Como já era de se esperar, após a
cena do tal beijo gay da novela Amor à Vida, surgem várias teorias a respeito
do que tal gesto representa. Desde os mais entusiasmados militantes do
movimento LGBTT aos mais raivosos “religiosos” (desses que acham que Deus só é
o “seu” amor e não TODO amor), cada um tem uma visão muito própria dos rumos da
sociedade brasileira frente a essa (velha) nova realidade que se apresentou.
Em primeiro lugar, é preciso que
se diga que não há qualquer inovação na representação de dois homens se beijando.
No Cinema, no teatro, na literatura – e, principalmente, na vida real – isso é
mais do que comum. Logo, afora o fato de ter ocorrido pela primeira vez numa
novela da Globo, a programação mais assistida e comentada do país, não há
qualquer razão para festejos ou assombramentos.
Ao contrário do que alguns defensores da “causa
gay” querem acreditar, o fato de se ter transmitido o beijo entre dois homens
não significa uma mudança de consciência da população brasileira ou mesmo um
cala boca ao Feliciano e aos que pensam como ele. Na verdade, também ao
contrário do que pensam os defensores da “causa gay”, a tolerância das pessoas
não é fruto da sua militância muitas vezes ofensiva aos que não comungam de
suas preferências. Hoje, se há uma maior tolerância às relações homossexuais é
porque a sociedade evoluiu uma evolução por estágios autômatos e, até por isso,
inevitáveis.
São raros os que enxergam a
opção/orientação sexual de alguém como uma anormalidade, como algo contra a
natureza. Os que assim ainda o fazem, são muito mais guiados pelo medo de se
permitir pensar diferente ou até pela incapacidade de enxergarem o diferente
como um igual ou mesmo, temem não serem aceitos em determinado meio que parece
fomentar, se não um discurso de ódio, um discurso dissociado do amor. Ora, a
partir daí, a partir dessa realidade em que se enxerga que sim, que ser “diferente
é normal”, as pessoas tendem a aceitar que se não lhes diz respeito, não tem
que lhes fazer mal. Se não lhes faz mal, não é da sua conta e se não é da sua
conta, não têm que dar palpite no que o outro faz de sua própria vida. E é a
isso que entendo que se deve o fato de aceitarem bem o casal formado pelo “Félix
e o Carneirinho”. As pessoas simplesmente entendem que casais como aquele
simplesmente existem.
Quanto à torcida pelo tal beijo,
estou certo de que ela não diz respeito a uma mudança de mentalidade da grande
parte das pessoas, com a mesma certeza que tenho de que o público não gostaria
de que em toda novela houvesse gays se beijando. Aqui, temos um elemento a
mais. O autor da novela, não sei se por talento ou por acaso – muito embora
fique com o acaso – não obstante as incongruências de roteiro e dinâmica das
personagens, conseguiu desenvolver um romance palatável entre os dois. Quem via
a dupla, não se limitava ao gênero, mas ao afeto que surgia e isso, também,
graças a atuações seguras dos dois atores envolvidos.
Além disso, é importante destacar
a maturidade com que foi demonstrado o “núcleo gay” da novela, uma vez que se fugiu
do estereótipo “da bicha louca” de outros tempos e outras novelas e se
aproximou para o público a realidade que se vê na rua onde há gays e eles
trabalham, vivem sua vida, são cidadãos que amam, que sonham, desejam... que
sentem a vida. Quando a gente se atenta para o indivíduo como um todo, deixando
de rotulá-lo como alguém que a gente define por um único critério, nos
aproximamos muito mais da nossa própria humanidade, feita e refeita nas várias
circunstâncias que nos fazem quem somos.
O que a novela nos proporcionou,
acima de qualquer coisa, foi a possibilidade de refletirmos como nossos (pré)conceitos
limitam a nossa humanidade e, se é que essa improvável redenção da personagem
do Félix pode sugerir alguma coisa, é que se as pessoas forem aceitas, e amadas,
e puderem viver o que são, como são, com menos ou nenhum segredo, acolhidas por
quem amam e sentindo-se livres não para chocar, mas sim, para serem quem são, a
vida pode sempre recomeçar e ser mais leve e cada vez melhor.Não. Eu não acho que a sociedade mudou. Acho que a sociedade é a mesma e seus "valores" continuam os mesmos, com a diferença que eles variam a depender do público para o qual cada um "se" prega. Mas as pessoas, essas sim mudam todo dia e a reação ao último capítulo da novela prova isso. Não é manipulação, não é fim dos tempos, nem obra do "satanás". É gente entendendo que ser gente não se aprende na cartilha, mas se aprende no coração, na vida que vive e na experiência que soma. Que bom...
Um comentário:
Caro William, a repercussão do tão falado beijo gay, já era esperado. O que me deixa impressionada é a dimensão que algumas pessoas dão para a orientação sexual de alguém. Mas fica fácil explicar, quando olhamos os preconceitos que mulheres ainda sofrem nos dias de hoje, pelo simples fato de serem do sexo feminino. É claro que é numa escala muito menor, se comparado com o final do século XX.
Não sou uma militante, defensora da causa gay, ou algo parecido. O que não podemos aceitar é que alguém sofra qualquer tipo de violência, por ter uma orientação sexual que não seja "papai e mamãe". Simplesmente penso que cada um segue sua vida, independente de raça, credo, cor, sexo...
Parabéns pelo texto!
Abraços.
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