sábado, 11 de julho de 2020

Tempos para uma nova ordem: as fronteiras da humanidade devem cair


E de repente descobrimos que somos coadjuvantes da vida do resto do mundo.
De repente finalmente descobrimos que aquilo que fazemos conosco repercute na vida de muita gente que não é a gente.
De repente as pessoas se deram conta de que vivem numa comunidade que vai além de quaisquer paredes ou fronteiras. Que é bobagem achar ruim com haitiano, boliviano, chinês ou coreano. Que você pode se pensar vivendo num país de primeiro mundo ou no apartamento de luxo no ponto mais alto. O que os outros fazem e vivem te atinge. O que você faz e vive, atinge aos outros. E por uma razão muito, muito, muito simples e que deveria ser óbvia: somos todos da mesma espécie.
Essa divisão por cores, credos, nacionalidades, tudo isso é apenas um monte de bobagem quando a gente entende que somos todos tripulantes dessa nave azul de natureza tão castigada e bonita que alguém escolheu chamar de Terra.
Esse vírus nos ensina que o desamor, que a vingança, que a soberba e a ganância não agregam e nem contribuem. Pior do que isso: apenas revelam que os que assim se conduzem, se comportam e se conformam têm o pior em si.
Por outro lado, continuamos tendo a possibilidade de fazer a diferença e de entender que muitas vezes a personagem coadjuvante cativa mais do que aqueles que se julgam principais. Porque o coadjuvante, na medida em que contém o todo, faz com que todos se identifiquem de alguma com suas angústias, suas dores ao mesmo tempo que, empáticos, torcem pela sua superação.
Vivemos tempos de poucos abraços – alguns, de nenhum; vivemos tempos de isolamento que têm ensinado que a tecnologia é compensatória, mas jamais deve ser o principal. Porque não há chat em vídeo que substitua o perfume, o toque, o som, a presença que faz com que nós nos sintamos tão amados e queridos e desejados como desejamos, queremos e amamos.
Oxalá que ao final dessa temporada, as fronteiras não se ergam, mas se abaixem. A humanidade não se odeie, mas se repense, ressignifique, se ame.
Oxalá haja, de fato, uma nova ordem no mundo que agregue o mundo em torno de um único e suficiente ideal: enquanto estivermos aqui, estejamos uns com os outros. Não importa qual a sua crença, qual a sua cor, seu gênero e seus sonhos. Aprendamos. Sem o medo do anticristo, do diabo ou dos homens. Apenas medo de não sermos humanos.
Quem confia em Deus, peça ao seu Deus; quem confia em deuses, apegues aos seus deuses. Se não são deuses, mas forças da natureza que te inclinem para o bem, é o que você deve viver. Não me cabe de convencer de nada que tenha a ver com tua alma. Até porque acredito que cedo ou tarde, todos entenderão que nunca houve um único Deus sendo pregado no mundo; cada um sempre fez seu próprio Deus. Apenas seja justo como se espera a justiça de um Deus que valha a pena seguir.
E desaprenda a pensar só em você. Você está isolado em casa porque o mundo conta contigo, você também conta com o mundo... no final, só somos um quando somos parte do todo.

sábado, 4 de julho de 2020

A dificuldade de ser de quem a gente quer


Não sei se já aconteceu com você, mas muita gente já testemunhou que tem dificuldade de se aproximar da pessoa por quem têm interesse. Chegam a dizer que quando querem algum envolvimento, acham mais fácil flertar e conquistar alguém que atraia (ainda que não ao ponto de mais do que a “one night stand”), do que se aproximar daquela pessoa que faz sonhar um futuro todo feliz.
E eu já posso dar um spoiler: quando eu finalmente encontrei essa pessoa, minha melhor atitude foi esconder o medo, disfarçar a vergonha e me aproximar. Nunca fui tão feliz.
Mas, sim, eu disse medo e você pode ter pensado: mas então é questão de medo? Medo de quê?
Há 50 anos Caetano já nos lembrava que “narciso acha feio o que não é espelho”. Geralmente, ou temos consciência que ostentamos um capital estético desfavorável, mas mesmo assim queremos aquela pessoa que serviu de modelo para o padrão de beleza mundial; ou não temos essa consciência e insistimos na pessoa que serviu de modelo para o padrão de beleza mundial, ou procuramos quem se encaixa perfeitamente nos nossos sonhos, planos, gostos, afetos, apetites, fetiches...
Penso que esse último caso é o caso da maioria das pessoas.
Afora a controvérsia em relação à diferença de idade entre as partes envolvidas no relacionamento (na Grécia eles acreditavam que mais velhos deveriam se envolver com mais novos para haver crescimento intelectual destes que passariam para os próximos e assim vai), a maioria das pessoas costuma desejar quem seja como ela. E, não raro, quando nos apaixonamos por alguém a quem ainda não conhecemos nos detalhes da sua personalidade, é porque vemos algo de nós neles. Em outras palavras, acabamos nos apaixonando por nós, só que no corpo do outro (“narciso acha feio o que não é espelho”).
Mas aí começa a angústia. Porque, inconscientemente, passamos a nutrir um medo ainda maior de uma rejeição que será mais doída. Se nos apaixonamos pelo nós neles, uma vez que não nos queiram, estaremos sendo rejeitados por nós mesmos. E não tem dor maior do que descobrirmos que não servimos para quem somos. Isso tanto quando nos esforçamos para sermos a melhor versão de nós, quanto quando nos importamos menos com a aprovação dos outros.
Ora, sermos rejeitados por nós mesmos é tudo o que a nossa autoestima não precisa se quisermos continuar seres desejosos e desejantes. Então, como também dá pra ser feliz sonhando felicidade, não nos arriscamos a descobrir o que mais poderíamos viver se tivéssemos coragem de insistir na nossa alegria e no nosso prazer.
A nossa dificuldade de ser quem a gente quer é a de nos perdermos de nós justamente quando nos encontramos (e daí apostamos em tantas outras gentes, nos misturamos a elas, magoamos e somos magoados e ficamos ansiosos nos perguntando: quando alguém como eu finalmente me dirá que me quer para que, então, não precise ser eu a me arriscar? E ele/ela que lute!)