmente você estaria certo.
Não bastasse, ela é sagaz. Pensa rápido de um jeito que te desmonta. Parece que sempre sabe o que dizer. Tem o comentário que vai te fazer rir, mas por vezes vai te fazer pensar. E depois que ela parte, uma parte dela ainda fica com você. É mais forte. Não que você queira pensar nela. Você vai pensar por bastante tempo até perceber.
Ela é nova e namora alguém da sua idade. Só que isso, por si só, já a faz maior que ele. Apesar de o conhecê-lo só pelos olhos dela, não é difícil entender que o homem jovem é muito mais jovem que a mulher jovem da sua idade. E imagino quão difícil deve(ria) ser, para ele, compensar o fato de não à altura dela. Ainda que talvez ele não tenha consciência de que ela é a sorte dele.
Ao olhar os dois e saber um pouco deles (mas também por saber de mim), pus-me a pensar que a maioria dos homens não entende que a sorte deles está em serem das mulheres de quem são. E não me venham com o argumento de que “ninguém é de ninguém”. Pra mim, isso é coisa de gente covarde, receosa de chorar a expectativa frustrada por ter querido bem quem não sabia direito o que fazer com isso. Gente que tem medo da dor, como se a vida fosse só para ser feliz.
Também não me censurem por falar de homem e mulher. Sintam-se livres para conformarem o texto àquilo que é conforme o que gostam, o que vivem, o que conhecem. Permitam-me que escreva o que me concerne e sobre o que sei. Leiam do modo que lhes concerne e como sabem.
Pois bem. Via de regra o homem não entende a sorte que tem. Eu mesmo, durante meus poucos relacionamentos e minhas muitas relações, peguei-me distraído da sorte que tive em ter mulheres que, de início, quiseram-me bem. Nem sempre soube lidar com isso. Não raro, apresentei-lhes um reconhecimento tardio seguido de um pedido de desculpa pela minha própria idiotice.
Porque a autoestima é ao mesmo tempo problema e solução. Quando alguém gosta da gente e ajuda a gente, a gente tende a viver um acréscimo de autoestima e começa a se achar mais interessante do que éramos antes daquela relação. E “sem noção” – o que quase sempre somosr (especialmente ou particularmente os homens) – achamos que ser interessante tem a ver com a gente, que somos naturalmente assim. “Errooou!” É a mulher que está com a gente que faz a gente ser melhor.
Por nossa vez, tantas e tantas vezes nos mostramos incapazes de reconhecer que fomos parte pequena da equação (da vida) em que elas nos foram a nossa “prova real”.
Mas continuemos a falar desses homens “sem noção” do porquê serem quem estão. Ninguém duvida que a mulher amadurece mais rápido. Talvez seja um erro que nos primeiros anos da vida adulta os namorados tenham a mesma idade (mas respeito e reconheço as exceções). A mulher parte logo e se desenvolve e cresce enquanto o homem fica. O problema é ela gostar muito dele. Gostar muito e ser altruísta e voltar os olhos para o homem que ainda não entende o que é ser adulto, o que é ter liberdade, o que é ter a oportunidade de conquistar. E como ela gosta muito – e como ela o quer junto –, ela procurará fazer por onde o ajudar a crescer.
Mas, crescendo, o homem quererá viver o que falta, enganado pela sensação de que, em algum momento, haverá a satisfação de que nada mais falta. E daí ele se perde, se distrai, a chateia e perde o que de melhor tinha para desfrutar. A sua companhia. A companhia dela.
E cada vez que o homem se torna patético, libertino porque cresce só em dias, a mulher perder a sua admiração. E não há paixão, não há amor, não há relação (saudável) sem admiração.
É claro que tudo depende do valor que nos damos. Oxalá todos nos conhecêssemos ao ponto de não demandar mais do que oferecemos e nem de aceitar menos do que merecemos. Mas não aceitar também não significa impor que nos deem o valor que acreditamos. Em relacionamento não se impõe valor. A gente até decide qual é o nosso e observa se a pessoa está conforme a gente vale. Se a gente tem certeza de que oferecemos o nosso melhor (e sejamos justos), mas ela não se der conta disso, algo será natural: pouco a pouco gostaremos menos e, enfim, partiremos.
O outro ou a outra, distraídos no seu egoísmo de namorarem mais a si e aos seus sonhos, talvez, então, se surpreenderão. É aquela hora que alguém diz: “mas estava tudo bem e ‘do nada’ ele(a) resolveu terminar”. Nunca é do nada que a admiração deixa de existir.
Agora é claro que não é porque a outra pessoa não reconhece o nosso valor que a gente vai desistir de gostar de alguém (talvez até dela). Até porque o coração não é nenhum gênio. Daí que acho que o primeiro motivo para gostar de alguém é porque “gostar é bom”. Eu mesmo gosto muito mais de mim quando estou gostando de alguém. Mas também é importante que a pessoa faça por onde a gente continuar gostando e não faça por onde a gente desgostar.
Além disso, talvez seja bom que a pessoa tenha algum receio de perder a gente. Não porque a gente fique fazendo jogo, fazendo cena, ameaçando partir. Isso é ridículo. Mas porque a nossa presença na vida dela será tão importante que ela vai olhar pra gente e pensar: “ela não está comigo porque sou bom; eu é que sou bom porque estou com ela”, e daí não vai querer perder essa sensação por nada e ninguém no mundo.
Mas se ela não entende... tchau! Tem muito mais gente disposta a ser e fazer feliz e que só precisa de uma oportunidade.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Saudade de que(m)?


A quem comunicamos a nossa saudade? E sentimos saudade de quê?
Poucas coisas são tão ruins quanto lutar contra o costume. A gente se acostuma muito fácil ao que ou a quem nos faz bem e a falta desse alguém ou desse o que é bastante para desorientar nossa rotina e por em xeque – de alguma maneira – a nossa sanidade. Sim. Porque sabemos que desde antes desse “costume” já havia a vida que ainda haverá depois que passa o momento e, portanto, nada daquilo com que nos acostumamos é determinante para que vivamos bem. Mas faz falta.
Termos que ressignificar essa rotina e esses gostos também algo longe de ser tranquilo. Ainda que possa ter acontecido de a distância daquele bem tenha sido um ajuste entre duas pessoas que, racionais, reconhecem o risco ou a inutilidade ou mesmo a indisposição de se conviverem, seguir adiante e não olhar para trás é medida que requer ou muita coragem ou total falta dela. A mulher tornada sal é a prova disso e olha que, no caso dela, havia um Deus “recomendando”.
Espero que a hipótese da falta de coragem tenha te chamado atenção até ao ponto de você estranhar e querer entender o porquê dessa afirmação. Ora, ser racional não é ser desprovido de emoção. Pelo contrário. Muitas vezes gostamos, mas diante de um cenário de mau futuro que projetamos (talvez movidos por uma imaginação fatalista, pessimista e sabotadora) deixamos de lado o bem de agora em nome de evitar um mal depois. E daí não olhamos para trás por medo da dor e da saudade do que não teve tempo para se estragar. Era só gozo.
Mas certamente o pior é para aquele que fica enquanto há quem vai. Esse que fica é aquele que, ainda incapaz de se libertar do desejo do “eterno retorno” daqueles instantes tão significativos (e daí se faz sentido ou se é ridículo, é uma outra questão), fica estancado numa fase em que seus pensamentos são seus piores inimigos. Começa a se perguntar o que poderia fazer para mostrar que ainda há espaço se o outro quiser voltar. Mas pior: começa a se perguntar e a fantasiar se o outro sente a falta que ele sente e se pensa tanto quanto ele pensa ou se a essa altura, se ri com outrem e tem a disposição de se compartilhar com o novo, mas jamais consigo.
De minha parte, os anos me ensinaram que minha cabeça covarde tenta controlar minha emoção. E ela faz isso judiando de mim. Não raro, diante de algum episódio entristecedor, meu mecanismo de fuga mental é sonhar sonhos em que a pessoa me é ruim. Me distrata no que me dói, perde a discrição no que me importa, age como talvez, no mundo real, eu fosse incapaz de perdoar. E daí, de alguma maneira, tendo a acordar curado da saudade que dói, mas que não parte e que também tendo a querer comunicar.
Mas de que vale essa saudade? O que se ganha em continuar esperando que alguém volte ou surja para legitimar uma ideia de futuro com alguém que idealizamos sobre um alguém real que no mais nem conhecemos? Tanto mais seguro seríamos entender que não temos saudade de alguém, mas temos saudade de quem somos e do que sentimos quando sonhamos acordados com a remota possibilidade do nosso ideal se fazer real. Porque a questão a se fazer é até que ponto esse encantamento (que agora falta) resistiria ao teste da vida real. Até porque, mesmo nós nos pensamos sendo perfeitos quando apenas fantasiamos o começo de uma relação que, se tivermos sorte, não ocorrerá.
Por outro lado, a vida não precisa ser segura nos sentimentos. Talvez seja muito pior não arriscar tornar o ideal real por medo. Talvez seja muito pior calar o desejo que sente, mesmo se esse desejo não parece fazer sentido algum. Quem disse que a vida precisa ter sentido?

terça-feira, 16 de julho de 2019

Autoconfrontação: precisamos gostar da gente antes de querermos que gostem de nós


Somos vítimas do nosso tempo ou agentes da nossa dor? Estamos sabendo onde procurar nossa paz e nossa autoestima? Cuidamos do outro como cuidamos de nós? De onde vem a nossa paz e a nossa autoestima? E a do outro? O que faz com que estejamos bem? O que faz com que queiramos fazer o bem?
Tenho me sentido preocupado e com a impressão de que vivemos cada vez mais a tendência de querermos encontrar “pertencimentos à distância”. Por alguma razão parece que nos sentimos como se dissociados do mundo imediatamente à nossa volta e passamos a usar da internet como se o telescópio que, nos dando a visão das gentes mais distantes, nos ajuda na busca de quem se pareça conosco e mostre, então, que não estamos sozinhos na nossa forma de ser.
Mas por que precisarmos disso?
A vida em uma sociedade pasteurizada sob matizes estabelecidas pelo gênio de não se sabe quem parece nos constranger contra a ideia de sermos únicos ao nosso modo. E não importa que talvez ninguém seja único e que mesmo as nossas idiossincrasias se reconheçam vivas na personalidade de outrem: temos o direito de sermos únicos e de não precisarmos da confirmação de ninguém.
É necessário que fortaleçamos nosso caráter e nos permitamos o privilégio de sermos o que quisermos, pautados pelos valores que tivermos e opostos a tudo quanto não se comunique com quem somos. Não precisamos nos adaptar a cartilhas ou nos ajustarmos a formas de ser quem não somos nós. O tempo precisa ser o do grito da liberdade da escolha de ser um.
Será ótimo que não precisemos nos preocupar se nos aprovarão. Quem “não é eu” não precisa gostar do que gosto, assim como, “eu sendo eu”, só preciso me bastar naquilo que me agrada e que não é ilegal e nem é imoral. Que belo seria o mundo em que as pessoas se completassem nas suas diferenças ao invés de se incharem nas suas semelhanças. Haveria menos pessoas dependendo de “likes” e “biscoitos” para se sentirem felizes e relevantes porque aprovadas desde fora de si.
É perigoso nos confortarmos com o aplauso alheio e pautarmos nossa ideia de importância no número de vozes que louvam nossa forma de ser. Porque se eu espero a satisfação da acolhida e valorizo demais a aprovação que venha da reação positiva de quem gosta de mim, correrei o risco de supervalorizar eventuais desaprovações e maldades e reações negativas de pessoas vis e vazias que não estão nem aí para mim, mas que se sentem estranhamente confortáveis em destratarem quem quer que, diferente delas, não tenha problema em gostar de ser quem é.
Que bom seria se todo o mundo entendesse que a melhor aprovação é a que vem de dentro, a que vem da gente. A sensação de se conhecer, saber quais são as fraquezas e trabalhá-las; quais são as virtudes e desenvolvê-las; quais são os sonhos e as metas e ir buscá-los. Que importe pouco ou nada se são mais os que discordam e desanimam do que os que concordam e incentivam. A gente simplesmente vai e faz porque sabe que ninguém melhor que a gente conhece melhor a gente. E daí se atrapalharem, a gente ignora; se segurarem, a gente se solta; se destratarem, a gente segue e anda e realiza e na volta ainda volta sorrindo a certeza de quem se sabe forte porque se sabe gente que sente e não tem medo algum de sentir (e se conhecer).
Quanto ao aplauso, o mais importante é o nosso. Agradeçamos aos dos outros, mas desconfiemos. Não nos bastemos neles. Nem choremos a falta deles. Será muito melhor a certeza de que fizemos o que queríamos e de que vivemos o que desejamos.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

QUEM TEME O AMOR CALA O AMOR (ou o que é biografia?)


Lembro como se ontem que ela “voltou”. Sim, voltou. Houvera um tempo em que tivesse sido talvez a pessoa mais presente daqueles meus dias. Eu era solteiro há pouco, ela jamais sozinha, em alguma medida éramos o que a distância pareceria companhia que convinha, mas que aos poucos foi se fazendo companhia que bastava porque companhia que se queria. Mas apenas companhia.
Acontece que a vida vive e nem só de companhia vive o homem (e a mulher). A certa altura a única certeza era que chegaríamos juntos e que no outro dia nos perguntaríamos se voltáramos bem. Era a vida vivendo, os encontros se acumulando, o cuidado existindo, mas ninguém se empatando. Ate que a frugalidade passou a ser um com o outro. Havia os que passaram a ser companhia constante e quem sempre se tinha, pouco a pouco, sem que notasse, se perdia.
Ela se casou primeiro. Grande festa, muita alegria. Aplausos e desejos de felicidade. Mas há meses que não a via, era pouco o que nos falávamos. E mesmo à falta de pretexto, não fui. Tinha o convite, tinha o terno e tinha o dia. Mas não tinha a vontade de aplaudir o que, por alguma razão, me ofendia.
O curioso é que também havia meu próprio casamento que nem eu sabia que logo chegaria. Dia após dia, o que era costume se fez compromisso e mesmo sem festa, banda e damas de companhia, de repente era eu que descobria minha casa abrigando minha nova companhia.
E a vida foi vivendo, acontecendo e separações e divórcios ocorrendo.
Devo ter sido o primeiro a me dar conta que o que era certo se fez erro. Pus muita fé na minha capacidade de me manter inteiro onde faltava parte de mim. Por alguma razão, naquele início de vida adulta acreditei que gostar era questão de escolha e que me bastaria querer que meu afeto fosse dela e logo tudo faria sentido porque tudo seria bom. Eu faria questão de fazer bem.
Ah, a empolgação da vontade de quem se pensa prenhe da melhor paixão. Voluntarismo, erotismo... tudo parecia que contribuiria para as núpcias perfeitas. Não seria preciso cartório, papel, padre e qualquer juramento de uma fidelidade eterna. Não foi o que a vida mostrou.
Com menos de 25 anos e eu já me sabia recém-saído de um casamento sucumbido a uma gravidez naturalmente interrompida, restava me reerguer. Restava me recuperar da falta dos beijos da partida, da chegada e do durante da melhor convivência, me acostumar a falta do abraço, do afeto, do boa noite ou do bom dia que me fazia sorrir ou da ligação no meio dia só para lembrar que a noite logo viria e na sua esteira todo o desejo que não era só eu quem nutria. Não havia mais o abraço que embalava, a imagem que inspirava, a voz que acalmava, o olhar que acendia e a certeza do amor que me habitava.
Quanto a ela, viu que quem se mostrava muito, no final não era nada. Não tinha casado para esperar marido que não sabia quando voltava ou para conviver com o álcool que se não fazia agressivo, acabava tornando bufão, enerve, fraco. Mesmo os bons modos dos tempos de namoro soçobraram a medida em que a convivência mostrava que se casara com um homem, no mínimo, vil de modos, jeitos e trejeitos. Mas pior: vil de moral.
Agora éramos os dois sozinhos, machucados, desgastados... envergonhados. Envergonhados um do outro porque sumidos das vidas que naufragavam em seus propósitos e que não se viam no direito de voltar ao pertencimento mútuo de quem sempre se quis bem. Não que já não houvesse redes sociais ou amigos em comuns de onde se sabia o que acontecia. Era mais uma questão de não se ter certeza de qual o tratamento que a gente realmente merecia.
Se eu quis procurar e dizer da falta que sentia e de como lhe queria perto? Todo dia. Mas também queria que ela me ligasse, que ela me dissesse que sabia do desejo que calei desde antes e que se arrependia de quando não me viu ou por saber de mim temeu se permitiu ser de quem não era eu enquanto eu me perdia na busca dela em quem não tinha nada dela. Devaneei a busca do regresso dela, mas não arrependida, apenas desejosa de descobrir se era verdade aquilo que, de mim, ela sentia.
De repente, num dia de voo atrasado, aeroporto lotado e barulho irritante, duas mãos me envolveram os olhos. Não disse “advinha quem é?”, mas também não precisava. O perfume a denunciara e eu soube na hora que era ela (muito embora, até hoje ela jure que nunca teve aquele perfume enquanto me tinha grato cativo dela). Sem qualquer susto lembro de subir minhas mãos às suas mãos e, corridos meus dedos até seus punhos, puxando-a desde trás de mim até diante dos seus olhos. Como ela ficava linda de azul. Seus cabelos negros e mais crescidos, seu sorriso envolto de lábios tão bem feitos em harmonia com o olhar travesso... e que abraço cheio de sentido o que se seguiu.
Ela partira do destino para onde eu ia, mas seu voo também atrasara e sentada ao meu lado me contava o que nem sempre eu ouvia no tanto em que eu me encantava. Ela estava ali e falava e falava ora rápido outra hora acelerava e eu só conseguia sorrir e pensar no vazio que a falta dela me causava.
- Eu falo muito. Me fala de você.
- Eu sinto sua falta e am...
Chamaram meu nome, o tempo passara e só faltava o meu embarque. Os olhos dela brilharam à declaração interrompida e de repente me pensei fraco por me por a falar o que, àquela altura, eu não tinha motivo algum para acreditar que lhe interessaria saber. “Eu amanhã te ligo assim que chegar” foi o máximo que consegui dizer. E liguei. Ela me contou o que viveu, me disse dos seus planos, me contou dos seus medos, de como não queria saber de ninguém antes de terminar seus projetos... eu ouvi, disse de mim, marcamos um almoço, quem sabe um jantar...