sábado, 24 de agosto de 2019

O amor me puniu (carta de um possível desabafo)


Noites insones são perfeitas para ajudarem entender onde foi que a vida viveu e a gente perdeu.
De repente a gente revolve o passado (o distante e o presente) e, na busca de se culpar pelo que deu errado, raramente se permite absolver.
É como se culpar pela confiança depositada em quem soube de você mais do que você mesmo se sabia confortável em contar e de repente... silêncio. Reclusão nem tão forçada, mas que é dessas que te deixa na dúvida do que realmente fora e, até do que será.
Mas que fique claro: a culpa é minha.
Tenho a culpa de não ter sido fiel àquilo que quis na forma que quis. A culpa de quem temeu o desejo que escapa do controle porque não sabe se perder, mas que mesmo assim se perde tentando se conter. 
Em dias como ontem, acho-me novo (por vezes até mais novo do que sou). É quando me lembro do tanto de vida e de gente que já vivi. Isso foi determinante para decisão que acabei de tomar.
De uns meses para cá, foram várias as vezes em que me arrependi de cada vez que falei o que deveria ter calado ou que calei o que deveria ter dito. Lamentei cada vez que fui ridículo por medo de ser objetivo e daí... ridículo. Mas não foi só disso que me arrependi.
Me arrependi de cada busca por mulheres em quantidades tais que hoje julgo tenham me afastado de ter enxergado que em algum momento me houve a mulher com a qualidade real.
Me arrependi por cada vez em que disse “sim” para alguém que me queria e me pediu só porque não gostei do “não” que um disseram pra mim e, de vez em vez, sem perceber, fui me violentando em sentimento e, de violência em violência fui perdendo a coragem e a clareza e sozinho e assustado, mas movido pelo coração estupido e esperançado, de repente quis quem jamais me quereria (e não quis). Mas pusilânime como são os que são como eu, tampouco me permiti lhe insistir que quem vale a pena sou eu. Antes, de silêncio em silêncio, virei as costas.
Parti. E parti carregado de um malquerer por mim mesmo, negando qualquer sentimento bonito e mentindo-o horrendo, cruel e cruento. E enquanto isso, dei-me às outras, aconselhei a tanta e tantos, romantizei em versos o amor a ser vivido, mas apenas porque distraído no pretexto de viver para os outros a fim de deixar o risco de tornar a viver para mim.
Se isso trouxe ganho ou sucesso? Ah! Quase todas as mulheres que amei, não as tive. Também não soube viver nenhuma daquelas por quem quis ser amado desde quando escolhi lhes amar.
Mesmo quando acreditei que era eu quem seduzia, percebi-me feito objeto dos quereres astutos dessas mulheres sagazes. A escolha jamais foi minha, vivido e vivendo, não raro, à revelia e à indiferença da realidade do meu desejo e da minha libido. Muitas delas ocorreram apenas porque elas quiseram e eu só estive justamente porque elas não eram aquela que minh’alma (até então) devotada precisava que fosse. E não lamento o que na juventude era até motivo de gozo. Mas agora, nessa primeira maturidade, representa só caos e vazio... de alma.
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Ps1.: A par disso, uma quantidade que não é muita, mas é o bastante de paixões machucadas, lamentos e dores causadas, num processo em que só eu, com minha arrogância, inocência e licenciosidade sou principal é único responsável por esse aviltamento de mim próprio.
Quis ser como os poetas, mas não me deram ópio. O fracasso é tanto que me tornei até mesmo incapaz de me embriagar daquilo que não seja o sentimento em que me afundo. Desistir da própria vida? Nem esse mérito eu seria capaz de me dar.
Mas então como posso culpar quem dê as costas ao meu chamado, me evite e se esqueça de mim? Se até a minha certeza de querer oferecer o meu melhor esbarra no meu histórico de não esconder o que também há (em mim) de pior, como não entender quem se proteja e se afaste e me afaste?

Ps2.: Não que eu inveje aqueles que se dão a quem se querem e tem quem lhes deseje. O que tenho guardado em mim é ainda muito mais e melhor do que o que há em todos eles. Mas é tudo cada vez mais guardado. Cada vez mais enterrado no profundo de uma alma que não conhece o que não seja dor; que até já esquecera como é sentir o alívio que acha que um dia sentiu. Uma alma que brincou de amar e brincou com o amor que agora, por isso, lhe pune. Pena pra essa alma que, triste e séria, até queria, mas a verdade é que não sabe chorar.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

A falta que você não faz


A vida vive enquanto você não está. Pessoas riem quando você não está. Amantes amam quando e enquanto você não está. Amores surgem, principalmente, quando você não está. A questão passa a ser: quanto tempo dura a falta que alguém sente de você? (Isso se realmente alguém sentir a falta de você). Ou será que há mesmo quem lembre ou pense na gente?
Sim. É doído, mas talvez precise ser pensado. Vivemos a ilusão da nossa significância (se não para o mundo, talvez para alguém). Mas quão importante realmente fomos ao ponto de a nossa partida fazer falta? Ou ao ponto de quem não nos quis lembrar que algum dia teve a oportunidade de nos ter? Será que só eu que fantasio que algum dia, no silêncio de alguma noite, alguém se pegará pensando “como será que ele está?” ou “o que será que ele tem vivido?”?
Afinal, é bom saber que não foi em vão. É bom saber que não somos descartáveis e, por isso, não fomos simplesmente descartados. E enquanto a verdade não vem, é boa a ilusão de que somos pensados por alguém que é esse mesmo alguém sobre quem não deixamos de pensar.
Mas não é bem assim que funciona. Mesmo a gente pode listar pessoas que vivemos e que nos viveram e que hoje, sem algum esforço, nem passam pela nossa lembrança. E é assim porque há, de fato, outra vida acontecendo. Há outros encontros, outros projetos. Outras prioridades. Ou mesmo a indiferença de quem não está disposto a alimentar no outro (que dirá em si) qualquer tipo de contato que acrescente menos do que o potencial que tem para desgastar. E outra: se nós raramente somos a nossa prioridade, por que seríamos alguma coisa de alguém?
Então não sofra por quem não te faz questão. E nem se sinta menos. Aceite a ideia de ser útil pelo momento em que foi ou a ideia de que não te viram útil em momento nenhum. Cada um sabe de si e escolhe por si. Não se trata de não te quererem por causa de você, mas sim por causa deles. E não é justo – nem razoável – que queiramos ressignificar a vida de alguém que tem seus sonhos e sua própria ideia de viver bem.
Sendo assim, qual o valor de alimentarmos um passado com tanto potencial de aprisionamento? Por que nos prendermos à ideia de que em algum lugar alguém perceberá que cá onde estamos guardamos o melhor sentimento e a maior vontade de sermos para outro aquilo que queremos acreditar de que, “bom assim”, ninguém nunca lhe foi?
A resposta talvez esteja no medo de seguir em frente. Alimentar algumas esperanças é uma forma de não nos comprometermos com a nossa própria felicidade, tão acostumados que às vezes nos pegamos com a sensação de falta e de vazio. Pode ser que algumas vezes nos pareça mais seguro a clausura de um sentimento não vivido ou ignorado do que a liberdade de se escolher viver e correr o risco de provar nova decepção. Seria como se a rejeição conhecida fosse melhor que a nova rejeição. Aquela velha história de que “o medo de perder tira a vontade de ganhar”. Para alguns, o zero a zero é um bom resultado.
"Casablanca" (sim, o filme) mostra e ensina isso pra gente (além de sugerir que a pessoa volta justamente quando a gente acha que já não quer que ela volte. E daí é ela quem descobre que, sim, nos queria, apenas não sabia ou não podia –  Ah esses fimes!).
Mas a vida pode ser mais. Não fazer falta para alguém não significa que você não será a chegada feliz para outrem. E não é porque um dia houve esse alguém que você não se permitirá que outros surjam e te cortejem, te desejem, te possuam em corpo e alma e enquanto você se permite possuir corpos e almas, devotado que você estará em não se deixar ser vivido pela vida que é você que viverá. Porque a vida do outro vive e viverá com ou sem você, mas a tua, para ser viva (e vivida) depende toda de você. E por isso não vale a pena ficar alimentando a esperança de que alguém sentirá a falta que você não faz (e não tem problema).