Depois de quase nove anos, voltei
a assistir ao filme “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Nessa história,
imersos num relacionamento que caminha para um fim melancólico, ambas as
personagens – um após o outro – resolvem se submeter a um procedimento médico
capaz de apagar de suas memórias as lembranças de que estiveram juntos um dia
até que, no meio do procedimento, a personagem Joel (Jim Carrey) se arrepende e
tenta, de dentro de sua mente, evitar que se apaguem totalmente as lembranças daquela
mulher (Kate Winslet) que, ao longo da visitação de suas lembranças, ele
descobriu ainda amar.
Enquanto (re)assistia ao filme,
comecei a refletir sobre como seria se houvesse mesmo a possibilidade de
apagarmos toda e qualquer memória que nos causasse dor e sofrimento. Comecei a
imaginar como seria poder esquecer aquele amor que não foi correspondido, ou a
morte (e a vida) insuportável e insuperável daquela pessoa (ou um bicho) importante.
Como seria a vida se, ao invés de evitarmos lembrar, pudéssemos simplesmente
fazer com que aquele momento cuja consequência só nos causa dor nunca “tivesse acontecido”?
E achei a ideia perturbadora.
Apagar uma lembrança, apagar uma
fase da nossa vida (seja um ano, seja um mês, uma semana ou apenas um encontro)
é como o suicídio de uma parte de nós. No meu caso, seria me matar em partes.
Abrir mão da vida que é minha. Sim, porque mesmo sendo o passado, o passado é o
presente que, realizado, chama-se “EU”. Eu sou a consequência de tudo que vivi,
de tudo que experimentei, de tudo que perdi e de tudo que ganhei. Eu sou a
consequência dos meus êxitos e dos meus fracassos, das minhas conquistas e das
minhas derrotas, dos amores que amei, dos amores que me amaram e até dos vários
amores que amei sem que tivesse sido amado.
Eu também sou a consequência de
quem esteve comigo uma tarde, uma noite, um amanhecer. Sou o que me fizeram
cada um dos encontros, dos desencontros e dos reencontros pelo tempo em que eu
venho sendo esse EU que se transforma a todo instante... até o último instante.
Daí entender que me esquecer de uma parte da minha vida é me esquecer e me
afastar de uma parte de mim. Ora, não posso me querer longe de quem eu seja. O
que posso querer é vir a ser sempre melhor do que jamais serei!
Ora, esquecer a dor se é ela que
nos faz saber que podemos prosseguir apesar dela? Esquecer a tristeza mesmo
quando ela nos faz valorizar o que é ser feliz? Esquecer um amor quando é a soma
da experiência que muitas vezes nos faz saber quais erros cometeremos de novo e
quais não? Não. Nós somos o acúmulo dessa nossa única vida. São nossos dias
somados uns aos outros que nos definem. As escolhas que fizemos nos definem. Os
rompimentos que tivemos coragem de fazer e os rompimentos que fizeram conosco
mesmo quando não queríamos são o que nos definem (e são também o que nos definem
a nossa própria vida para nós).
Uma mente sem lembranças é
semelhante a uma vida sem vida. Ela não serve de nada. Não é útil. É vazia de
sentido e, ainda que possa parecer um campo perfeito para novos sonhos, novas
coragens, novas personalidades, ela acaba sendo uma busca eterna por aquilo que
tentamos deixar de ser só porque não conseguimos nos aceitar.
Então, sou contra esquecer. Não
devemos esquecer nada, mas sim, seguir a despeito do que tenha sido ruim. Se
precisar superar um trauma e uma dor, superaremos e partiremos para a próxima
etapa, consciente de que até pode vir a doer, mas mais consciente de que, se
passamos por uma, passaremos por outra se for preciso. Até que não seja
preciso...
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