Os relacionamentos parecem que
duram cada vez menos. Duram pouco. Os de espírito mais livre, acostumados ao
misto de furor e desestabilidade inquietante que o começo de toda paixão proporciona,
devotos que se tornam do eterno começar de novo, diriam que durou o tempo que
tinha pra durar. Que durou o tempo de ser bom.
Por sua vez, os mais
tradicionais, esses que pensam numa união que se justifica no tempo e nele
encontram sua ratificação, diriam que o mundo está cada vez mais fugaz e que a consequência
disso é frugalidade de tudo, desde relações de emprego até os relacionamentos.
Mas aqui falaremos de amor.
Sem dúvida há milhares de motivos
capazes de encerrar um relacionamento. Muitos, quando começam, carregam a única
perspectiva de se ver o que será. Não há uma intenção além do dia após dia.
Vamos ficando, vamos estando, vamos vivendo; se der deu, se não der, vamos atrás
do que dê. Simples assim. Mas vazio também. E por que não dizer “covarde”?
Só que ao mesmo tempo, há muitos
relacionamentos que parecem estáveis, entre pessoas que parecem se fazer bem e
que, quem olha de fora, diria que até faz sentido que estejam juntos e que, de
repente, enfrenta um processo de desgaste que parece irrefreável, irremediável,
inevitável e súbito. É quando o fim – que ninguém espera – chega!
E por que isso acontece?
Aqui vou tratar de apenas uma das razões.
É o título desse texto: débito e crédito no amor. Sim, porque há muito disso.
Uma das marcas do início da maioria dos relacionamentos é que mostremos o mais
possível do nosso melhor. Quando queremos seduzir, encantar, fazer o outro
enxergar vantagem em estar conosco, temos a tendência de esconder os nossos
defeitos e ressaltarmos as nossas qualidades. A partir daí, criamos uma
expectativa de sermos quem não somos. A pessoa compra a nossa propaganda,
acredita na nossa personagem e, por um tempo que durará o que aguentarmos ou
parece conveniente, seremos refém de quem nos fizemos.
Para corroborar a personagem que
criamos, fazemos renúncias a nós mesmos. Note: quando após a fase da conquista,
ainda assim nos sujeitamos a certas renúncias, num primeiro momento fazemos
motivados pelo que de bom enxergamos na pessoa que está conosco. Só que esse
bom se dá dentro do contexto temporal da “escolha”. Naquele momento há alguma
reciprocidade: abro mão de mim, porque acho no outro o que me completa à sua
forma, dentro de uma necessidade.
Quando o tempo passa e a situação
de renúncia continua, a tendência é que deixemos de nos reconhecer em nós
mesmos. Ora, o movimento da renúncia por mais natural que pareça, é
antinatural. Ao renunciarmos, abrimos mão de sermos nós mesmos e, se não somos
nós, somos estranhos a quem de mais importante: a gente. E é aí que começa a
confusão.
Quando a pessoa passa a
considerar que está deixando de ser ela mesma, começa a achar que faz um
sacrifício em prol do outro e se ela faz um sacrifício, julga que passa a ter
um crédito.
Para que haja crédito, deve se ter um devedor.
Quem é o devedor?
A outra
parte do relacionamento.
Como bom credor, essa pessoa passa
a esperar que seu devedor (marido, esposa, noivo, namorada, etc.), pague voluntariamente
a sua dívida. Então a pessoa fica quieta. Aguarda. Ansiosamente, mas aguarda.
Só que ela passa a contabilizar os juros. “Já são tantos dias e nada”, ela
pensa. O seu descontentamento vai ficando evidente. Tão evidente que, muitas
vezes, ela sequer percebe que, do outro lado, a outra metade dessa relação
também vem se achando credora de débitos que ela não paga.
Como ambos só se pensam credores
e não se veem devedores, não buscam qualquer compensação. Pelo contrário. Vão acentuando
o descontentamento no seu coração, até que a convivência vai ficando cada vez
mais pesada, os ressentimentos vão crescendo, muitos se acentuam, o
distanciamento vai parecendo natural e, quando se veem, além de não se
reconhecerem em si, sentem-se estranhos um para o outro. É quando chega o fim.
Tudo poderia ter se resolvido com
uma só conversa, com um simples diálogo onde os dois quisessem acertar, sem que um queira parecer mais
forte e mais bem resolvido que o outro, porque isso só faz acentuar a
necessidade de “disfarce”.
Acima de tudo, sinceridade quanto ao que quer, quanto
ao que deseja, quantos aos medos e quanto ao que sente falta.
Se você diz pra quem está contigo que não tem
e que você gostaria que tivesse e ela, ainda assim, não faz e, ao mesmo tempo,
ouve dela e, apesar disso, não muda, é hora de resolver e até, aí sim, terminar.
Vocês não querem mais se acertar, mas apenas sujeitar um ao outro a seus
caprichos.
Duas pessoas num relacionamento,
sentindo-se credoras sempre e devedoras nunca, é mais comum do que parece.
Acontece o tempo todo e sempre porque pensam fazer sacrifícios sozinhas e
porque julgam que o outro tem que, inclusive, adivinhar pensamentos.
Daí eu crer que relacionamento
não é sacrifício de um e de outro, mas vontade mútua de que os dois façam dar
certo.
Daí também que eu acredite na importância da conversa e do balanço.
Se temos
que caminhar juntos, precisamos ter certeza que andamos na mesma direção.
Às vezes, um mais lentamente do que o outro, mas se somos dois, um se ajusta ao outro,
mas desde que diga: “preciso de você!” e não que fique esperando que o outro
veja fraco quem, muitas vezes, faz de conta que é forte.
O amor não é 0 a 0 nem 2 a
1, mas deve ser um eterno empate com muitos gols.
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