Heidegger já dizia que a vida do
homem é um projeto inacabado, sempre projetada para o futuro com o objetivo de
se tornar, de alguma forma, essencial. Difícil seria refutar essa afirmação.
Nossa vida precisa ser vivida e o
é na forma que escolhemos cada um de nós. Cada um tem a sua razão, cada um tem
o seu jeito e cada qual é feito conforme as suas circunstâncias lhe permitiram
na medida em que impostas pela vida vivida à volta de quem só tem a escolha de
viver.
Nem sempre dono de suas circunstâncias,
homens e mulheres precisam lidar com um mundo que parece lhes sugar mais do que
lhes preencher. Todo o tempo, esses homens e mulheres são bombardeados com
diferentes tipos de pragmatismos de gente sempre pronta a lhes conceder suas
receitas de uma felicidade que eles mesmos não têm. (sem contar aqueles que
dizem para não se ocupar com a ideia de ser feliz).
O que me parece é que é cada vez
menos lícito divergir. Num mundo em que
as diferenças são motivos de briga e não de conciliação pelas ideias que são
iguais, mais e mais pessoas veem-se ocupadas de viver uma vida diferente do que
seria a sua vida se não houvesse ocupação com que se ocupar. Além de suas
próprias expectativas, muitas vezes se pegam vivendo expectativas de todos os
outros que não são elas, mas parecem querer lhes dizer o que é viver.
É a partir dessa dura realidade
que me pego assistindo pessoas cada vez menos satisfeitas consigo, cada vez se
gostando menos e desejando um mais que já não sabem o que é. Parece cada vez
mais comum a sensação de um vazio existencial, sem saber o que é que realmente
falta para que possam, então, tentar adquirir, vivendo como se o mundo fosse,
de fato, um consumir indiscriminado. E não percebem que o tempo todo em que sentem
falta de algo que não sabem qual algo é, estão sentindo falta de si mesmos. Mal
percebem que se olham no espelho e não estão sendo quem veem. Olham-se nos
espelhos de todos os lados e em cada espelho parecem ver o que não foram diante
de todos os olhos críticos de quem só vê prazer em não perceber que somos quem
somos e não quem alguém pensa que deveríamos ser.
Então uns procuram um casamento,
outros procuram uma religião, um deus, um ídolo, um herói, mas quase não se dão
conta de que procuram a si mesmos. E que casamento triste! Que culto vazio! Que
deus silencioso e que herói sem honra.
Mas qual é o instante em que
nossos sonhos começam a perder para a nossa realidade? Em que momento da vida a
gente deve se deixar de ser mais
importante do que as expectativas que fazem de nós?
Vejo pessoas que dividem suas
vidas em grandes planos e acontecimentos: vou estudar, quando terminar o
colégio vou trabalhar e entrar numa faculdade, depois vou arrumar uma esposa ou
um marido, vamos constituir uma família e veremos como será. E como será? O que
essa pessoa realmente espera pra si? O que ela realmente procura?
O que ela estuda e o que ela quer
estudar? No que ela trabalha e o que eae realmente quer fazer? Por que estudar
o que não gosta? Por que trabalha no que não lhe dá prazer? Será que os homens
são projetos inacabados de si mesmos ou estão é destinados a serem projetos não
realizados de si mesmos? Eu prossigo amanhã sempre para além do meu limite de
hoje ou viro às costas para o caminho que ainda tenho em nome do que me
disseram que tenho que querer? O que eu realmente quero?
Por exemplo: quem casa procura o
que? Sexo? Amor? Companheirismo? Deus? Mas que sexo? Que amor? Que
companheirismo? Que Deus? O Sexo despudorado que ele gostaria de oferecer, mas
que não sabe como vão lhe julgar ou o sexo casto que ele julga ter sido o dos
seus pais e o de Maria com seu bom marido José? O amor que liberta e que sabe
que a verdade é que ninguém é de ninguém e fomos feitos para o mundo e que, por
amarmos, nos cedemos a quem nós queremos ou o amor que aprisiona e faz julgar
haver propriedade onde há permissão? Companheirismo que faz querer estar junto,
mas que sabe que pode deixar ir onde ele não esteja (fisicamente), porque mesmo
assim, sempre estará ou o companheirismo dependente que faz o outro julgar só
ser possível achar na sua outra “metade” o ar que lhe importa respirar? Que
Deus ele busca? O Deus que dá a vida ou que tira a vida? O que permite ou o que
castra? O que é justo ou o que só soma o erro? E enquanto isso, que vida ele –
que casa – já viveu?
Em dois que se dão para viverem
uma vida, qual a vida que viveram pra doar? Quanto vale a doação que não doa? Quanto
vale a entrega do que não existe? Que vida se junta quando nenhuma vida ainda
viveu? Mas até isso vale se tudo for pra viver...
Respirar não é viver. Andar não é
viver. Trabalhar não é viver. Amar não é viver. Gozar não é viver. Viver é
fazer tudo isso junto e ao mesmo tempo e mais de uma vez, repetindo enquanto tiver
vontade e o corpo tiver condições, sem arrependimentos inúteis ou medos sem
razão.
E se as pessoas se ressentem é porque
são quem preferiam não ser e não são quem sempre se sonharam sendo. Pensaram demais,
ouviram demais, temeram demais e viveram de menos.
Enquanto não vivemos pra nós não
devemos ter planos pros outros ou isso seria vingança e vingança só gera
ressentimento e ressentimento dor. Viver bem não é o principal objetivo.
Acertar não é o principal objetivo. Amar não é um projeto, é um sentimento.
Casar não é projeto de vida, assim como morrer não é esperança. O que nós temos
na vida desde o seu início é só a vida, essa vida e ficamos perdendo tempo com
tantos projetos que não nos permitem que sejamos quem queremos, que já é mais
do que hora de sabermos e entendermos que na vida, o principal projeto que
podemos ter, é viver... viver, nos viver, mais viver.
2 comentários:
UMAS DAS MAIS PURAS REALIDADES, MUITAS PESSOAS ACREDITAM QUE O MUNDO GIRA EM TORNO DO SEU UMBIGO, PRECISANDO VIVER ...VIVER.
" E não percebem que o tempo todo em que sentem falta de algo que não sabem qual algo é, estão sentindo falta de si mesmos".
Desde crianças, nós tentamos ser alguém para ser aceito em algum grupo, ou coisa parecida.
Só que isso, é quando somos crianças e/ou adolescentes. Quando nos tornamos adultos, estas perspectivas de vida, a nossa vida, são deixadas de lado, e a explicação para isso, está nesse texto maravilhoso.
Parabéns William, adorei essa leitura.
Abraços.
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