Penso que há algumas dores que porque
piores que outras dores, são dores que escolheríamos não doer. São aquelas
dores que nos mostram demais. Dores que revelam uma essência que nos expõe para
muito além do que nos mostramos (até mesmo para nós mesmos). São dores que a
gente não sabe onde moram na gente, nem desde quando ou por que nasceram, mas que
de repente disparam e doem até que o que nos acomete é a vergonha de quem sabe
que não tem razão pra sofrer o que sofre, nem pra se queixar do que não parece
motivo, mas que mesmo assim se percebe abatido por tudo o que tantas vezes não
tem nada a ver com o que dependa de si.
Há quem defenda que a dor é um
inteligente mecanismo de defesa do corpo que garante que ele se defenda do que
poderia lhe degenerar. É quando se sente a dor que se retira a mão do que
queima ou se ergue os pés do que rala ou que pisca os olhos antes do encontro que
pode cegar. Talvez a dor realmente seja um mecanismo de defesa inteligente das
emoções contra novas emoções. Porque a dor faz a gente tatear com cuidado o
espaço em que se atiraria imprudente, impenitente pelo simples prazer de gozar
o prazer que se revela novo, bom e farto. Porque a dor faz a gente pisar no
freio e olhar o caminho que seguia com pressa e em festa, quando nem pensava em
fazer questão de se cuidar.
Parece que a dor nos devolve a
realidade da gente. O que não quer dizer
que ela é válida, o que não quer dizer que isso é bom. Ela busca uma segurança
que não existe ou uma certeza que não se pode (nem se deve) ter para se afirmar
sobre um fundamento covarde de quem se engana nas verdades que se cria (e nas histórias
também) e, em tudo, recria contextos de sofrimento que, descuidados, abafam
momentos de contentamento só porque um instante dessa dor pode sugerir que tudo
o que foi não era; que quem se pensava, não é.
E se não cuidamos, afundamos a
nós mesmos nessa dor. E também a tudo (e a todos os) que vivem conosco aquilo
que é bom, mas que dá medo (dá medo porque é bom). Ficamos tanto tempo imersos
numa expectativa ruim, num pressentimento de que a qualquer momento virá a
surpresa que não será boa, a revelação de que tudo não passara do que no fundo
a gente sempre soubera ou que não era nada daquilo que a gente sempre pensara,
que acabamos desvivendo tudo o que vivemos ou não vivendo o muito do bom que
havia pra se ter vivido.
Viramos o eterno boicote da nossa
própria felicidade pelo antigo medo de se saber feliz.
E daí também a dor. Há dor. Ah!,
dor. Não parecemos grandes – como parece que é normal se querer grande – quando
nossas questões parecem tão pequenas e relegadas à mesquinhez de um acontecimento
que só interessa quando aconteça como seja perfeito. E só. E se acusamos a dor
que nos dói, parece que diminuímos mais na pequeneza em que a dor já nos põe,
já nos faz. Então tentamos calar essa dor em nome de um silêncio que não é
menos tristeza, mas apenas a garantia de que logo erraremos o erro que vai
garantir que fiquemos sozinhos o tempo exato de uma vida inteira desfeita de
amor.
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