Me peguei fazendo uma
retrospectiva de mim mesmo.
Logo no 2º ano de faculdade
entendi que gostaria de ser professor e, para minha sorte, apesar de todos os
traumas e senões que tenho em relação às escolhas passadas, a forma como vivi
minha graduação me permitiu fosse envolto de pessoas que o tempo me provara essenciais.
Muito embora não pretenda dizer,
aqui, quem achei melhor que outros – mesmo porque se já não era justo na época seria
ainda menos justo hoje – já naquele 2º ano eu tinha referência de professores
cujo modelo me acompanha até hoje. Claro que não me furtaria o prazer de citar
(porém por pudor não os marcarei nenhum) nomes como do Davys, do Marlon, David,
Elias e Geraldo porque compõem o grupo dos professores nessa fase até o 2º ano.
Além deles, destacaria especial e
carinhosamente, Priscilla (ela já no 3º ano) e que, em sempre ansiosos, esperançosos
e hoje saudosos diálogos, me sugeria uma visão de mundo menos estreita que a
que eu tinha – ela com uma visão mais ampla do que jamais terei – e também uma
esperança de atuar em prol de um mundo melhor que até hoje que lhe assisto de
longe, ainda me comove.
Daí que, de alguma forma, olho
pra trás os últimos dezessete anos e preciso ser mais feliz que triste, mesmo
se lamento as leituras que poderia ter feito, mas não me foram exigidas num
tempo em que eu mesmo não sabia me obrigar; ou mesmo se lamento todas as outras
possibilidades que talvez não vivesse, mas que me são fantasmas que assombram e
retornam e acusam sem parar. Mas foi essa época determinante em que conheci
pessoas – e daí não só professores – que me fizeram quem sou; amei as primeiras
mulheres com a urgência de uma poesia improvisada no auge do estupor (todas
elas devidamente referidas e reverenciadas nO Trovante), desgarrei-me de morais
que me foram dadas, mas não eram minhas, fiz-me no despertar da consciência de que
ainda haveria muito a ser feito.
Pois sim. Acho que a melhor parte
de mim vem diretamente desse fato de ter sido acolhido – adotado mesmo – por
esse grupo de pessoas (não muito) mais velhas que eu e que, ao me receberem,
também me abriram portas para um mundo (nem sempre cru, apesar de
potencialmente cruel) de que graças a Deus não me livraria mais.
E claro que não ficaram apenas
esses. Antes já teria havido Tony com seminários de português que me ajudaram
na timidez de me apresentar em um púlpito que não era de igreja. Já no 4º ano
ainda pude me encantar com as aulas da Fabíola (que privilégio), ou mesmo com a
expertise (e parceria) do Malwe, a parcimônia e educação do Paulo Cachimbo (na
verdade, ele, no 3º ano, caminhando lentamente em uma das raras noites que cheguei
cedo pra me dizer: “o senhor não se resfrie porque já estourou em faltas”). Ainda
tive muito boas aulas com meu pai (àquela época se descobrindo professor) e em
tudo isso, muito embora matando muita aula (as do meu pai, não), fui me
querendo também professor.
Mas mesmo carregando a dor de não
ser bem querido por todos – aquela cruel ilusão narcisista – , mas querendo a
inocência de ao menos sê-lo pela maioria, sempre me quis um professor próximo dos
alunos tanto quanto fui desses professores que hoje confesso, em texto, que me
foram essenciais para que eu fosse quem sou na essência tantas vezes
desconhecida.
E acho que por algum tempo o fui.
Mas desde algum tempo talvez tenha deixado de saber como se faz para ser (para
continuar sendo). E isso me exaspera na mesma medida em que me entristece.
Eu, particularmente (óbvio que é
particularmente se falo de mim, mas enfim), nunca gostei de nada muito rigoroso
ou formal, tal pecha me incomoda porque sinto que ela também afasta. Me incomoda
o excesso de siso na vida. E tudo piora quando me parece que em algum momento
é como se alguém lograra o êxito de estabelecer um muro feito de detrações e
maledicências recíprocas entre professores e alunos, como se compusessem
classes antagônicos e não complementares que o são.
E por que me entristece? Principalmente
porque não me fiz, nem nunca me quis professor para que um aluno me visse como
adversário do seu crescimento, ou temesse o que eu pudesse pensar: seja do que
pensa de mim (por mais que invencionices e mentiras magoem), seja se pensa
contra mim ou diferente do que penso. Para mim, sempre será mais importante que
ele seja quem é e pense conforme seja. Quero ser parte e não fim.
Na verdade, sempre acreditei que,
entre professores e alunos, um pudesse ser a extensão do outro já que os afetos
nos fazem sempre outro. E foi esse que me quis: o que diz, mas que saiba ouvir;
o que fala o que é necessário, mas não cala o que é preciso falar porque também
é preciso ouvir.
E me preocupa ainda mais porque vejo
que, de alguma maneira, se não houver cuidado, o professor se isola na
personagem que traveste, põe-se acima do aluno e, bastando-se em quem é e no
que crê, deixa de querer saber o que aquele aluno anseia, o que ele consome na
sua rotina, na sua cultura, na sua forma de ser. Logo, não é de se espantar que
haja um estranhamento triste que, por sua vez, gerará um professor distante e,
portanto, entristecedor porque inapto no mister de inspirar ou motivar seus
alunos tanto na hora da dúvida quanto na hora da dor.
E até isso pode piorar: lembro de
certa vez, e isso já contam uma pluralidade de anos, ter ouvido a recomendação
de que o professor deveria passar ao largo de qualquer problema pessoal do
aluno porque amanhã poderia ser acusado por mal aconselhamento. E são coisas
como essas que me indignam: por que ver alguém ansioso pelo que talvez se
justifique numa falta de vivência que alguns anos a mais ajustariam, e não se
importar? Ser professor tem a ver com vida e aprender a viver (não só ensinar).
De todo modo, é triste assistir que
há uma cada vez maior ansiedade pelo fim de uma fase que deveria ser bem vivida
a ponto de dar saudade antes de terminar. E que essa ansiedade não é pela
expectativa de colher os louros do sucesso que lhes virá, mas sim, fruto do
mais puro estado de esgotamento emocional. É sinal de que algo deu muito
errado. Mas onde está o “mea culpa” de quem também tem culpa? Ou se viverá de
intransigência em intransigência, ao argumento de que deve se ser duro porque a
vida também é?
Quanto a mim que escrevo como se
testificasse a vida finda, mas que espero longa, tenho que gostaria de ser
lembrado por quem reconheça, em mim, q fui o melhor que minha parca capacidade
me permitiu que eu fosse. Mas gostaria de ser ainda mais lembrado como quem não
foi ruim, nem se quis difícil ou dificultoso, antes, procurou deixar claro que,
mais do que da matéria ensinada (ou só lecionada), gostava de quem teve, por
todo esse tempo, diante de si.
Isso, sim, seria minha boa
fortuna.