Ontem eu tive a oportunidade de
assistir ao documentário “Sergio” sobre o diplomata brasileiro, Sérgio Vieira
de Mello, morto após a explosão de um carro-bomba contra o prédio da sede da
ONU no Iraque, onde atuava como chefe da missão e representante do Secretário-Geral
Koffi Annan. A certa altura, ouve-se de dois oficiais das Forças Armadas
norte-americanas que serviam no Iraque, que ambos encontraram o brasileiro com
vida sob os escombros do prédio, preso na altura do peito para baixo. Durante o
resgate, um dos oficiais convida Sérgio a que rezasse com ele e pedisse que
Deus os ajudasse a tirá-lo daquela situação, momento em que ouviu dele, aspas
ao oficial, citando o brasileiro: “Dane-se Deus. Foi Ele quem me colocou aqui.
Não quero oração. Quero que primeiro tire os outros daqui”, além de outras
prováveis ofensas a Deus e que o oficial não se sentiu confortável em
relatá-las à câmera.
Fiquei imaginando a situação
daquele homem. Segundo os seus socorredores, ele esteve lúcido o tempo todo. Enquanto
a dor permitiu, conversava com os militares e pedia que cuidasse dos demais
funcionários da organização que chefiava, tinha total conhecimento do que havia
ocorrido e pelo que estava passando. Próximo de si, ouviu enquanto um colega de
escritório tinha as duas pernas cerradas para que pudesse ser retirado de sob
os escombros e, ainda que flertando com a morte, quando convidado a fazer uma
oração – e ele tanto poderia morrer a qualquer momento, como de fato morreu –
opta por não fazê-lo, não querendo se ocupar de um sentimento religioso, ainda
que às portas da morte.
Diante dessa reação, os crentes de
certas crenças podem até lamentar a decisão daquele homem, considerando que
perdeu a chance de uma redenção junto a quem poderia dar um bom destino à sua
alma após o fim de sua vida. Contudo, podemos lamentar, mas não censurar tal
decisão. Ela é razoável e faz sentido. Deus é uma opção e, ainda que possa ser
verdade, continua sendo uma opção e acredito que nem mesmo Ele acha que é
diferente. Diante das circunstâncias da vida cada um opta pelo que bem
entender. Uns optam em crer e busca-lo, outros optam por não crer e, portanto,
não faria sentido algum se ocupar dEle, enquanto outros optam por crer nele e,
apesar disso, não querê-lo para si. São todas opções. E são legítimas. São
justas. E elas não fazem ninguém mais forte ou mais fraco. O fato de alguém
dizer que não precisa de Deus não o torna mais especial, autossuficiente ou
digno de admiração (nem de pena). Da mesma forma, os que acreditam em Deus, não
são seres menos preparados, ou menos intelectualizados só porque colocam sua
esperança numa força superior que lhes dá suas razões para crerem.
Por outro lado, temos que levar
em conta o fato de que Sérgio estava certo: fora Deus quem o colocou naquela
situação, esmagado por toda sorte de entulho porque um terrorista maluco
estacionou um carro-bomba sob sua janela e o explodiu. Ou não é o que diz a
Bíblia de que tudo ocorre porque Deus permite? A diferença vai de como
entendemos o trabalhar de Deus e, se o considerarmos perfeito, poderemos dizer que seu principal objetivo é estabelecer um relacionamento com o homem, destinando-o a que se aproxime dEle mais e mais, uma vez que, sendo Deus amor e tendo para conosco a intenção de que
passemos por esse mundo para gozarmos do melhor que nos tem preparado, temos um
Deus que nos estende a mão o tempo todo, menos preocupado com nosso destino
terreno e mais ocupado em nos preparar pelo que de melhor ainda nos virá.
Pois bem. Acontece que o nosso
mundo é esse e ninguém pode ser culpado de gostar e fazer questão do único
universo que conhece, nem das boas sensações que experimenta ou do bom futuro
na vida que ainda sabe que vive. E se viver é feito de escolhas que temos que
escolher, Deus também é opção que podemos ou não fazer. E até isso é escolher e
não faz ninguém melhor, nem pior do que ninguém. Apenas diferente. E diferente
também é bom... e o respeito mútuo é ainda melhor.
3 comentários:
Uma concepção naturalista do fenômeno religioso não o faz especial dos demais fenômenos. Ele é apenas um dentre os vários comportamentos demonstrado por espécies animais - humanos ou não-humanos. Por que motivo eu trato de ambos? Animais não-humanos tem crenças religiosas? Provavelmente sim. Explicarei. Um evento religioso é um evento que esbarra no inexplicável e contíguo. Inexplicável pela ausência de delimitação/explicação (e.g. "foi deus quem quis - deus minúsculo porque se refere a qualquer deidade, não apenas o cristão). Contíguo pela correlação acidental entre os eventos no mundo, por exemplo, orar/rezar para que algo dê certo, e o algo dá. Isto não é explicação, já que o engajamento na atividade em direção a algo (e.g. leitura para o vestibular) já é um comportamento pró-resultado; deus algum é necessário para atuar sobre as variáveis. Ou seja, são as *coincidências aparentes* - para diferenciar dos apressados que dizem que a evolução darwiniana não aconteceu por coincidência (e é um fato até agora!) - entre eventos e seus resultados que fazem as crenças emergirem. Qualquer pombo que esta submetido a uma condição experimental tecnicamente chamada de *tempo variável* pode desenvolver *crenças* a respeito do evento que causou alimento/água. "Mas o ser humano é muito mais que alimento e água, ele é esperança!". Voltamos à tenebrosa ideia humana de superioridade e singularidade. O que exatamente expões no teu post, professor. Crença em algo não faz da pessoa especial, mas torna sua explicação do evento limitada a eventos que não sabe explicar. Vamos agora ao argumento do *deus-motor*. Alguns religiosos pretensamente religiosos sugerem que há alguma força não-física que gerou o *movimento essencial* e delineou os eventos a partir daí. Vamos ao argumento clássico para compreensão do porquê isto é improvável. Um deus (cristão) onipotente para iniciar um movimento colossal deste, também deveria ser, pelas virtudes, onisciente. Ou seja, ele não precisaria gerar movimento algum para que soubesse qual o resultado seria conseguido. E nenhum de nós estaria aqui apresentando seus argumentos. Por isto, o mais divertido é que cristãos não conhecem o termo teológico *deus otiosus* que é aquele que abre mão da gerência dos eventos e é espectador.
Finalmente discorrerei, sem autores como acima pra evitar arrogância acadêmica de que tenho sido acusado, sobre a ideia de "escolha". Ela não existe. Ponto.
(Fim da Parte I)
(Parte II)
A apresentação da ausência de escolhas é um pressuposto corrente nas discussões sobre homossexualidade, ou homossexualismo - como se o objeto de estudo escolhesse o termo que o define melhor. A maioria manifesta na mídia diz que não escolheu ser assim. Contudo religiosos dizem que escolheram crer porque a deidade tem feito muito por ela. OK. A explicação das ações humanas não deve ser restrita a cada um dos pequenos eventos que são capazes de se engajar. Homossexualidade = orientação, Crença = escolha. O último é uma visão gloriosamente teleológica, mais que histórica. Ou seja, esta voltada para o futuro, aquele que dá esperança de um mundo e vida melhores, que apoia incondicionalmente, etc. Se isto faz bem para alguém agora, é porque no passado o fez da mesma forma, seja por crença em alguém (e.g. pais) ou seja por um histórico religioso. A explicação esta no passado, não numa escolha presente. Se religiosos soubessem a dimensão teórico-procedimental da análise das probabilidades de uma ação, não seriam ( provavelmente) religiosos. Pois explicar o comportamento humano por via científica nega a existência de qualquer entidade metafísica em sua explicação. Ou a explicação seria inválida por conter *agentes* causadores que não se sabe a forma de *causação* e, pior ainda, não se tem como investigar. "Ah, mas deuses não podem ser explicados, eles tem de ser sentidos!". OK. Vamos - juro que é o final - ao argumento, que eu chamo de, solidão. Sem explicação para as dores, sem esperança para um futuro, cabisbaixo e abatido o sujeito aceita (finalmente!) um convite de um amigo preocupado de ir à igreja e é (pretensamente) alvo das palavras do partor/padre. Dificílimo hoje em dia alguém que observa qualquer jovem-adulto perceber que ele se sente só, mesmo com vários amigos, numa sociedade que confiança virou sinônimo de contar tudo para o outro (ironia!). Ninguém o faz e nem o sabe fazer - sem treino próprio para isto, claro!. Ou seja, ouvir palavras que estão direcionadas para sua pretensa dor, com fundo musical apropriado e um argumento de que "alguém te ama acima de tudo e esta pronto para te acolher sempre que precisas, sem te cobrar e observando tua dor até que decidas sair dela e ir ao encontro dele" é fundamental para a *crença*. Não há escolha, há indução. E isto não é diferente de um pombo girando em uma caixa experimental. São manipulações ou eventos no mundo e na história individual que geram a *crença*, não é escolha. Então discordo do sr., professor. Contudo compreendo tua história de vida que te gerou esta (acidental) *crença*.
Gosto do argumento, Professor.
Por certo que posso entender, sim, que o querer um "deus" venha de uma "necessidade" do indivíduo – em seu comentário chamada de “solidão”. A divergência de nossas formas de pensar passa a vir no ponto em que a fé passa a “falar mais alto”, principalmente quando levamos em conta o fato de que ela é personalíssima no sentido de individual. Talvez grande "problema" das pessoas esteja no fato de se entusiasmarem demais com suas "descobertas". E isso, não só no campo religioso. Descubro um no livro, um bom filme, uma música bem escrita ou vinho mais encorpado e logo quero que gostem como gosto, até como forma de (auto)afirmar o meu bom gosto. Dessa forma, na religião, o crente de qualquer dela, motivado por sua fé, tende a apresentá-la aos demais como sua verdade, querendo que eles assim a vejam também. Esquece que a sua verdade serve a si, com base nas experimentações que ele teve de mundo.
Por outro lado, há os que precisam de motivos visíveis, palpáveis, explicáveis, comprováveis. Esses, valem-se da impossibilidade de comprovação epistemológica do que facilmente se acredita pela fé e acabam inferiorizando os que (simplesmente) acreditam naquilo que creem. Como não podem comprovar, descreem. Aliás, parecem partir da premissa de que nada existe até que seja comprovada a sua existência. Muitas vezes me pego pensando se a necessidade de “desvendar as mazelas da fé” não viria de uma necessidade de ter certeza da inexistência desse ser superior, seja ele qual for, até como uma potencial resposta ao seu medo de que esse ser exista e a sua danação seja, de fato, uma possibilidade que eles preferem não considerar. (rs)
Mas o que é certo – em mim – é que ambos acabam sendo "fanáticos" – aqui no sentido de fãs - de suas formas de pensar. Um acredita que deve acreditar e tenta convencer aos demais; o outro acredita que não deve acreditar - com relativa certeza - e, ao seu modo, tenta convencer aos demais, buscando justificar o comportamento desses de forma representável. Mas no fim - sobre o fim e o começo - todos incapazes de ter a mais irrepreensível certeza do que projetam ser, são crentes de seus ideais.
O ponto principal do texto não é afirmar a existência ou não de Deus, mas dizer que Ele é uma opção pra quem o quer e pra quem não o quer e que isso não faz ninguém melhor ou pior do que ninguém. Antes, somos todos humanos, uns mais e outros menos satisfeitos consigo. Mas todos incapazes de afirmar onde está e há a verdade que não seja em seus próprios corações (ou razão)...
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