segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Amar amante (a coragem de primeiro amar)


Você tem ou já teve a experiência de gostar de quem não gosta ou não gostava de você? Acredito que mesmo quem responda “não”, consiga, ao menos, imaginar o quanto isso tem de chato e o potencial que isso tem de magoar, de doer. Afinal, desejar sem ser desejado, sonhar sozinho um futuro fadado a não acontecer, tudo isso gera um desperdício de energia que poderia ser canalizada pra ser feliz ao invés de fazer essa dor que faz lamentar.
É daí que ao que me parece, a maioria das pessoas deseja a sorte “do amor tranquilo e com sabor de fruta mordida” (salve, Cazuza). A mim, há pouco, “fruta mordida” me parece o amor experimentado, vivido, sentido, mas principalmente realizado. O amor reciprocado. O amor que ama a quem também ama nesse mesmo amor. O amor que transcendeu a esfera do ideal e se fez real, carnal. O amor de pele com pele, de corpo com corpo, de prazer por todo poro desse corpo que quer mais daquele corpo.
Acho que esse é o anseio que muitos têm e às vezes nem se percebem tendo: aquela coisa de chegar nesse ponto em que há olhos, ouvidos e pele mais importantes que quaisquer outros olhos, ouvidos e pele. Aquela sensação de que morreu para o resto mundo quando escolheu viver apenas para ela, apenas praquela pessoa. E que o faz para além da recíproca que sabe e sente, mas também – e principalmente – em nome dela ou em razão dela (da recíproca que sabe e sente).
Mas daí eu pergunto: sou apenas eu que acho que o exercício mais difícil é o de começar a amar assim? O de ser o primeiro se sabendo que gosta? Sim, porque é fácil gostar sendo gostado, investir sabendo que haverá retorno, que o outro ou a outra te querem tanto quanto você lhes deseja. Afinal, é fácil dar o salto seguro de que cairá onde te haja quem te acolha. Gostar bastante assim de quem já gosta “da gente assim” não requer coragem. Só disposição.
Difícil é você se devotar à conquista e desde antes dela. É olhar e entender que o que deseja é mais que uma aventura. É aquele sentimento de que, neste caso, “não” é muito pior do que um tapa na cara. Dói muito mais. Porque por uma questão de humanidade, a essa altura você já terá sonhado (dormindo ou acordado) com uma felicidade futura vivida com quem você idealizou que o outro seja, mas que não necessariamente é. Você terá alguém tão ajustado à tua fôrma (de ser conforme você) quanto você se julga ajustado a esse alguém (na verdade, você já se julga pronto, já que na tua fantasia você é aceito ou aceita do jeitinho que você é. Sem precisar tirar nem por nada).  
Pois é, estou realmente sugerindo que o apaixonado é, antes de tudo, um iludido por si mesmo a desejar um único desejo de felicidade com quem é, antes de tudo, fruto da própria idealização (ou até mesmo carência) daquele que se apaixonou.
E para o apaixonado não há dificuldade, não há impossível. Ele é todo disposição, vontade, tesão de fazer o outro saber e sentir toda sua gana de ser quem sacia qualquer desejo e se não realiza, pelo menos compensa quaisquer fantasias. Quando apaixonado, até a paixão mais improvável se faz viável naquele monte de imaginação.
O problema está quando ainda falta convencer o objeto dessa paixão. Porque ainda não podemos chamar de sujeito. E se se diz objeto é justamente porque a paixão nem sempre (ou quase nunca) nasce espontânea, sincera e real. Ela nasce da ideia. A ideia de que a que eu amo gosta do que eu preciso que ela goste; beija como me acende a simples ideia do seu beijo; reage aos meus com a pele arrepiada e o sussurro escandaloso de quem se declara bem amada; sendo que, não raro, é quase nada o que eu sei de quem ela realmente é.
E daí sair da situação de passividade ante a passionalidade, de medo ante toda aquela vontade de que o ideal se faça real, é um grande desafio. Levar o outro a considerar a ideia de que você é tão ideal pra ele quanto ele ou ela são pra você requer muitas vezes cuidados e receios de não invadir espaço, não ser visto como chato, cansativo ou pegajoso... acaba requerendo uma estratégia. Nada natural. Diferente de muito que a gente cresce aprendendo nos livros e filmes que tornam desejável o romance cujo final feliz parece sempre inevitável.
Oxalá nós tivéssemos a coragem premiada com a boa ventura. E então fosse fácil, fosse tranquilo, fosse natural se estender a mão e dizer: “deixa eu gostar de você te conhecendo. E vem você gostar de mim enquanto também me dou a conhecer?”. E nesse processo não ter máscara, não ter medo. Não ser quem não é, mas se mostrar em glórias, mas também nas mazelas, ser mais aceito que rejeitado. Porque os dois apostam que é possível fazer mais do desejo que nem sempre já é. Tampouco, que é, é muito ou tanto.
Mas alguém precisa amar primeiro. Alguém de coragem de ser o primeiro a gostar e se apresentar e anunciar e correr o risco de ouvir que não é querido ou mesmo o de vir a ser ignorado de um jeito que só lhe restará ficar sentido. Mas que não deve ser motivo para não voltar a gostar da ideia de um dia – quem sabe? – voltar a amar (nem que seja a própria e simples ideia do amor)...

domingo, 9 de dezembro de 2018

Não se deve sofrer pela escolha do outro: ele não é (e nem tem que ser) você


Lembro-me da vez que alguém, julgando me ver numa situação desfavorável, disse-me que eu “deveria aprender a sofrer”. Aquilo que me pegou de surpresa. E, por mais que eu não tivesse entendido muito bem qual teria sido a intenção da pessoa (ou do seu conselho), foi inevitável me pegar imaginando que, de fato, eu não sabia sofrer (e nem quereria saber).
Não que eu esteja tentando sugerir que eu não fique triste, não me abale pelo que escapa ao meu controle e não sinta tristeza quando há o que me cause dor. Pelo contrário. Há muita coisa no mundo que me entristece (e vocês achariam inúmeros textos aqui que provam isso). E ainda sou capaz de insistir que duvido que haja o que me entristeça mais do que a tristeza de quem eu gosto e me é importante. Mas o fato é que eu nunca tive muito tempo para o tempo do luto. Mesmo nas vezes em que “perdi” as mulheres de que gostei (e notem as aspas de quem tem a consciência de que não é dono de quem quer que seja, então não perde quem quer que seja – e dessas de que mais gostei, pode acentuar o gostar que me moveu), nem nessas me permiti o luxo de ficar muito tempo lamentando não ter sido querido por quem não me quis.
É que não me parece prudente sofrer pela escolha alheia quando, no fim, nem quem escolhe sabe bem se o que tem é o que quis.
Só que noto que algumas pessoas levam muito a sério isso de não ser bem quisto e agem como se considerassem que a escolha do outro (por outro) é uma reprovação de quem são (ou se mostraram). Agem como se elas mesmas fossem culpadas por terem sido deixadas, não terem sido amadas. Mas que compromisso o outro tem – de verdade – com o que me desperta ou me faz desejar? Nenhum!
E não é verdade que somos responsáveis por aquilo que cativamos. Quanto mais “eternamente” (raposa mais mentirosa!). Cada um é senhor dos seus atos e vive conforme suas circunstâncias e, assim como nós temos as nossas vontades, o outro tem a sua. Querer manipulá-la (a vontade do outro) para que seja conforme as intenções que nos favoreçam é uma prova de falta de conhecimento do que é ser humano.
No final das contas, somos escolhidos menos pelo que somos do que por aquilo que o outro projeta que (lhe) seremos. Mesmo porque, a mim me parece que é raro que sejamos a primeira opção de qualquer um que nos conheça bem. Até podemos ser a opção imediata de quem gastou tempo demais para descobrir quem éramos (mas mesmo esse pode se frustrar se continuar achando que aquele que fomos é o mesmo “um” que continuaremos sendo).
Portanto, não há o que e nem o porquê de se sofrer. Tampouco há que se aprender a sofrer.
A vida segue cada qual com o protagonismo da sua própria vida e dos atos que a moldam (lhe moldam). Não há maiores responsabilidades ou traumas, mas apenas a certeza de que só deve brincar na gangorra da vida aquele que sabe que não se fica sempre no ponto mais alto, mas que às vezes é preciso descer, respirar e tomar o impulso necessário se quiser voltar a subir.
A verdade é que ninguém tem o dever de se sentir infalível, irresistível e completo para o que outro espera de si e pra si. Assim como esse outro não precisa se contentar com menos do que aquilo que se deseja ou fantasia. Ninguém será perfeito e, se for, deve-se mais é desconfiar. E o que é a vida se não o que está aí pra nos provar. Ou não é verdade que houve a vez que você quis e teve, mas nem por isso você sente vontade de voltar àquela história de lá?

terça-feira, 24 de julho de 2018

A expectativa da dor do outro em confronto à nossa dor

Quantas são as dores que doem no mundo e nesse exato momento? Quantas são, no mundo, as pessoas que sentem suas dores e sofrem essa sua dor enquanto calam a dor que sofrem? Quantos desses somos nós calados no escuro de uma existência que mingua à espera da atenção que virará o resgate a nos salvar dessa ausência de ânimo de prosseguir e que há, seja porque a gente não entende o que vive, seja porque a gente não entende o que sente, mas que a gente se ressente do tanto que dói isso que a gente sente? E até quanto (qual o tanto?) nós sabemos das dores das pessoas que amamos para que, então, também possamos ajudá-las a enfrentarem o vazio da solidão em que se encerram sem que consigam querer qualquer coisa que não seja desistir?
É que me parece que nossas dores nos encerram em nosso mundo e num certo egoísmo de quem precisa ser notado para ser cuidado e só aí entender que importa pra alguém, de repente só daí entender que é amado. E note que não se trata de um “egoísmo” movido por uma indiferença ao outro, mas está mais ligado a não se estar em condições emocionais de entender que há esse outro que sofre como a gente sofre e que quer e espera o cuidado e a atenção tanto quanto a gente quer.
Ah, mas o motivo da minha dor é mais sério e porque ela dói mais eu também preciso mais”. Mas a dor é muita pra quem sente e não temos o direito de dizer em quem dói mais ou quem tem mais razão nessa dor que não finge que é dor e que sente. A dor será sempre muita praquele que sente. A dor será sempre muita praquele que sente.
Mas é certo que cada qual com sua dor e corremos o risco de estarmos quase todos distantes de podermos entender a expectativa da dor do outro. A expectativa de, na hora mais difícil, receberem o abraço que afague, terem o braço que sustente, o carinho que acalante, a palavra que encoraje e mesmo o olhar que denote compreensão.
E com a vantagem de que quem abraça também é abraçado, quem dá carinho é reciprocado, quem oferece a boa palavra, diz, mas também se ouve e pode se pegar refletindo – pra si e consigo – aquilo que de outro modo talvez nem pensasse. E nisso tudo cresceremos todos e nos salvaremos juntos.
Só que é preciso que tenhamos atenção. Atenção ao que se passa a nossa volta, atenção aos outros que nos dizem respeito, que nos são importantes, àqueles cujo sorriso nos alegra, de quem a felicidade nos move e sua dor nos comove (e tenho a certeza de que você consegue pensar em que são esses. E eles não precisam ser poucos e talvez seja bom se forem muitos. Você será bom, será boa, e ao contrário do que dizem, ser bom não é ser trouxa. Ser bom é apenas ser bom, ser boa é apenas ser boa. Mas um “apenas” que é muito).
Mas também é preciso coragem. A coragem de não ficar só esperando que alguém perceba que não nos bastamos sozinhos, mas que precisamos de alguém e então pedimos ajuda. A coragem de não querer medir a importância que tem na atenção que recebe, porque a vida vive e suga e muitas vezes a pessoa nos ama e nos quer bem e se não aparece sempre, não é por descaso, indiferença ou desamor, mas apenas está distraída – e iludida – enquanto espera que o amanhã permita que ela enfim nos encontre, e nos veja e nos esteja e demonstre o amor que tem (porque a gente sempre acha que o amanhã chega). Ela nem sempre (ou quase nunca) saberá que precisamos dela agora. Façamos saber que queremos quem precisamos e com isso demos a chance dele poder estar pra gente como não raro poderá e quererá (assim como, desde que saibamos, poderemos e quereremos).
Talvez se as dores se encontrarem, a felicidade se fortaleça e a humanidade, na sua melhor acepção, prevalecerá. 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

O Erro que dói, mas que não deve doer (pode ser eu ou você)



Já disse, em círculos de pessoas mais próximas, que algumas vezes chego a invejar aqueles que vivem a vida inteira junto de seu “primeiro – e, no caso, único – amor”. A inveja em questão é em relação àqueles que não precisaram e nem se aventuraram em conhecer outras pessoas, tendo vivido aquele amor bastante.
É que conhecer muitas pessoas pode fazer com que não saibamos e nem acreditemos mais na viabilidade de uma felicidade havida na companhia de outrem e, cínicos em relação ao amor e suas possibilidades, investimos nossos esforços em novas conquistas e novos encontros que não recebem de nós mais do que a porção calculada de uma intimidade frívola.
E é nisso de não nos bastarmos com uma e procurarmos tantas pessoas que não saciarão o vazio que se acumula em nós, que nós magoamos, somos magoados e mais erramos do que acertamos. Só que parece que sempre tem aquele erro que dói. Aquele erro que é uma pessoa. Aquela pessoa que, depois de tudo, a gente pensa que era melhor não ter vivido. E não nos enganemos: um dia também podemos ser esse erro pra alguém.
Você que lê agora, você tem aquela experiência com outro que você mesmo pensa que era melhor não ter tido? Ou tem a consciência de que existe quem olha pra você e tudo o que mais deseja era poder voltar no tempo para evitar que você lhe aconteça? É triste, mas é normal. Arrependimentos são inúteis, mas são fatos. Mas será que esse erro é assim tão ruim?
Por exemplo, aprendi – de uma forma que à época me doeu – que é inútil deixar alguém por outra alguém pensando que será melhor ou que, com isso, seria feliz. Depois disso, poderia até lamentar tê-lo feito, prometer pra mim mesmo que não cometerei o mesmo erro e que, voltasse o tempo e tudo seria diferente. Mas como eu saberia que não deveria fazer o que agora entendo que foi erro se não o cometesse? É daí – e já foi tema de texto aqui – que defendo que a vida é da única forma que poderia ter sido: tanto em escolhas certas, quanto em escolhas cheias de erros. Se não aprendesse naquela época, aprenderia com o mesmo erro tempos depois, afinal, ainda não o saberia.
Por isso não vale a pena que vejamos o outro como um erro. É uma experiência. É o que deveria ter sido na hora que foi, com a dor, com o sofrimento, mas também com tudo que pareceu bom à época do “sim, te quero”. Com todo o contentamento. E é uma pena que nem todos entendam que a vida é o tempo da escolha e que a escolha nem sempre tem que pensar em tudo (menos ainda em todos). É uma questão de que acontecimentos acontecem, vida vive e o encontro de hoje é o que tinha que ser hoje, sem que precise e nem deva ser o lamento de amanhã.
Que o que valha seja o bem e haja tempo para sempre sermos vistos como o bem que viveu noutro alguém. No mais: carpe diem e quem não entender, azar. A vida segue. E como segue!