É como se vivêssemos tempos em
que precisamos eleger vilões que nos façam nos sentir tal qual aos heróis. É a
partir de um suposto opróbrio alheio que aproveitamos a chance de afirmarmos que
somos os bons moços, os verdadeiramente dotados de bons sentimentos, bem
quereres, empatia. Que queremos a felicidade de todos e o respeito à igualdade
a que sempre defende(re)mos e pela qual não cansa(re)mos de lutar. É essa gente que
depende do diferente ou, de tal igual e omissa, não teria voz para se fazer notar. Aliás, gente bem cansativa
que parece nem saber do que fala, mas fala.
Afinal: desde quando somos
realmente iguais? E por que seria bom que fôssemos?
Não é novidade para ninguém que a
nossa sociedade é vítima do discurso cristão (principalmente esse de que somos
filhos de Deus e, portanto, irmãos e, consequentemente, iguais por vocação e
herança – divina). A partir dessa influência, buscou-se consagrar essa
igualdade nos textos de lei e parece que com alguma razão, afinal, parece justo
que pessoas que vivem sob as mesmas obrigações sejam titulares de mesmos
direitos (civis).
O problema está em quando esse
discurso passa a ser assumido como máscara de muitas pessoas que a ele aderem sem
qualquer reflexão, preocupadas, apenas, com não serem vistas como anátemas
dentro do círculo social (seja o mais próximo, seja o mais remoto). Ou não é
fato que vemos – ouvimos – inúmeras pessoas repetindo discursos de uma
igualdade que, por força da natureza, simplesmente não há (não é)? E chega a
ser impressionante o quanto se ofendem e se insurgem contra aqueles que se
recusam a acreditar que todos são iguais por serem humanos (que é diferente de
serem iguais por serem cidadãos). Muitas, inclusive, sentindo-se no direito de
ofender e acender a sua ira contra qualquer um que não se ocupe de ser mais um
produto dessa pasteurização nociva que não se envergonha de defender que não
deve haver diferença entre dois diferentes.
Pergunto: e daí se o negro se
acha melhor que o branco ou vice-versa? Se o asiático se considerar mais capaz
que o latino ou seus vizinhos hindus; ou se o grego entender que tem mais
motivos para se orgulhar de sua história que o judeu? Se um homem quiser achar
que é melhor que uma mulher ou se a mulher entender ter razão quando sabe que o
homem é suficientemente fraco pra se sujeitar ao que ela quiser? Ora, em nome
de quê as pessoas precisam andar de braços dados e corações gratos cantando “kumbaya”
como se fossem uma grande família universal? Os fortes não devem ter vergonha
de ser forte porque haverá alguém fraco; o bonito não precisa se “enfeiar” para
que o feio não se constranja ante a sua ausência (evidente) de seu capital
estético. Assim como o inteligente não precisa querer provas fáceis porque
outros não conseguirão responder e o resiliente se compadecer do desistente porque
suportou provações que este não conseguiu.
O mundo conhece inteligências
diferentes, condições atléticas diferentes, com corpos diferentes, estéticas
diferentes, por que, em nome da razão (e não da lei que nem sempre tem razão)
se deveria defender que esses tantos diferentes sejam iguais ou tenham
oportunidade iguais?
Infelizmente, ao longo dos
últimos anos têm se voltado ao exercício de uma cultura – ocidental cristã – em
que se busca nivelar os sujeitos “por baixo” (afinal, “os pobres de espírito é
que terão o reino dos céus, os que choram é que serão consolados e os mansos é
que herdarão a terra”). Com isso, parece que querem acabar com as diferenças
exaltando os “sem motivo” ao mesmo tempo em que desacreditam os que teriam no
que se (auto)gloriar. Não se quer subir ao alto a que o outro subiu, mas
esforça-se em trazê-lo ao mais baixo em que está. Até porque, destruir é mais
fácil que conquistar.
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