terça-feira, 21 de abril de 2020

Realidade e fantasia: dois mundos que deveriam ser um só


Quem disse que entendemos o mundo?
O mundo é aquilo que vemos, mas é também o espaço em que vivemos. Alguns têm um mundo vasto, outros um mundo que se reduz a si, mas seja como for, o mundo é o que experimentamos e diretamente ligado a como o experimentamos. Mas por que eu trago essa questão?
Um homem e uma mulher se encontram. Àquela altura seriam incapazes de dizer que o outro estava pior. O desânimo e a desilusão tanto lhes eram as sensações mais comuns que, a quem perguntasse, logo diriam que a vida que têm nem vida é.
Isolados na dor que escondiam do mundo enquanto acumulava, dia após dia foram cuidando de enterrar os sonhos que preferiam evitar sonhar e passaram a questionar qualquer possibilidade de o mundo realmente ser mais do que essa obrigação maçante de se estar vivo pensando que se está tudo bem.
Sonhos... de que servem se não se realizam de per si? Por que alguém gastaria seu tempo com desejos?
Pragmáticos, já nem assistiam aos dias que passavam e, suas vidas, ao contrário do que se deveria, não lhes somavam vida. Perdiam ela.
Mas que tipo de escolha é essa? Quem escolhe o menos? E por que razão? É excesso de frustração, falta de imaginação? Uma opção consciente por uma vida que, sendo mais ou menos, não traz o risco de se sentir falta dos melhores tempos que, se forem, talvez não voltem?
Acontece que tem um outro ponto: quem decidirá o que é o melhor da vida? O melhor da vida será o que sonhado ou o que vivido? O melhor da vida é a realização de um projeto ou o acaso bem trabalhado? E isso é importante porque os sonhos podem fazer toda a diferença. Afinal, o que separa o sonho da fantasia?
Em alguma medida nós somos recorrentemente vítimas do nosso próprio dualismo. Se não quando se fala em corpo e alma, somos dois em relação ao real e ideal, ou seja, somos dois ao menos em relação ao que vivemos e ao que fantasiamos. Nos construímos dois mundos e estaria tudo bem, não fosse o fato de que os antepomos um ao outros como se eles fossem refúgios em que segredamos nosso medo de não nos realizarmos.
Quando não tomamos cuidado, no mundo da fantasia depositamos toda nossa tristeza com o mundo dos sentidos, da pele. No mundo fantasia é que deixamos guardadas as nossas expectativas em relação a quem nos queremos no mundo e para o mundo e o que nos queremos desse mundo. É nele em que encerramos a nossa vontade de sermos mais felizes do que tristes e é onde sonhamos sonhos de grandeza na vida profissional, na vida familiar, no sexo, no amor. É nesse mundo em que somos imortais e, tudo o que queremos, acontece sem nenhum tipo de arrependimento ou frustração porque na fantasia não precisamos nos adaptar ao mundo. Ele é para nós. Ele é feito sob medida para alegrar. E ele alegra. Sim. Porque ao nos imaginarmos felizes e campeões em tudo, sentimos aquele acréscimo de autoestima que nos faz nos sentirmos incríveis, pelo menos nessa fração de segundos em que olhos abertos brilham o sonho acordado.
Mas no mundo da fantasia, a autoestima esfria mais do que aquece. Porque o calor é questão de química e física realizadas no atrito próprio do encontro que estimula sentidos que se acordam à simples presença de quem é palpável porque é real.
Sonhe-se o melhor dos sonhos e ainda assim ele não se fará sentir no corpo. Porque a fantasia não é sensível como a realidade se faz sentir. E, nesse mundo da realidade é onde, não poucas vezes – por alguma razão de circunstância e conveniência – nós suportamos a desambição, desistimos das revoluções e das atitudes que nos moveriam para além da nossa própria esperança de uma vivência melhor.
Esperança... bendita ou não? Porque a fantasia e a realidade não precisam ser polos distrativos. A fantasia pode – deve – ser o combustível das ações no mundo real, a busca pela certeza de que a vida não foi dada para o mais ou menos e que esse mundo que tantos fazem que seja dois, deve ser um como uma é vida e como uma são tantas as oportunidades
Um homem e uma mulher se encontram. Àquela altura seriam incapazes de dizer que o outro estava pior. O desânimo e a desilusão que lhes eram as sensações mais comuns não passavam da falta dessa esperança. Nada mais eram do que a sensação de que tudo o que quiseram foi uma construção arquetípica a que conduzidos pela arte, pela poesia, pelas histórias que consumiram, mas que, em si, nunca realizaram.
Mas entrevistássemos suas almas e elas confessariam que a desesperança é só o disfarce encerrado no mundo que trancafiaram no subsolo dos seus sentidos. A desesperança não passaria de um manto a espera de ser descoberto, como aquela máscara de ferro que por anos manteve cativo aquele que nascera para ser rei.
E fossem de fato práticos, deixariam de temer a esperança de se realizarem e confiariam que a vida é dádiva dada a quem não se economiza e se lança e se arrisca e se dá sem medo porque viver é isso: é ser de quem te tem e ter quem da gente se faz.
Ah... mas se não acontecer pelo menos não perdi a delícia da fantasia! Mas é onde você se engana. Não há fantasia perfeita que seja melhor do que a realidade e por mais que você espere demais, basta a coragem de entender que o que você quer não é questão de chegar pronto, mas de saber até que ponto está disposto a revelar o que deseja como forma de saber até onde se pretende chegar.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Foco em viver (contemplação)

As pessoas parecem que não vivenciam a intensidade de mais nada além do próprio medo, da vaidade e do orgulho. Estamos cada vez mais incapazes de contemplar. Tudo é superficial.
Se algo dura mais do que 3 minutos a gente já divide a nossa atenção. Perdemos a condição do foco. Assistimos a TV mexendo no celular (na verdade, muitas vezes a TV virou rádio). 
Filme? De que adianta o ator treinar uma expressão, o diretor escolher um ângulo específico de câmera, o escritor se esmerar no texto ou o compositor traduzir as emoções em música se entre um frame e outro eu cuidarei de ver se alguém falou comigo ou reagiu a mim? 
Quando estamos conversando via internet, enquanto um digita a gente vai em outro grupo, em outra conversa; às vezes conversamos pessoalmente, mas enquanto o outro fala, nós — de soslaio ou acintosos — corremos os olhos para tela do celular. E nisso ficamos mantendo vários diálogos sem nos dedicarmos verdadeiramente a nenhum. 
Se você reparar, quando colocamos uma música, muita vez é só pra que haja algum barulho. Sequer podemos dizer que realmente a ouvimos e escutamos. Se alguém perguntar de um solo de guitarra ou de um verso específico, é capaz que nem tenhamos prestado atenção.
Queremos tanto ficar vivos, mas pra que se vivemos como se nada mais importasse além de estar em todos os lugares sem pertencer esse dedicar a nenhum? É como se a nossa ambição fosse experimentar tudo, mas sem sentir nada. Por medo da dor renunciamos até a alegria.
Triste demais.