Em algum momento da história
houve um pensador que disse que a ignorância é uma benção. Não sei se porque a
ignorância pode, eventualmente, servir de uma escusa de consciência bastante
eficaz, plenamente capaz de fazer com que nos sintamos bem com a nossa falta de
ação.
Mas talvez a ignorância seja
mesmo uma benção na exata proporção em que o conhecimento é um fardo, uma
grande responsabilidade. E se o conhecimento for sobre nós mesmos, tanto pior
(ou melhor, daí vai depender de cada um).
O fato é que conhecermos a nós
mesmos implica em deixarmos de ser inocentes de nossa vida e vítimas de nossas
circunstâncias. Conhecermos a nós mesmos impede que aleguemos que não sabíamos
que o resultado do caminho percorrido, da escolha realizada ou da insistência
teimosa não seria mero acaso. Mas ao mesmo tempo, nos autoconhecermos é a causa
da consequência doída de “nos afastarmos de nós”.
Sim. Nós todos temos uma
autoimagem. Nos pensamos e nos imaginamos prontos, certos, definidos nas nossas
escolhas, nas nossas verdades, nossas ideologias e princípios. Nos acostumamos
com essa produção (mal)acabada que foi moldada à cada experimentação da vida
convenientemente vivida a partir de seus contratempos.
Ainda pequenos buscamos o
reconhecimento, a aceitação dentro de diferentes grupos. Via de regra, os
nossos grupos de escola eram diferentes dos grupos da rua que eram diferentes
dos grupos da igreja que eram diferentes dos grupos familiares. E nos queríamos
aceitos em todos eles, ainda que fossem todos bastante diferentes entre si e, a
partir daí, aprendemos a ser camaleões de nós mesmos (Zelig, de Woody Allen, é um exemplo perfeito; o Múcio, do Jô Soares, também).
Condicionados à necessária adaptação garantidora de nossa sobrevivência (ao
menos social), nos descuidamos da realidade de que quanto mais próximos de um
grupo, mais distantes de nós mesmos e, se os grupos são muitos, maior é a
distância que avançamos de nós.
De repente, já somos tantos que
não somos nenhum. (e daí eu me lembro da
questão dos ovos no filme “Noiva em fuga”).
Perdidos dentro de nossa própria
existência, deixamos de sentir prazer na vida que vivemos porque já não sabemos
se somos nós que a vivemos ou se é ela – a vida – quem nos vive. Pior é a sensação
de que são outros que vivem a vida que nos foi dada pra viver: estudamos o que
querem que estudemos, fazemos ou deixamos de fazer só o que nos mandam e mesmo
a nossa crítica é calada por nós mesmos, na medida em que não permitimos que
nos cresça o anseio de mudar.
E tudo piora quando nos percebemos reféns de
nós mesmos, quando não nos permitimos pensar diferente e desdizer o que
dissemos. Quando nos queremos mais sérios do que a própria seriedade, e nos
percebemos incapazes de reconhecer que a melhor forma de viver é aquela que ainda
viveremos e não aquela que já vivemos ou que, pior, já nos viveu.
E isso é se autoconhecer. É
conseguir deixar pra trás o velho “eu” que não é a gente. É deixar pra trás
dogmas e estigmas que nos atam a um tempo sem gozo, sem graça, sem riso e cheio
de angústia, de ardência, de dor.
Quando nos autoconhecemos, também
conhecemos o tamanho da nossa responsabilidade pelo que dá certo e pelo que dá
errado, pelo que acontece ou pelo que deixou de acontecer. Nos afastamos de
todos as escolhas que não nos representam e não nos agradam e damos de ombros
pra receitas de vida, para as crenças e para tudo que nos atrasa, que nos
afasta. Damos de ombros até para o passado, porque quando no autoconhecemos o
nosso compromisso deixa de ser com o que era e passa a ser com o que será.
E a gente não tem medo de mandar
vir. A gente sabe bem o porquê é que quer mesmo e vai (mesmo) encarar. Afinal,
quando a gente se conhece, a gente sabe, inclusive, aonde a gente quer chegar...
Um comentário:
" Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não fiz
Conheceram-me logo por quem não era
E não desmenti, e perdi-me
Quando quis tirar a máscara
Estava pregada à cara
Quando a tirei e me vi ao espelho, já tinha envelhecido".
(Padre Fábio de Melo)
Parabéns pelo post, adorei!
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