Você tem ou já teve a experiência
de gostar de quem não gosta ou não gostava de você? Acredito que mesmo quem
responda “não”, consiga, ao menos, imaginar o quanto isso tem de chato e o
potencial que isso tem de magoar, de doer. Afinal, desejar sem ser desejado,
sonhar sozinho um futuro fadado a não acontecer, tudo isso gera um desperdício de
energia que poderia ser canalizada pra ser feliz ao invés de fazer essa dor que
faz lamentar.
É daí que ao que me parece, a
maioria das pessoas deseja a sorte “do amor tranquilo e com sabor de fruta
mordida” (salve, Cazuza). A mim, há pouco, “fruta mordida” me parece o amor
experimentado, vivido, sentido, mas principalmente realizado. O amor reciprocado.
O amor que ama a quem também ama nesse mesmo amor. O amor que transcendeu a
esfera do ideal e se fez real, carnal. O amor de pele com pele, de corpo com
corpo, de prazer por todo poro desse corpo que quer mais daquele corpo.
Acho que esse é o anseio que
muitos têm e às vezes nem se percebem tendo: aquela coisa de chegar nesse ponto
em que há olhos, ouvidos e pele mais importantes que quaisquer outros olhos,
ouvidos e pele. Aquela sensação de que morreu para o resto mundo quando escolheu
viver apenas para ela, apenas praquela pessoa. E que o faz para além da
recíproca que sabe e sente, mas também – e principalmente – em nome dela ou em
razão dela (da recíproca que sabe e sente).
Mas daí eu pergunto: sou apenas eu
que acho que o exercício mais difícil é o de começar a amar assim? O de ser o
primeiro se sabendo que gosta? Sim, porque é fácil gostar sendo gostado,
investir sabendo que haverá retorno, que o outro ou a outra te querem tanto
quanto você lhes deseja. Afinal, é fácil dar o salto seguro de que cairá onde
te haja quem te acolha. Gostar bastante assim de quem já gosta “da gente assim”
não requer coragem. Só disposição.
Difícil é você se devotar à
conquista e desde antes dela. É olhar e entender que o que deseja é mais que
uma aventura. É aquele sentimento de que, neste caso, “não” é muito pior do que
um tapa na cara. Dói muito mais. Porque por uma questão de humanidade, a essa
altura você já terá sonhado (dormindo ou acordado) com uma felicidade futura
vivida com quem você idealizou que o outro seja, mas que não necessariamente é.
Você terá alguém tão ajustado à tua fôrma (de ser conforme você) quanto você se
julga ajustado a esse alguém (na verdade, você já se julga pronto, já que na
tua fantasia você é aceito ou aceita do jeitinho que você é. Sem precisar tirar
nem por nada).
Pois é, estou realmente sugerindo
que o apaixonado é, antes de tudo, um iludido por si mesmo a desejar um único
desejo de felicidade com quem é, antes de tudo, fruto da própria idealização
(ou até mesmo carência) daquele que se apaixonou.
E para o apaixonado não há
dificuldade, não há impossível. Ele é todo disposição, vontade, tesão de fazer
o outro saber e sentir toda sua gana de ser quem sacia qualquer desejo e se não
realiza, pelo menos compensa quaisquer fantasias. Quando apaixonado, até a
paixão mais improvável se faz viável naquele monte de imaginação.
O problema está quando ainda
falta convencer o objeto dessa paixão. Porque ainda não podemos chamar de sujeito.
E se se diz objeto é justamente porque a paixão nem sempre (ou quase nunca)
nasce espontânea, sincera e real. Ela nasce da ideia. A ideia de que a que eu
amo gosta do que eu preciso que ela goste; beija como me acende a simples ideia
do seu beijo; reage aos meus com a pele arrepiada e o sussurro escandaloso de
quem se declara bem amada; sendo que, não raro, é quase nada o que eu sei de
quem ela realmente é.
E daí sair da situação de
passividade ante a passionalidade, de medo ante toda aquela vontade de que o
ideal se faça real, é um grande desafio. Levar o outro a considerar a ideia de
que você é tão ideal pra ele quanto ele ou ela são pra você requer muitas vezes
cuidados e receios de não invadir espaço, não ser visto como chato, cansativo
ou pegajoso... acaba requerendo uma estratégia. Nada natural. Diferente de muito
que a gente cresce aprendendo nos livros e filmes que tornam desejável o
romance cujo final feliz parece sempre inevitável.
Oxalá nós tivéssemos a coragem
premiada com a boa ventura. E então fosse fácil, fosse tranquilo, fosse natural
se estender a mão e dizer: “deixa eu gostar de você te conhecendo. E vem você gostar
de mim enquanto também me dou a conhecer?”. E nesse processo não ter máscara,
não ter medo. Não ser quem não é, mas se mostrar em glórias, mas também nas mazelas,
ser mais aceito que rejeitado. Porque os dois apostam que é possível fazer mais
do desejo que nem sempre já é. Tampouco, que é, é muito ou tanto.
Mas alguém precisa amar primeiro.
Alguém de coragem de ser o primeiro a gostar e se apresentar e anunciar e
correr o risco de ouvir que não é querido ou mesmo o de vir a ser ignorado de
um jeito que só lhe restará ficar sentido. Mas que não deve ser motivo para não
voltar a gostar da ideia de um dia – quem sabe? – voltar a amar (nem que seja a
própria e simples ideia do amor)...