Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?"
(Fernando Pessoa - Poema em linha reta)
Na era das fortalezas, ser de
verdade pode ser o maior ato de coragem.
O mundo nunca foi tão propício à
propaganda do homem por si mesmo, como tem sido os tempos atuais. Todos têm a
plataforma que garante a sua autoexposição e, então, esbaldam-se em se fazerem
vitoriosos e felizes a tantos quantos sejam os olhos que recaiam sobre si.
Do alto do narcisismo de onde
anunciam a plenos pulmões serem bons e estarem bem, homens e mulheres reforçam
um papel outrora relegado aos mitos heroicos e aos grandes campeões: anunciam-se
como grandes vencedores. E isso a um tempo em que se percebe que a vida, hoje, dá-se
sob uma crença de que o sucesso está ao alcance de todos e que tudo é apenas
uma questão de atitude.
Contudo, essa pregação, ao invés
de acolher o maior número de pessoas sob o seu manto, finda por excluir um sem
número delas que vivendo a vileza de dias que parecem não dar certo, não têm
interesse em disfarçar a melhor vida que não têm. São pessoas que muitas vezes estão
presas a trabalhos de que dependem, mas de que não gostam, ou que carregam
dores de amores que amaram mal amados, de famílias que nunca funcionaram ou de
sonhos que nunca se realizaram e a quem, muitas vezes, o simples fato de
perceberem que o dia amanheceu de novo, já faz sofrer.
E, apesar disso, essas pessoas
são obrigadas a conviver com uma série de outras pessoas que não vivem tão
melhores, mas querem continuar anunciando a felicidade que não têm, o amor que
não vivem, a alegria que não sentem, a dieta que não fazem, a disposição que só
lhes falta, o dinheiro que nunca sobra e o sucesso que não passa de história.
Não bastasse, quando aquelas
sofrem suas dores, quando têm coragem de se anunciarem tristes, vazias e descontentes
com o que vivem, ainda são mal vistas pelos que “só sabem o que é viver bem”. Riem
delas. E talvez porque a verdade de sua tristeza reflita a dor que o outro luta
para esconder de si (“não me diga tua tristeza que é pra eu não lembrar a minha”).
Em tempos de “ditadura das
aparências” não se pode se mostrar fraco, não se pode ser titubeante, nem passional,
nem vacilante. O mundo parece exigir cada vez mais altiveza, robusteza, além de
mostrar uma indiferença cada vez maior em relação a muito do que antes era considerada
virtude, mas que agora, não raro, é pusilanimidade. Não se admitem os que choram,
nem os que sofrem, nem os que se confessam ou se declaram incapazes de seguirem
sós. A esses é reservado o ridículo. São anátemas. Escória.
Está na hora de repensarmos as
nossas verdades e pararmos com a estupidez de acharmos que a imagem que fazem
de nós (e que fazemos dos outros) é que é importante. Está na hora de
libertarmos uns aos outros da obrigação de parecermos sempre mais. É preciso
nos voltarmos à realidade da nossa humanidade e da humanidade do outro. Não nos
querermos semideuses, infalíveis, irresistíveis, admiráveis. Querermo-nos apenas
humanos – e com tudo (alegrias e dores) que se carrega dessa condição que não
nos faz menos, mas que na melhor reunião dos melhores valores faz descobrir que
podemos ser, aí sim, de verdade, sempre mais.
Gente para ser gente só precisa
de paz. Não precisa parecer ser mais.
Um comentário:
Excelente percepção, também acredito que a vida virou uma vitrine, na qual somos postos como mercadorias. Temos que vender a imagem de sucesso e beleza. Dessa forma, a ideia de globalização que é trazer para perto oportunidades iguais de conhecimento e acesso a informação, foi manipulada pela sociedade e seu egocentrismo, passando assim, a ser um ideal de padrão. (beleza, felicidade, dinheiro, popularidade)
Assim, o querer ser mais e melhor que o outro, munido de uma exposição desacerbada acaba gerando uma intolerância pelo diferente, ou seja, o que não se encaixa no padrão exposto pelos meios midiáticos tem que ser eliminado ou deixado à margem.
Hoje, o segredo da vida é ser feliz como você é e com o que você pode oferecer ao outro de forma genuína.
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