sábado, 4 de julho de 2020

A dificuldade de ser de quem a gente quer


Não sei se já aconteceu com você, mas muita gente já testemunhou que tem dificuldade de se aproximar da pessoa por quem têm interesse. Chegam a dizer que quando querem algum envolvimento, acham mais fácil flertar e conquistar alguém que atraia (ainda que não ao ponto de mais do que a “one night stand”), do que se aproximar daquela pessoa que faz sonhar um futuro todo feliz.
E eu já posso dar um spoiler: quando eu finalmente encontrei essa pessoa, minha melhor atitude foi esconder o medo, disfarçar a vergonha e me aproximar. Nunca fui tão feliz.
Mas, sim, eu disse medo e você pode ter pensado: mas então é questão de medo? Medo de quê?
Há 50 anos Caetano já nos lembrava que “narciso acha feio o que não é espelho”. Geralmente, ou temos consciência que ostentamos um capital estético desfavorável, mas mesmo assim queremos aquela pessoa que serviu de modelo para o padrão de beleza mundial; ou não temos essa consciência e insistimos na pessoa que serviu de modelo para o padrão de beleza mundial, ou procuramos quem se encaixa perfeitamente nos nossos sonhos, planos, gostos, afetos, apetites, fetiches...
Penso que esse último caso é o caso da maioria das pessoas.
Afora a controvérsia em relação à diferença de idade entre as partes envolvidas no relacionamento (na Grécia eles acreditavam que mais velhos deveriam se envolver com mais novos para haver crescimento intelectual destes que passariam para os próximos e assim vai), a maioria das pessoas costuma desejar quem seja como ela. E, não raro, quando nos apaixonamos por alguém a quem ainda não conhecemos nos detalhes da sua personalidade, é porque vemos algo de nós neles. Em outras palavras, acabamos nos apaixonando por nós, só que no corpo do outro (“narciso acha feio o que não é espelho”).
Mas aí começa a angústia. Porque, inconscientemente, passamos a nutrir um medo ainda maior de uma rejeição que será mais doída. Se nos apaixonamos pelo nós neles, uma vez que não nos queiram, estaremos sendo rejeitados por nós mesmos. E não tem dor maior do que descobrirmos que não servimos para quem somos. Isso tanto quando nos esforçamos para sermos a melhor versão de nós, quanto quando nos importamos menos com a aprovação dos outros.
Ora, sermos rejeitados por nós mesmos é tudo o que a nossa autoestima não precisa se quisermos continuar seres desejosos e desejantes. Então, como também dá pra ser feliz sonhando felicidade, não nos arriscamos a descobrir o que mais poderíamos viver se tivéssemos coragem de insistir na nossa alegria e no nosso prazer.
A nossa dificuldade de ser quem a gente quer é a de nos perdermos de nós justamente quando nos encontramos (e daí apostamos em tantas outras gentes, nos misturamos a elas, magoamos e somos magoados e ficamos ansiosos nos perguntando: quando alguém como eu finalmente me dirá que me quer para que, então, não precise ser eu a me arriscar? E ele/ela que lute!)

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