Portas fechadas, luzes apagadas,
cama vazia, escuro. A cena proposta é um vazio total a exceção de você. Não há
o que ou quem te distraia e, ante a ausência de todos, tudo o que te resta é
você. Toda a tua companhia é só você e a única proposta de escuta é o barulho
que fazem os teus pensamentos. Você está por sua própria conta e o que pode ser
da tua conta é só o tudo e o nada de você.
Não, não é sempre e nem para
sempre. Mas nesse instante, o convite é para que você descuide do mundo e se
concentre somente em você, da tua vida, das tuas escolhas e das consequências de
cada uma das tuas escolhas. Isso te aflige ou você faz com prazer?
Vivemos tempos em que, não raro,
as pessoas têm evitado se confrontarem com a vida que vivem. A vida que vivemos
cada vez satisfaz menos e cada vez incomoda mais. Ao mesmo tempo em que
convivemos com pessoas que gritam uma felicidade na busca de se convencerem
felizes, não é forçoso que nos “surpreendamos” com o soçobrar de uma vida que
desistiu, que se entregou e que morreu.
Os apontamentos que nos dão
notícia do alto índice de pessoas que apresentam quadros depressivos – pessoas a
quem dói viver – também não se devem a simples acasos. Mais e mais as pessoas
gostam menos de si e, confrontadas com a acusação da felicidade alheia, ressentem
a vida que vivem e, mais ainda, a vida que não lograram viver.
E esse é o grande problema da
vida real: ela tende afastar da vida que se pensa ideal.
As urgências do dia-a-dia nos
solapam. Todo dia precisamos fazer o que precisamos fazer e, cada vez que
fazemos o que precisamos, deixamos de fazer o que queremos. “Escolhas um trabalho que ames e não
precisarás trabalhar um dia sequer”, mas se escolher não fosse tão difícil.
O ser humano parece viver de
ausências e isso parece normal na medida em que o desejo está na falta. O que
se tem é história, mesmo que presente. A vida sonha e deseja mais na exata
proporção com que impõe renúncias. Não nos é dado que tenhamos tudo o que
queremos e menos ainda que tenhamos além daquilo que temos. A escolha de um
pressupõe a renúncia de vários, então sempre que escolhemos perdemos e o que
não vivemos continua perfeito na vida que sonhamos. Por sua vez, o sonho não
sobrevive à realidade e, feito real, não alcança o ideal.
Quando escolhemos o que sonhamos e
ele deixa de ser perfeito para ser real, tudo o mais que era ideal continua no
campo do perfeito e continua parecendo bom. Agora, até parecendo melhor. Já
esquecemos as circunstâncias que, antes, preferiram o par ao ímpar ou o claro
ao escuro. Tudo o que não se quis passa a representar o que deveria ter sido e
tudo o que foi parece o erro que se deveria evitar.
Não se trata de ingratidão. Trata-se
de ser humano na essência de toda a sua humanidade. Querer não depende do
outro, depende da gente. Não depende de ter, mas tem a ver com não bastar. E nada
basta. A vida é curta pra tanto desejo e as escolhas são poucas para tanta renúncia.
É como foi, é como é e assim é que será.
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