sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Quem virá despetalar pétalas...?


I


Sinto minha dor,
Mas minha dor me é estranha
Ela dói como se me tomando aos poucos, mas                                                        por inteiro.
E me prende... me enclausura.
Mas não me mata que é pra que doa
E não me sufoca que é pra que eu sinta.
Minha dor me é desconhecida porque nem eu mesmo me aproximo dela.
É ela que me envolve a mim.
Sei que ela há e que ela está nalgum lá e é nesse lá que a mantenho
Talvez culpado e leniente no meu jeito intransigente de não me dar.


II

A verdade deve ser mesmo a de que não amo porque não entendo o amor e não sei amar.
Desconfio do carinho na medida que me incho de amargura.
E não devo estar errado quando entendo que não tenho ninguém.


III

Por que alguém se comoveria de uma dor que escondo?
Por que alguém se interessaria por alguém que se esvai em cada lágrima que não chora pra fora?
E como esse seria capaz de gostar de alguém se não gosta nem de si?
Mas gostei. E me odiei por cada vez que gostei de gostar de quem gostei.


IV

Desculpem-me as vezes que pareci gentil.
Desculpem-me as vezes que pareci interessado.
Desculpem-me até as vezes que pareci apaixonado.
Não sei se aquele era eu.
Quem sou eu para além da agressividade que, minha, se volta contra mim?
Quem sou eu para além da indiferença que imponho a que os outros nutram-na contra mim?
Porque se não é minha culpa, então é o que?


 V

De egoísmo em egoísmo e minha dor não se deve ao acaso
Sou a soma de todo desprezo que comecei primeiro por mim e prossegui
No fim, sou o inatingível de mim mesmo
Aceitei que não me aceitassem humano
E logo fui eu que esqueci de ser.


VI

Pus-me à distância de todos e até de mim.
A imagem é de alguém (eu) que se abandonou.
Se pela primeira vez me notarem e me virem com atenção, eis que me verão me dizendo adeus para mim.
E vejam lá: sou eu partindo sozinho enquanto me deixo sozinho.


VII

Sou o terremoto e o cataclismo que em mim cindiram alma e corpo e desaprisionaram o espírito.
Agora vago vário e vazio.
Deambulo frágil, cansado. Exasperado mesmo.
Tomo até o ar por inimigo. Se ele não falta, vivo.


VIII

Sou a soma de todos os nadas que tive, que tenho e que terei a oferecer.
E por isso o nada é tudo o que ofereço.
E por isso sempre ninguém quererá.
E me revelo não por querer louros de glórias malditas: só quero paz e quero escuro.
Quero o silêncio só quebrado pelo ruído cupinal na madeira. E nem esse ouvirei.


IX

É como se tivesse embebido da minha própria peçonha e é isso que me escurece a visão, me endurece o peito e me emudece a voz.
No fim, sou a razão do meu mal (e de mais quantos?)
Enquanto o tempo me escapa inútil, minha mente gira como um carrossel de rostos e corpos e risos e                                                                                              sorrisos que poderiam ter me feito bem.
Mas mesmo o desejo desses e por esses se esvai em mim e comigo.
Até esse desejo passa e não se justifica nem no começo, nem na desdita.
Sim. Em algum momento eu as teria feito mal
Então, que se prostrem à providência que lhes guarda bem e lhes mantiveram distante de mim.
Adeus para elas também.


X

Tóxico não é o que injeto, mas o que ofereço.
Apartai de mim vós que não me conheceis e alertai aos que não têm a mesma sorte.
E quando ouvirem de mim, não lamentem meu fim.
Não fiz o que era preciso.
Não faltarei ao encontro, à reunião, à festa...
Só faltarei à saudade.
Mas enquanto vou, é ela que me invade.
Oxalá Deus se desembuce e consiga, pelo menos Ele, me explicar.


20 de setembro de 2019
6h34

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