Um dos piores medos é o do mundo
real. O medo que impede de ser de verdade, de dizer o que quer e o que sente;
de pedir, revelar, tentar. Medo de descobrir que sente e quer sozinho ou de
pedir e tentar e ouvir um não. E daí as pessoas se escondem nos seus avatares. Encerram-se em solidões sem
coragem de pedir a companhia. Encerram-se na dor sem coragem de pedir afeto.
Encerram-se na vida sem coragem de pedir saída. Tudo porque têm medo de
tentarem o outro e descobrirem que não lhes há aquele alguém.
Pior ainda é o medo de não
encontrarmos quem queremos. E o grande problema está em idealizarmos a
perfeição desse alguém que queremos e, então, olharmos o outro não como ele é,
mas como o resultado de tudo o que falta para que ele seja aquele a quem
idealizamos. E idealizamos tudo: desde o tipo físico até o sorriso quando nos
vejo ou o jeito sereno de dormir ou a cara de bobo ao acordar.
Mas é quando eu digo que quando a
gente imagina, por exemplo, o encontro ideal, o parceiro ou a parceira ideal, o
olhar, o beijo, a pegada, o dia seguinte e todos os outros, na verdade o que a
gente está fazendo é namorar a gente mesmo. Nesse instante, estamos querendo
que o outro seja quem somos – desde que fôssemos pra gente (já que dificilmente
somos perfeitos assim pro outro).
Isso é um grande erro! Pensar o
amor que queremos é deixar de amar quase todos os amores que podemos. E são
muitos os amores que podemos. Deixar de amar é deixar de viver. Parafraseando
Quintana, “Morrer: que me importa? O diabo é deixar de viver!”.
E não é que não devemos nos ter
na conta de quem por ter grande valor merece um grande amor. Mas talvez seja o
caso de se entender que o grande amor não é aquele que vem sob medida, mas é
aquele que se descobre, se ajusta, faz a vontade porque tem vontade e se basta
na vontade de ficar à vontade com quem descobre que lhe faz bem.
Ora, nós somos capazes de saber
do que gostamos, mas jamais poderemos ter certeza do que (e de quem) realmente
gostaremos. Quanto mais de quem não gostaremos. Mas acabamos nos pondo em
tantas defesas, tantos joguetes, tantas expectativas de tantas perfeições (do
outro, dos instantes, dos momentos) que cada vez mais dói a ideia de que dizer
SIM pra um é dizer NÃO para todos (vai que o melhor era o próximo que eu não
soube esperar).
E parece que tudo isso é fruto de
uma insatisfação que nasce a partir de uma falsa perspectiva do que é a vida
individuada em cada um. Porque as vidas, hoje, socializadas – já que sempre
postas nas “vitrines sociais” – se fazem sujeitas a toda sorte de escrutínio
popular e daí muitas vezes a tendência de se valorar as próprias escolhas
segundo aquilo que se imagina que os outros podem julgar ao nos analisar.
Nisso, a vida que é nossa deixa
de ser nossa porque damos ao outro o poder de nos incomodar com um julgamento
que achamos que ele fará acerca das nossas escolhas, mas que, na verdade, é o
julgamento que nós mesmos fazemos, já que não pensamos com nenhuma outra cabeça
que não a nossa. Não alcançamos o pensamento de nenhum outro alguém.
Mais e mais as pessoas julgam-se
no espelho do outro e sob as circunstâncias que pensam serem as do outro, mas,
com isso, não percebem que elas se fazem vilãs contra suas próprias vidas e que
são elas que combatem contra a sua própria felicidade na medida em que se fazem
o principal obstáculo à sua alegria e à paz.
O negócio é temer menos e topar
gostar de gostar mais.
*o título não tem qualquer
conotação política (rsrs)
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