- Não passou...
- Não?
- Nem pra você. Sempre era o meu
nome, sempre era o meu jeito, sempre tinha algo de mim, mesmo que não fossem
eu. Nunca era eu... eu sabia que... eu sabia que todos os outros, eles todos
eram um “quase eu”.
- Eles não eram você.
- Você tem certeza?
- Tenho. Tenho essa certeza desde
a primeira vez que te disse não e você sabe que eu te avisei. Foi você quem
insistiu. Eu tenho essa certeza desde quando não pedi pra você ficar e tampouco
senti a tua falta depois que você se foi.
- É... eu bem sei que eu é quem
fui. Mas, engraçado... se fui eu quem foi, por que foi você quem voltou?
- Hã? Ninguém volta se continua
no mesmo lugar, não. Eu não mudei, eu não saí, nem me mexi. Te vejo de onde eu sempre
te vi. Ou melhor, nem te vejo. Já te vi, mas o certo é que não te vejo. Mal te
lembro... nem te lembro.
- Só que mesmo esse teu “mesmo
lugar” agora é diferente do que era. Aliás, tudo é diferente do que era. Eu não
sou aquele, mas você... você ainda é menos aquela. A vida te experimentou muito,
mas a vida te experimentou menos do que você experimentou dela. Quem você era
antes, é criança perto de quem você é agora.
- E quem eu sou? O que tanto você
acha que sabe olhando de tão longe, de tão distante?
- Ah... e você não sabe melhor do
que eu? Vai me dizer que estou errado quando digo que você tem sentido a vida
mais urgente? Eu estou errado quando, desde aqui, sei que a ideia de vida, de
viver, de querer, de conquistar, de fazer... de que tudo isso acordou diferente
em você naquele exato momento em que você se despertou? É... Você está certa.
Você não voltou. Não. Não mesmo. Você me chegou. Chegou diferente. Chegou – não
diria confiante – mas com um algo mais indiferente ao resultado. Você joga...
ganhar, para a você de agora, é consequência indiferente perto da ansiedade de
jogar.
- Humm... então quer dizer que
agora você decidiu que eu não tenho problema nenhum em sentir dor, em sofrer?
Tua soberba é tão grande que te faz mesmo achar que vai me guiar pelo
sentimento que você quiser me despertar? Será possível que você não percebe que
as minhas urgências não têm nada a ver com tempo, com prazo, com nada... a
minha urgência é o tempo que eu tenho para ser eu mesma. Quero me assumir sem
dar satisfação. Quero a satisfação sem dar satisfação. Quero sonhar
sem-vergonha, quero sonhar sem medo, quero sonhar livremente com a viagem de
daqui a pouco, com a vida de agora, com qualquer coisa que não seja mais
distante do que o amanhã. Até que depois de amanhã já esteja sendo outra longe
daqui, em outro lugar.
- Nossa... eu lembro bem de que
antes você queria amar...
- E continuo querendo. Mas antes
amava amar e achava que isso bastava. Chegava a achar normal que eu gostasse
mais e que gostassem de mim menos do que gostava dos outros. De todos eles – e você
sabe que não foram muitos. Mas... era tipo... se não era como eu queria, a
culpa era minha por querer. Se não era como eu sonhava, a culpa era minha por
sonhar. Eu é que pensava que tinha que ser o tempo todo. Eu é que achava que
tinha que ser pra sempre, sempre. Mas não foi. Nunca foi. Às vezes, de tanto
ouvir que eu era tanto, parecia que eu queria demais. Cheguei a acreditar –
mesmo – que já tinha passado a hora de eu saber que eu precisava ser menos eu para
agradar mais ao outro...
- E eu sempre pedia pra você
olhar e ver que todos os outros é que eram pouco pra você...
- É você dizia, sim. Mas não era
o que o parecia.
- Você deixava te fazerem mal. Era como se você tivesse medo de quem aparecesse querendo te fazer bem. E, mesmo assim, o tempo todo você queria fazer o bem que não te faziam. Era como se você sentisse que não te aceitavam, que não te queriam e, então, passava a se ver como se você fosse menos do que era, menor do que é. Você passava a se sentir rejeitada, como que reduzida a muito menos do que o muito que você é perto de qualquer pessoa e se sentia menos até diante daquilo que te falavam - eu te falava - do que viam em você. E daí, como se precisasse "compensar" uma falta tua, você se entregava ainda mais a esses que não te viam ou te diminuíam (porque eles, sim, era, pouco!) como se você não quisesse aceitar que aquele tempo passado é investido parecia virar tempo perdido...
- Você deixava te fazerem mal. Era como se você tivesse medo de quem aparecesse querendo te fazer bem. E, mesmo assim, o tempo todo você queria fazer o bem que não te faziam. Era como se você sentisse que não te aceitavam, que não te queriam e, então, passava a se ver como se você fosse menos do que era, menor do que é. Você passava a se sentir rejeitada, como que reduzida a muito menos do que o muito que você é perto de qualquer pessoa e se sentia menos até diante daquilo que te falavam - eu te falava - do que viam em você. E daí, como se precisasse "compensar" uma falta tua, você se entregava ainda mais a esses que não te viam ou te diminuíam (porque eles, sim, era, pouco!) como se você não quisesse aceitar que aquele tempo passado é investido parecia virar tempo perdido...
- Mas foi perdido... cada
escolha, cada não, cada aposta, o tempo passou, os anos passaram, a vida chegou
a parecer uma sala escura com paredes se fechando até não haver mais espaço,
nem ar, nem nada que me lembrasse de mim.
- E quem é você hoje?
- Acho que uma menina
assustada...
- Que tem medo de que?
- De não ter mais tempo...
- Sempre tem tempo...
- Mas é menos tempo...
- É todo tempo...
- Pode ser pouco...
- Mas pode ser muito.
- Era você...
- Não entendi.
- Não fazia sentido que tivesse
acontecido qualquer coisa. Eram mundos opostos, dois estranhos que se
entenderam bem demais. Parecia muito certo num momento muito errado. O medo de passar
o tempo, chegar o futuro e sofrer por não ter dado certo... sei lá. Parece
bobo, mas acho que olhei pra frente e tive medo de correr o risco de ser feliz
e não conseguir. Olhei pra trás e quis voltar à vida que tinha porque pelo
menos tinha minha alegria. Era uma alegria triste, mas até aquela tristeza era
mais minha companhia do que o risco de ser feliz sem saber lidar com isso.
- Eu queria te ensinar a ser
feliz.
- E você sabia como era?
- Touchè... nunca soube, mas ia aprender pra te ensinar, ou aprenderia
junto de você. Só sabia que seria diferente de tudo o que pensei que já sabia.
Mas você não quis...
- Eu tinha medo. Era muito
intenso. Era comovente... você sabia como tinha sido minha vida. Nada do que
vivi era parecido com o que você parecia propor. Era demais. Era bonito e eu não me sentia
bonita... não do jeito que você parecia me ver, para além dos meus olhos, do
meu rosto, para além de mim. Eu não via quem você via e me comovia saber que
existia alguém que me via “assim”, daquele jeito que parecia que só você via.
Um assim que eu não sabia, sequer, se um dia eu seria, mas parecia certo de que
não era eu aquela que você via...
- E então, por isso, você resolveu
andar pra trás... mas o que houve depois? Você se fez distante.
- Depois já era tarde demais. Pra
mim, pra você, pra mim com você, pra nós dois. Como eu ia te procurar? Com que
pretexto eu surgiria depois de ter agido tão mal? Depois de ter me escondido de
você? Tive vergonha e tive medo. Nunca soube se seria bem vinda na tua vida e
seria terrível ter a certeza de que não tinha, mesmo, mais você... e parecia
que você fazia questão de me mostrar que tinha seguido em frente, e que eu era
só um passado amargo e amargurado de que você parecia até se arrepender. E não
te culpo...
- Só que não me arrependi. Não me
arrependi de nada do que disse, revelei, tentei, ousei, quis. Mas teve um preço
e durante muito tempo, só o que sentia era a dor que, até então, eu nem sabia
que existia tanta... a tua indiferença foi a mais doída porque me veio de quem
nunca pensei que me viria e num momento em que eu não esperava ficar sem você...
- Sabe... eu sempre te via. Mesmo
quando ficava quieta, mesmo quando parecia que não queria saber de você, quando
me apressava em terminar uma conversa ou até evitava deixar você iniciar alguma
conversa, mesmo nessas horas eu via você sem nem me dar conta, nem saber. Eu te
lia e sabia que me tinha ali. Via tuas fotos e nelas você sorria, mas sempre me
parecia faltar algo no teu sorriso e meu íntimo dizia que aquele sorriso sorria
menos... e até gostava de achar que o motivo era eu. Que eu era, que eu sou, a parte que faltava no teu sorriso.
- Eu esperei...
- Eu também. Mas esperei
diferente. Eu esperava que seria uma lembrança engraçada, distante, vaga,
errada. Que não faria diferença. Mas de repente eu estava com outro que não era
você e ele fazia lembrar você: “seria assim se fosse com ele?”, “como seria
comigo, se ali com ele fosse eu?”. Então você sempre esteve aqui.
- E eu ainda estou aqui... agora.
- Humm... É bom esse abraço.
Fazia tempo...
- Ei, olha pra mim: “eu... estou...
aqui... agora”...
- E eu também. Sorrindo feliz. Sorrindo viva. E é melhor do que eu sabia que seria e... olha, depois de tanto tempo e depois de TUDO isso, nem pense em sair daqui. Ainda não sou nada corajosa, ainda tenho muito medo, mas não agora. Agora não vou permitir... tira o relógio, esquece da hora, não saia nem se for dizendo que não demora. Foi você quem disse que tudo é urgente e se amanhã o amor será certeza, pouco me importa agora, volta, me beija e do depois a gente cuida outra hora...
- E eu também. Sorrindo feliz. Sorrindo viva. E é melhor do que eu sabia que seria e... olha, depois de tanto tempo e depois de TUDO isso, nem pense em sair daqui. Ainda não sou nada corajosa, ainda tenho muito medo, mas não agora. Agora não vou permitir... tira o relógio, esquece da hora, não saia nem se for dizendo que não demora. Foi você quem disse que tudo é urgente e se amanhã o amor será certeza, pouco me importa agora, volta, me beija e do depois a gente cuida outra hora...
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