A ansiedade é um sintoma normal quando
se vive um tempo em que a vida é urgente. Num modo de viver cada vez mais
acelerado, o mínimo descuido incorre em que cada conquista se faça acompanhar
pelo sabor amargo de um atraso culposo, como se independente de quando, já
fosse sempre tarde.
Perdemos a noção do tempo de
sermos quem somos. Nos ocupamos tanto com quem nos quereremos um dia que
esquecemos que, mais essencial que almejar, é ser, e então, sem que nos
apercebamos, desconhecemos quem um dia nós fomos e mal cuidamos de quem um dia seremos.
E daí a existência pesa. Desamparados da certeza de vivermos a verdade de uma
consciência que se basta no conhecimento de si mesma (de nós mesmos), é comum
que passemos a buscar em tudo o que não sejamos nós a completude do vazio que
vem da falta de se bastar “eu”.
É quando creditamos no outro (e
também que será em outras externalidades que acharemos) a paz que, por certo,
não vem – e nem poderia vir – de fora. Não há solução para angústia que não
parta da serenidade de se saber senhor do trato das circunstâncias tais como
elas se apresentam. É só nessa serenidade, ou seja, no oposto do que é a
ansiedade, que se alcança a autorreflexão necessária para entender que há uma
razão para sentirmos o que sentimos e pensar o que pensamos; em suma: para
vivermos e experienciarmos, mas
principalmente, entendermos o que vivemos e experienciamos,
precisamos de tempo para nos reconhecermos (e, ainda, quantas vezes forem
necessárias, nos recomeçarmos).
Nos reconhecermos faz parte de um
processo de autocontemplação muitas vezes custoso porque dolorido. Implica em
verdades que nos evitamos. Reconhecer-nos a nós mesmos é saber que a culpa
maior é sempre nossa por mais tentador que seja culpar o outro. Só que para
chegar a esse grau de desprendimento é necessário ouvirmos a nós mesmos em
detrimento de todo o barulho do mundo que vive do lado de fora de nós. Acontece
que à medida que vivemos, parece que precisamos mais e mais desse barulho do
lado de fora da nossa existência e justamente como uma tentativa vil de que ele
abafe o barulho ensurdecedor que vem do silêncio do nosso vazio e que insiste
em nos fustigar sob o reflexo de tudo o que não terá passado de fracasso
acumulado ainda que na forma de sucesso tardio.
Mas esse é o ponto em que deve
haver a principal mudança. Ao invés de nos atermos às perdas e ruindades da
vida, aos “nãos” e aos desencantos, ou mesmo em pensarmos que carregamos toda
desdita ou que somos mal vindos às vidas que sempre quisemos bem vindas,
precisamos encontrar a nossa parte que vale a pena e a lembrança dos momentos
em que as pessoas pareceram gostar de nós e pareciam felizes porque havíamos,
porque nos tinham e porque éramos quem fomos num tempo em que fazia sentido
sê-lo. Por certo sempre haverá uma boa dose de boas lembranças capazes de
combater as lembranças mais injustas que tentem nos convencer de que nossa
passagem é insignificante e errante ou que tudo o que oferecemos só servia para
se recusar.
E daí a gente vai viver em paz
com o que tem, sem precisar se preocupar com o que virá. Porque o tempo passa e
o futuro até vem (mas não tanto que mude pra pior o ontem de ninguém).
2 comentários:
Excelente, palavras que mudam a perspectiva de como vemos tudo.
Aprender a administrar o tempo é um desafio constante. Há anos que começa e acaba no meio. Algo está bem errado quando a vida vira uma sucessão de tarefas, mesmo que as tarefas sejam bem interessantes.
Algo está errado quando até o lazer se torna uma tarefa. Algo está muito errado quando precisamos marcar na agenda para passear com os filhos ou namorar. Algo está definitivamente errado quando precisamos pensar para lembrar do que vivemos no dia anterior.
Não gosto quando os dias se tornam uma sequência de ruídos, de luzes que piscam em telas variadas, simulando uma falsa urgência, exigindo atenção. Não gosto de me sentir consumida até que o tempo se esgote dentro de mim. Ano após ano que acaba no meio, ano após ano que acaba rápido demais.
Só desejo ser o deus do meu tempo. Não sei se acontece com você, mas tenho sentido falta de viver o que vivi. O que vivo. De sentir o tempo passar. De ter tempo para elaborar o vivido. E também de ter tempo para ficar no vazio, apenas contemplando o silêncio dentro de mim.
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