domingo, 2 de março de 2014

Sobre Viver

Enquanto as paredes em volta se apertam
É o peito que parece precisar de espaço
Não tanto pelo ar que ainda irá lhe faltar
Mas por tudo dito no silêncio incapaz de se fazer entender.
Enquanto o tempo acaba
Menos há de muito no pouco de quem vai morrer.

Encarcerados nos porões de si mesmos,
Desatentos de cada lance que vive por si
Perdem-se no instante que passa
Do instante que insiste em querer existir.

São prisioneiros de escolhas pensadas,
Mas pensamentos que não são da razão.
Sentiram primeiro a batida do peito
E pensaram amor o que era paixão.

Paixão pensada e refletira não espera,
Nem pensa que um dia não mais será
Mas sabe-se curta e pede que viva e sinta
A par de tudo o que nunca será.

(chove, mas não cai água
e enquanto chove o barulho é forte.
mas também não faz raio!
logo, chove sem chuva e faz barulho que não é de trovão)

Quantos “agora” valem a paz do amanhã?
Quantos abusos valem a ressaca que vem?
Quantos dias valem a vida que não vive?
Quantos troféus valem a glória que não tem?

Caminham, mas não sabem para onde.
Riem, mas não sabem nem de que.
Pedem sem ter que na angústia lhes ouça
Choram por estarem juntos de ninguém.

Não estão sozinhos, mas se sentem só.
Quando estão sós são suas piores companhias
Mas não querem companhias que estão juntas
Ainda que peçam que voltem quando se veem só.

(lá fora a noite clareia:
o sol insiste em nascer.
mas no claro se vê a tristeza
que o escuro até tenta esconder.)

Risos...
Se os há, vem de fora
Lá de dentro não sabe sorrir.
Esqueceu...

Pranto
Se o há, vem de fora
Lá dentro não sabe chorar.
Esqueceu...

Caricatura de si mesmo
Pouco faz do que se sabe que é
Menos é do que aquilo que faz
Mas viva à custa do esforço de pôr-se de pé.

(ao longe há som de música sem voz nem melodia
um silêncio que faz sentido ante o luto da própria existência
Ante a dor de uma morte de quem, em pé, não se pode enterrar)

- Quietos todos! – são muitas as vozes que falam.
- Não... não são vocês aqui perto. Você podem falar
As vozes que falam só eu as ouço.
Se não as repito, ninguém as pode escutar...

Dizem que há quem a tudo vê.
Eu também o vejo, não apenas ele a mim.
Ele está aqui do lado, calado.
Ele é sempre calado assim.

Não mais procuro esconder minha vergonha,
Nem calar o que penso de mim.
E nem insisto em fingir derrotado
Da derrota que a mim mesmo impingi.

Sou o grande vencedor das vezes que perdi.
Então não comemoro, mas suporto.
Apenas insisto nos dias da vida
Mesmo que viver ainda custe sorrir.

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