Desculpem-me os ofendidos de
hoje, mas o texto do Zeca Camargo apresentado no "Jornal das 10 da Globo
News" reproduz à exatidão o que tem sido a “constante ‘cultural’” da
grande parte da população brasileira.
Vejo que movidos por uma
indignação pessoal de um Eduardo Costa (que acha sentido já que atingido pela
crítica musical), várias pessoas parecem reagir indignadas com um desrespeito
que não houve. A não ser, é claro, que haja um evidente déficit cognitivo que
faça entender que o Zeca Camargo estava falando da música do Cristiano e não da
vida do Cristiano.
Desculpem-me de novo (agora os
que pensam o contrário), mas não é porque morreu que virou um artista
relevante. É óbvio que lamentaremos a morte de um jovem em condições tão
trágicas. Ele foi, sim, vítima de um acidente de trânsito já que era carona.
Mas o fato de ter morrido não vai alçar sua música a uma condição de “arte” na
essência da expressão.
Custa-me acreditar que de fato
haja quem, analisando a história e a música ao longo da história, consiga de
fato crer que “obra” do Cristiano Araújo
– a exemplo de seus companheiros sertanejos do circuito universitário – tenha
potencial para transcender essa geração. E isso, por isso, justifica as menções
expressas a Kurt Cobain, Mamonas Assassinas e Michael Jackson e as imagens de
Cazuza (e também Renato Russo).
A partir disso, proponho que
analisemos o que foi dito pelo jornalista global que é, reconhecidamente (e
suas carreira prova isso) um dos grandes críticos musicais e de “pop art” do
Brasil.
Ele começa dizendo que "muita
gente estranhou a comoção nacional com a morte". Quer verdade
maior? Até aceito que ele já tivesse fãs de verdade, inclusive vi crianças que
os pais deixavam se vestir como ele (?), mas pasmem, é fato que muitos de nós
nunca tínhamos nos dado conta da existência desse rapaz. Logo, ele não
desrespeita a memória de ninguém ao apenas constar o óbvio: era um rapaz ao
mesmo tempo “tão famoso e tão desconhecido”.
Mas o que eu acho que mais causou
a indignação ao cantor que puxou o movimento, foi a referência que abriu o
balaio em que ele se viu lançado. Foi quando o jornalista, referindo-se ao
atual momento da música brasileira, afirmou que ela vem sendo composta por “um
punhado de artistas que não são um consenso popular, mas levam multidões para
os seus shows (...) Revelações de uma música só
[ganhando dinheiro até que a] faísca desse sucesso singular apague sem
deixar uma chama mais duradoura”. Perfeito! Quem é capaz de imaginar
essas músicas de hoje tocando daqui a 50 anos? Daqui a 30 anos? Daqui a 20
anos? Daqui a 5 anos? Quais os sucessos das rádios em 2010 ainda são
“minimamente relevantes” em 2015? Eu respondo: nenhum! Não tem história, não
tem mensagem, só tem consumo, um consumo desvairado, desenfreado, insatisfeito.
Não faz refletir, não faz repensar, não faz ressentir.
E então ele chega a outro grande
símbolo da atual geração. O consumo da obra de arte pronta, muito bem
representada pelo tal livro de colorir para adultos. Que se queira usar o
colorir como “terapia”, para desanuviar a cabeça, é compreensível. No entanto,
os dia-a-dia das redes sociais mostram pessoas “orgulhosas do que coloriram”, como
se estivessem fazendo arte, o que só mostra a banalização desse conceito.
Em uma das discussões sobre a
repercussão da morte do cantor, li de um professor paulista, autodeclarado
pesquisador de música, que Cristiano Araújo (e daí me permito estender seu
ponto de vista aos demais laboriosos sertanejos) era, sim, poeta, porque o que
ele fazia era poesia. Só que não. Poeta faz poesia que se supera no tempo, que
atravessa o século, que falar com o homens e mulheres de todas as gerações, que
provoca, que realiza, que se renova no tempo. Se esses cantores fazem poesia, é
poesia ruim.
A necessidade de heróis que
sirvam de referência é um fato antigo. Mas o Zeca Camargo é mais uma vez muito
feliz quando ele identifica o que chamou de um “desejo de uma catarse,
um evento maior que uma pela emoção”. A atual geração
é profícua em mentir para si, para se sentir bem em meio ao lamaçal de
mediocridade sob o qual se chafurda.
O Brasil não perdeu um ídolo. O
Brasil perdeu mais um jovem. E só (o que não é pouco).
Felizmente o “nosso
POP não precisa ser assim”. Sem contar a quantidade triste de artistas
que já morreram (Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Luiz Gonzaga, Raul, Renato, Cazuza, Tim, Gozaguinha, Dolores, Dorival, Tom, Vinícius,
etc.) Sem contar a quantidade triste de artistas que já morreram (Raul, Renato, Cazuza, Tim, Gozaguinha,
Dolores, Dorival, Tom, Vinícius, etc), temos artistas, músicos, cantores
que, cada qual ao seu tempo já transcenderam gerações (e continuam
transcendendo). São artistas em plena atividade e que já acumulam mais de 60
anos de carreira (Cauby, Ângela Maria,
Agnaldos), mais de 50 anos de carreira (Roberto
e Erasmo Carlos, Jorge Ben, Edu, Chico, Toquinho, Paulinho, Caetano e Gil),
mais de 40 anos de carreira (Milton,
Rita, Djavan Fagner e Ivan Lins), mais de 30 anos de carreira (Titãs, Barão, Paralamas, Capital), mais
20 anos de carreira (Marisa Monte, Skank
e Jota Quest) e outros mais recentes como Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz que
trazem o alento de sabermos que a música brasileira ainda pode ser objeto da
boa arte.
Como bem disse o Zeca Camargo, e
uso suas palavras pra encerrar esse texto, “temos tudo para adorarmos ídolo
de verdade. Mas hoje não temos nada assim”.
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