segunda-feira, 14 de março de 2016

O caminho do Sucesso parte I - Há excelência nas Excelências? Eu acho que não...

“Todo mundo é um gênio. Mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores ele vai gastar toda a sua vida acreditando que ele é estúpido.” (frase atribuída a Albert Einstein)

Não queremos uma vida curta. Logo, ansiamos uma vida longa. Mas seja curta ou seja longa, a vida é vivida um dia de cada vez. E se ela é vivida um dia de cada vez, todo dia é dia de optar, de fazer, de escolher, refletir e refazer. Principalmente de fazer e refazer.
Digo isso porque quero falar do que tem me parecido uma das causas de angústia de muitas pessoas: o caminho do sucesso. Mas aqui eu quero ser um pouco mais específico e falar do que muitos consideram um exemplo de ter sucesso: a aprovação em um concurso público.
Num país economicamente instável como o Brasil, é natural que a maioria das pessoas anseiem a aprovação que lhes garanta a ocupação de um cargo que se não tem os maiores salários (comparados a certos ganhos na iniciativa privada) ao menos dão a segurança de que sempre haverá salário.
Contudo, especialmente no mundo do Direito – mundo em que me vejo inserido de forma mais objetiva – percebo uma grande inversão de valores no que diz respeito às aprovações em concursos públicos: muitos que são aprovados passam a ser tratados – e, consequentemente, passam a se considerar – como gênios da espécie humana, como se essa aprovação tivesse alguma relação com um talento inato da arte do saber. Podemos dizer, inclusive, que a partir do momento em que alguns passam a ser tratados por Excelência, também passam a ser sentir excelentes.
Acontece que nesse mister, eu prefiro me fiar mais (ou apenas) nos profissionais do assunto do que nos protagonistas dessa autoestima “(in)justificadamente” alta em relação aos seus mecenas intelectuais. Não por um acaso, é palestra comum a todos os professores dos cursos preparatórios, a analogia do concurso a uma competição de resistência, segundo a qual aquele que não desistir antes do fim será premiado (ou seja, o concurso é quase uma prova do líder do BBB). Assim, o concurso não tem a ver com o que eu sei, mas com a condição que eu tenho de aprender e apreender o que eu não sei, de modo que o concurso, de ordinário, não tem qualquer relação com a genialidade, mas sim, com as muitas horas de estudo e a boa capacidade de memória para reter o que foi estudado.
Genialidade, por sua vez, está presente naquele que sabe sem que lhe tenham ensinado. É gênio aquele que antes dos 9 anos já compôs uma sinfonia ou aquele que pintou um quadro com cores próprias de sua aquarela. É gênio aquele que viveu até quase 80 anos sem nunca ter saído de sua cidadezinha no interior da Alemanha e, mesmo assim, escreveu tratados sobre ética que mais de 200 anos após a sua morte ainda são referências de uma obra incomparável. É gênio aquele que muda uma vida quando o contato não é consigo, mas com a sua obra.
Então é bom se perceber que o concurso público não faz de ninguém uma excelência, muito embora lhe empreste certos títulos de excelentíssimo. E tampouco o concurso público é a única forma de sucesso, muito embora seja, sim, um exemplo de vitória. Os que o alcançam não são mais bem providos de intelectualidade do que os que se encerram em gabinetes em busca do que evolua a sociedade a que pertencem, tanto ou mais do que aqueles que querem evoluir o patrimônio que detém. E vai-se além: muitas vezes o concurso público é o único recurso que alguém tem e a exceção talvez esteja naqueles que, de boa família, querem ser parte do minsancene ou mesmo gozar o status e prestígio que o cargo – mais que dinheiro – dá. Sem contar alguns poucos a quem aprova servir. Mas mesmo esses precisam de esforço e não de gênio. E gênio não se esforça, faz. Sabe que sabe, mas muitas vezes não sabe como soube.
Ademais, chamar um aprovado de gênio, ofende e minimiza o seu esforço e de certa forma lhe diminui o mérito pela conquista.
É certo que bons salários trazem conforto e possibilidades. Também é certo que sonhos só são possibilidades quando mais que desejo, são projetos de execução viabilizada por escolhas condizentes. E se a vida vai ser longa, é sempre possível aprender mais que memorizar e aprender para além da questiúncula que separa o esforço do talento. Os grandes nomes da história sabiam de tudo e não se limitavam a nada. Mas se é sintoma da nossa sociedade, cada vez é mais evidente que o destino de muitos é se comparar com outros e, a cada comparação, tender a se julgar e, ainda pior, se limitar. E isso é triste. E não tem nada de inevitável ou obrigatório.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Relacionamento: cada um na sua mente

É comum se assistir a defesa de um argumento em que no relacionamento um deve fazer o outro feliz. Não raro, esse argumento coloca sobre o outro a responsabilidade de agir de maneira tal que sob sua ação o outro encontre a plena satisfação... só que consigo. E pior: a certa altura, por um se sentir credor do carinho do outro (sobre esse tema, clique aqui), é comum que cruze os braços e espere a ação do outro que, muitas vezes, até está se esforçando, só não está acertando. É comum que um sempre ache que faz mais.
Em minha opinião, o problema está no fato de que ninguém está na cabeça e nem na história de ninguém. Muitas das coisas que o homem ou a mulher desejam têm a ver com o que lhes fora introjetado ao longo da sua existência. Muitas demandas que o eles tenham nessa “batalha de amor” só fazem sentido para ele ou ela porque essas demandas têm a ver com o ser que ele/ela se fez e é justamente por essa razão que nem sempre fazem sentido para o outro do relacionamento que tem a sua história, anseios e crenças diferentes a respeito da vida, do amor, enfim, de tudo.
Assim, se nem sempre o desejo de um faz sentido pro outro, não é certo e nem justo que se exija (ou se espere) que esse outro lute pela felicidade daquele que não é ele, quando é só um que sabe o que tudo o que deseja significa para si. O outro é, no mais das vezes, um eterno ignorante sobre tudo o que não lhe é passado.
É por isso que, no meu entender, quando se fala em relacionamento feliz, ele só pode existir mediante o encontro de duas felicidades e, nesse sentido, defendi, defendo e defenderei o relacionamento como sendo o encontro de várias individualidades, bem satisfeitas em si, em que se abre mão de uma parte da própria individualidade em prol de parte da individualidade do outro. Nunca essa bobagem de dois serem um, mas sim, de dois serem par em busca de uma vida ímpar.

terça-feira, 8 de março de 2016

A Vida dói, mas sobrevivida mata: uma questão de escolha do papel que quer viver

Uma das escolhas que temos que fazer todos os dias de nossa vida diz respeito ao papel que queremos desempenhar na nossa história e, nesse caso, temos duas escolhas possíveis: ou seremos protagonistas ou meros coadjuvantes da nossa existência.
Viver dói. Viver exige. Viver impõe um agir constante em direção a um destino querido, mas incerto. Só que as duas outras opções estão longe de parecerem melhores. Isso porque se não vivemos só nos resta ou morrer ou sobreviver.
Ora, após a morte não resta vida e se não há vida, não há mais nada e, portanto, o pós-morte é o insondável e impalpável que não interessa. Agora, sobreviver é muito mais do que se faz e, se viver dói, lutar para se fazer vivo pode ser muito pior.
Quem sobrevive não vive as próprias circunstâncias. Luta contra as forças que lhe açoitam, lhe machucam. Quem sobrevive faz o que resta ser feito e não pode escolher aquilo que fará na sequência. Quem sobrevive não dá as cartas, só recebe e é com elas que tem que jogar, com a certeza única de que a maior chance que tem é de perder. Quem sobrevive não vive, só se mantém vivo.
E aqui entram e se separaram protagonistas e coadjuvantes. Ambos com papeis importantes em toda produção.
O coadjuvante é aquele que escolhe ser adjutor. É aquele que goza a felicidade alheia. Não faz grandes planos para si, mas folga em que os que estão a sua volta sejam completos e contemplados nas aspirações deles. O coadjuvante não se destaca, não marca, não ganha. No máximo empata. O coadjuvante não tem a sensação de ser grande e o prazer de ser o primeiro. Geralmente o coadjuvante não tem, sequer, a vocação para ser o primeiro. A guisa de se mostrar bem resolvido, tende a esconder uma autoestima afligida por tempos de descuido de outrem, uma autoestima flagelada que lhe impede a altivez da cabeça e dos ombros erguidos, em troca de uma postura de quem ri para o chão porque geralmente olha para os pés. O coadjuvante é o que sobrevive. O que rema no sentido da maré e a favor da correnteza, mesmo que o final seja ser engolido por águas bravas que jamais lhe deixarão emergir e que lhe riscarão de uma história que nunca teve.
Diferente do protagonista. O protagonista vive. O protagonista não se basta no que lhe é dado, mas toma para si o que se tem imaginado. O protagonista não vive um relacionamento de conveniência e nem se nega desejos em nome de alguma pseudomoral. O protagonista não deixa de fazer porque deixar de fazer lhe custa a vida que sempre lhe urge. Ele não tem medo do erro e nem da dor. E nem da morte. A morte lhe dá pena porque a morte de alguém como ele soa desperdício. O protagonista enfrenta, rebela-se, insurge-se, cerra os punhos e os dentes, não para, não cansa, não desiste porque sabe que tudo o que quer depende de tudo o que faz. O protagonista não tem medo do preço, ele paga o preço. Não tem medo do futuro: ele encara o presente sabendo onde quer chegar e por isso vai. O protagonista chega ao topo porque pra ele, o topo é só mais um degrau onde ele tem que chegar e, pra isso, ele faz o que tem que fazer. O protagonista não se basta em ter que ser. O protagonista é.
Em tudo isso, o ser ou não ser da existência é a escolha primeira de quem anseia viver.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Sempre à vida (já que há tempo quando há vida)

O livro que não leu, o filme que não viu, o amor que não declarou, a matéria que não aprendeu, a viagem que não fez, o amigo que não conheceu ou a paixão que não viveu. E daí? Eles estão logo ali. Ao alcance da tua atitude.
A vida vive para frente e o que não fez tem que ser a história prestes a mudar. Lamentar o que não viveu não vai trazer vida. Não resolve. Só tira mais do precioso tempo de viver.
A vida vive para frente e viver não tem que ser questão de opção, mas de tesão. De encarar o tempo com a gana de quem quer possui-lo mais do que ser possuído. Com olhos de quem sente o gozo perto e possível. Olhos penetrantes de quem aumenta o ritmo quando sente que o que quer lhe chega e não para nem depois de conseguir, porque vive no desejo de sentir e não na folga de quem já se teve sentido.
A vida vive para frente e para frente sempre se tem o que viver. Para frente não importa o que não houve. Importa o que vai ser.  O que se vai fazer. O que se quer... viver.
Olhar para trás é o jeito errado de viver para frente. As escolhas de antes tiveram as circunstâncias de antes. Foram o que tinha que ser, mesmo que hoje pareça que não devessem ter sido o que foram.
Ficarmos bravos com quem fomos no nosso passado não passa de desculpa “mal dita” de quem não quer entender que a responsabilidade com o que será no futuro depende do que faz no único tempo que existe: o agora. Remoer o passado é distração inútil e injusta. Apenas sonhar com o futuro é frustração certa, mas lutar pra que ele chegue contente é um dever mínimo de quem se quer bem.
Se você respira, sonha, deseja e tem forças, tem tudo o que precisa para recuperar o tempo que acha que perdeu. Contudo, seja gentil consigo e entenda que o tempo que passa também é experiência que se acumula. Experiência que também tem que olhar pra frente e que se recuse a repetir passos, mas que trilha seu caminho, consciente de que o ontem não lhe importa e que a vida de hoje é só – e tudo! – o que tem. E basta. É exatamente o que precisa para viver a intensidade de quem, tendo vivido bem, saberá de si tudo, menos que é alguém que por falta de coragem viveu sem escolhas, como se fosse, desde sempre e pra sempre, seu próprio refém (e apesar de tudo o que pode viver no tempo que tem, mas não fez). 

sábado, 30 de janeiro de 2016

E se o tempo do amor corresse pra trás...?

... mais ou menos como o curioso caso do Benjamin Button. Lembra?
Imagina se o final do amor fosse a paixão e não o contrário. Saber que se viveria a beleza de um sentimento terno e maduro até o momento em que tudo fosse intensidade e pele, pele e intensidade.
Até porque – me desculpem os que pensam o contrário – mas me parece que beira o consenso que o melhor momento do relacionamento é aquele de poucos meses desde o início, em que já se conhecem um pouco melhor, se permitem mais e se constrangem menos; aquele momento em que um simples toque dá choque e uma simples ausência faz chamar de volta; aquela fase em que a noite é curta para o desejo que é grande e que se repete num afã que desafia a saúde e que não para e nem quer parar, só continua. A hora em que toda hora é hora é o momento em que o prazer é questão de instante. E isso é começo, é tempo de um tempo em que o amor ainda não teve tempo. Pele é paixão. Paixão é urgência em movimento.
Imagina o desgaste diminuindo até não ser e o cansaço se reduzindo até não ter. Imagina a indiferença acabando e a atenção crescendo, aumentando até se fazer visível aos olhos e palpável ao tato. Imagina não se importar com a novela ou com o futebol. Nem com os outros, nem com ninguém. A vida acontecendo e você sabendo que o resultado de tudo não é o enfado, mas o renovo. Não o novo, mas o mesmo que o tempo só deixou melhor e mais gostoso.
Só que por improvável que é, o que se tem no mundo regido pelas leis da física é a paixão numa metamorfose que se completa ao ser amor. Um amor que faz o costume de estar junto ser o principal ingrediente a servir de motivo para não se estar separado. Um amor que se funde a uma ideia de afeto e de cuidado que aproxima mais o paterno do que o safado, mais o idílico do que o tarado. E isso é bonito, porém é chato.
A paixão como objetivo ajuda no jeito mais descuidado (que não se confunde com o jeito desleixado). Mas ela se ocupa mais de consumir que em preservar. É aquela que aperta, que puxa, que acerta, que arranca, invade e traz pra junto (bem junto). É a que não teme a marca, não teme o gosto, não teme o gozo e é só durante. O antes é prenúncio do que o depois é só o pretexto.
Por outro lado, talvez o amor tenha a ver com uma parcimônia que acompanha a involução física de cada um. Quem sabe ele seja mais condizente com essa calma comum àqueles que aprendem a contar o seu tempo com o tempo que têm. E então passa a fazer sentido que as pessoas procurem esse estado de mais paz e menos ansiedade, mais carinho e menos devassidão, mais afeto e menos solidão (que existe até mesmo acompanhada), crendo que o amor, mais que sentimento, é essa construção capaz de redefinir desde sonhos até valores que se amoldam a um resultado que, no seu início, não se quer menos do que bom.
Qual a melhor ordem pra você? A que leva a um amor tranquilo ou a que chega a uma paixão excitante e contente?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sexo e solidão

Bom. Sexo é bom e (quase) todo mundo gosta. E não é para menos. Há quem diga que mesmo quando é ruim é melhor do que sexo nenhum.
Acontece que apesar das transformações na sociedade, a relação das pessoas com o sexo muitas vezes se mostra conflituosa. Em que pese o sexo corresponder a uma necessidade quase instintual, as muitas regras acabam gerando outras muitas culpas que fazem com que o que deveria ser livre, seja tantas e tantas vezes mais e mais contido.
Mas mesmo assim, queremos sexo! Chego até a desconfiar que as grandes conquistas da humanidade só tiveram uma grande motivação: descolar “aquela” transa.  
Não estou dizendo que é verdade, mas não raro ouço quem diga que o sexo é a grande mola propulsora da sociedade (e nesse contexto não me refiro apenas ao sexo para fins de procriação). As pessoas gostam de se darem e se terem. E que bom que é assim.
Acontece que, invariavelmente, o sexo mexe com a ideia de afeto. E não apenas nas mulheres como os mais machistas podem afirmar. Uma vida sexual, sadia ou não, será responsável por uma mais alta ou mais baixa autoestima. E em tempos em que as relações entre as pessoas são cada vez mais rasas, o sexo vai se tornando em uma ânsia cada vez mais profunda. Resultado: confusão de sentimentos.
Talvez desde a queda do Império Romano, nunca se transou tanto. As “one night stand” estão cada vez mais comuns e o sexo acaba sendo um mecanismo de autopreenchimento (psicológica e não só fisicamente falando, é claro) e, consequentemente, de legitimação para a individualidade. A diversidade de experiências sexuais pode, incorretamente, sugerir uma indiferença com tudo o que não seja eu e, com isso, me fazer crer que fiz a melhor escolha quando optei, exclusivamente, por mim.
E aí está o grande problema. A mim tem me parecido que, não raro, por mais intenso que seja o orgasmo da transa eventual da noite anterior, o instante seguinte faz da pessoa ainda mais vazia e solitária naquilo que está mais recalcado no seu íntimo. Por mais que a pessoa se julgue permissiva e pense que usa o sexo apenas segundo a necessidade de seu corpo, sem necessidade de qualquer conexão emocional com o outro, o confronto consigo mesma tenderá a lhe levar a que se perceba ainda menos preenchida que no instante anterior. Sim, porque sexo, por si só, não passa de mais um ingrediente da próxima sensação de solidão. Talvez ele – o sexo – tenha sido buscado por motivos que mais aprisionam que libertam.
Haverá ainda aqueles que dizem que o sexo é essa necessidade premente e que o dar-se e se receber ajudam a centrar os instintos na medida em que (nele) somos tomados por uma fúria de nos possuirmos com uma vontade que se justifica no tesão e que o gozo é o corpo finalmente gritando a vida que urge viver. Mas o gozo cessa o instinto e encerrado o instinto passamos a ser só a razão descoberta de toda pulsão e posta a mercê de todas as culpas acumuladas pela moral que calamos. É justamente esse instante aquele em que caímos do alto a que nos eleva o auge do prazer mais forte até o buraco da mais fria e completa solidão.
Mas nem por isso deixaremos de provar... 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Frustração é vida. Se a vida vive, ela vive também.

A frustração é um sentimento interessante. É um dos poucos sentimentos de que a gente não pode culpar ninguém. A culpa é exclusivamente nossa, porque somos nós que as criamos a partir de uma construção que leva em conta todos os sonhos que projetamos realizados a partir da existência de alguém.
Mas quando eu falo em culpa, não é no sentido de punir alguém. Pelo contrário. A frustração tem que ser entendida como um sentimento que, se ruim, também é bom. A frustração é a maior prova de coragem de um indivíduo que mesmo não sabendo se haveria um “sim”, não usou temer o “não”. E, no mais, só se frustra quem se permitiu acreditar no sonho que lhe fez feliz.
Sonho em que se é feliz já é parte da felicidade. Não sabermos o amanhã não impede de deseja-lo e se, por qualquer razão, o amanhã for outro, que seja. Logo virão mais amanhãs. E com eles mais dias contentes que trarão sonhos contentes que acontecerão ou não. E depois disso? Mais amanhãs.
Enquanto isso, continuamos sendo a exata medida das nossas verdades e disposição. Nos mantemos postos ao alcance da intenção do que ou de quem pensamos, quisemos e até tentamos, mas que – pelo menos por enquanto – é apenas a ideia ousada e não querida que ainda vai custar sarar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Somos todos Fabíola (e curtimos BBB).

Acredito que a essa altura a grande maioria já ouviu falar no caso extraconjugal de Fabíola com Léo e cujo flagrante fora filmado por um amigo do destemperado marido lá das Minas Gerais. A repercussão do caso me fez notar uma coisa: quando a maioria das pessoas diz que não gosta de Big Brother Brasil por tudo que aparentemente ele representa, elas estão mentindo.
Sim, porque na vida co mo ela se mostra hoje, somos todos Fabíolas e Leós a partir dos olhos alheios. O tempo inteiro julgamos e somos julgados. Expomos nossos pensamentos, nossas angústias, nossas alegrias. Se viajamos todos sabem e dão palpite sobre onde ir e onde não ir, o que fazer ou o que comer. O tempo inteiro nós cuidamos de nos inserirmos nos assuntos privados dos outros. O tempo todo pessoas outras nos dão acesso aos assuntos que bem poderiam ser apenas seus.
É isso: a vida do outro virou o espetáculo de todos. Vivemos em meio a um grande Reality Show em que somos votados para os paredões da falta de empatia, afinidade ou insucesso. E daí as pessoas votam se somos vencedores ou derrotados nessa vida que já não interessa só a um. Nas redes sociais, nos WhatsApps e afins, estamos o tempo inteiro assistindo a diferentes realidades e fazendo da vida do outro – e oferecendo a esse outro – nosso papel mais conveniente em prol da necessária aprovação.
Daí a aparente indiferença da Fabíola. Na maior parte do tempo ela estava calada. Não chorava, não gritava, não pedia desculpas ou se afirmava livre. Apenas calada mexendo os cabelos.
Ao comentar esse fato com uma amiga, concluí - concluímos - que esse ato talvez mostre o quanto ela desprezava o próprio marido antes e até o despreze ainda mais agora (depois do escândalo). Sabe aquela coisa de: “está passando por isso e dando esse espetáculo porque quer”? Afinal, ele saiu investigando e, tendo sabido, ao invés de manter sua dignidade e entender que essas coisas acontecem em todo o tempo e em todo lugar (e muito!), arrumar suas malas e ir viver sua vida, preferiu fazer uma cena deplorável, legando à esposa seu ódio, mas ao (ex)amigo apenas o seu desapontamento.
Quando vejo a reação da Fabíola e a reação do marido traído, concluo que ali ela tenha finalmente  tido a chance de demonstrar todo o desprezo por aquele homem (e por motivos que o vídeo não deixa saber, mas que me parece certo que estão lá). Só que ambos agiram de uma forma tal que parece nítido que a cada um tenha restado a sua própria indignidade: a que ele desprezou nela e a que ela deve ter desprezado nele.
Quanto ao Léo: o cara foi o que manteve a maior dignidade ao longo do tempo. Não falou nada, não se moveu do lugar. Encarou a situação dentro de suas possibilidades e, agora, certamente tende a colher os louros da sua fama repentina. É só se pensar que, a essa altura, mulheres de todos os lugares estão fazendo a pergunta que movimentou as redes sociais ao longo das últimas 48h: ”o que será que esse gordinho tem de tão bom?”, logo ele, o amigo contra quem muitos riem e não dão nada por pensarem que por ser gordo era menos vistoso e, por isso, mais confiável.
Além disso, Léo passa a ser um tipo de símbolo de heterossexualidade. É inclusive por essa razão que suponho que sua esposa (que também é uma parte – oculta – da história) tenha lhe perdoado. Agora ela é casada com esse homem cujo apelo sexual é elevada às alturas na mesma proporção em que despertara a curiosidade. Estar com ele pode ser uma demonstração de força (de amor também) de quem não tem a intenção de deixar para que outras descubram o valor do que ela tem em casa.
Em tempo, é sim estarrecedor como alguém acha normal expor seus problemas num vídeo de YouTube como se tudo tivesse que ser compartilhado e como se a vingança fosse só o que importa. Há família, talvez filhos, uma sorte de pessoas afetadas por um ato infantil feito em represália contra algo que pode ser feio, mas que não é menos corriqueiro. O espetáculo do marido e a violência (física e verbal) desferida contra a esposa, fazem com que em todo o tempo ele seja o grande antagonista da história, porque tudo nele é ridículo e desnecessário. É só mais uma entre várias pessoas traídas e isso não lhe faz pior do que ninguém.
Agora, o cara que filmou e fez toda a entrevista... meu Deus!
Em todo o caso, quando for criticar o BBB ou quando for falar ou comentar a vida de alguém, lembre-se que quem está nas câmeras ainda tem o que ganhar, mas aqui do lado de fora, o que a gente mais faz é perder. E amanhã, a Fabíola de hoje pode, muito bem, ser você. 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

É bom que as certezas acabem

É bom que algumas certezas acabem. As muitas certezas nos travam, impedem que cresçamos, aprendamos. É bom que elas nos deixem, porque seus fins nos deixam livres para que nos reaprendamos e cheguemos a ser aquele que realmente podemos ser, sem o compromisso de continuar sendo aquele que nos acostumamos, mas que não satisfaz.
Claro que o costume é parte importante da nossa vida. À bem da verdade, são poucos os que não se acomodam nas escolhas pretéritas e que, justamente por isso, ousam nas atitudes que pautarão seu futuro. E, quando tentam, fazem para acertar. Sabem da possibilidade do erro, mas mesmo assim se permitem romper com o ontem e começar vários novos amanhãs.
Nosso apego ao caminho percorrido é tantas vezes tão forte que, mesmo não gostando da estrada, continuamos a seguir rumo ao desespero de continuarmos sendo tudo o que não nos agrada.
E por quê? Qual é o nosso compromisso com a insatisfação e com as diferenças que mais aviltam do que completam? Por que continuar esmurrando a fina ponta cortante que machuca e não deixa sarar?
Porque nos acostumamos com a dor. Tudo o que é familiar parece mais seguro. Até o que não faz bem. Porque a dor de hoje uma hora passa e pode ser que dê medo ser feliz daqui a pouco e daí passe a se correr o risco de sofrer de novo outra dor. Então nos bastamos naquilo que nos fez e fazemos de conta que acreditamos que uma hora vai melhorar, mesmo sabendo que no mais das vezes nunca melhora.
Outra possibilidade é a nossa irresignação frente à nossa ausência de controle. Onde já se viu nos conformarmos com as circunstâncias terem mais poder que nós. Devemos domá-las, moldá-las, usá-las ao favor de nossas vontades e jamais admitirmos que as coisas não sejam como queremos se nos é dado condição de lutar.
Nosso grande paradoxo está em nos sabermos insatisfeitos, mas mesmo assim gastarmos nossa energia para nos mantermos no mesmo cenário que enfastia, que suga e que mói e isso só para mostrarmos e provarmos que a palavra final é nossa, que a decisão não nos é imposta nem sugerida, mas só por nós determinada ainda que seja apenas para no final reconhecer o que é óbvio desde sempre: quem luta para continuar perdendo jamais poderá almejar vencer.  

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Adeus.

Está aí. Pra que ficar na angústia de não saber a hora? Ou então, ficar tudo tão pior que eu anseie a hora. Escolhi escolher a hora do meu fim. E pensando bem, qual o propósito de tudo isso? Amar mais amores que não durarão? Viver mais romances em que alguém se machuca? Colecionar mais paixões que, no fim, passam e às vezes nem saudade deixam (apesar de sobrar ressentimento)?
Tentei me dar, não me quiseram. Quando tentaram me dar, fui eu que não quis. Talvez minha hora tenha sido errada. Talvez meu momento tenha passado ou mesmo não chegou. Penso que a minha hora aqui é extra de um ganho que nunca vem. Então eu vou. Vou embora desse mundo a que só encho e que só me enche. Vou-me daqui para onde talvez eu não seja eu, nem mais ninguém. Seja só a hipótese do que não houve, o lamento de quem não sente, a última chance de quem se calou.
Só queria olhos mais gentis, lábios mais gentis, mãos mais gentis, abraços mais gentis. Gente que me visse como a gente que lhes queria diferente. Alguém que fosse mais do que aquilo que qualquer um pudesse ser e que, então, entendessem que sempre estive ali, muitas vezes não sabendo gostar como podia, outras tantas não podendo gostar como sabia. Mas ali. Sempre ali.
O problema é que esse “ali” parecia um único canto em que só cabia eu. Toda vez que olhei em volta só via vazio. E se alguém olhasse para mim não era a mim que via, era através de mim, era como se eu fosse o espelho cuja presença era vil toda vez que não mostrava aquilo que aqueles olhos queriam ver.
Mas agora não precisa mais. Talvez a minha presença fosse tanta que a minha ausência não fosse nada. Mas até ausente me pus só pra descobrir que ninguém notou. Ou se notou, foi só para não se importar.
Se vou deixar saudade? Nem mesmo remorso.
Deve ser porque o resto do mundo anda pra frente enquanto ando em volta da minha própria história, tão atento ao que já foi que esqueci que todo o mundo continua sendo, menos eu. Mas quem disse que ainda quero? Que ainda espero? Que ainda pretendo? Aliás, quanto a pretender, só conjugo em inglês (e nessa mesma grafia).
É isso. Punirei o mundo e não a mim. A mim só anteciparei o que desde sempre já seria. E se não sei, nem saberei, agora, ao mesmo tempo – e desde já –, imagino o instante em que, já em paz, terei uma parte do mundo ocupada de buscar na memória os momentos em que lhes fui bom sem que tenham sido comigo, em que lhes fiz bem mesmo me legando indiferenças (que fazem mal). Sei que em algum momento, alguém haverá de levantar a voz para cobrar a minha desventura de ter sido cercado de vazios que vinham da insolência de todos aqueles que me requereram sem me prestar qualquer reciprocidade, que me buscaram sem que quisessem ser achados e que à contemplação de quem fui – e jaz! –, olharão os relógios para saber se já fizeram boa figura e já é tempo de ir.
Vão. Sempre foram. Continuem indo... adeus! 

Ouça o texto aqui.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O adeus depois da cura – a história da ingratidão humana

Há uma história presente no Evangelho de que Jesus, com uma palavra, curou 10 leprosos e disse-lhes que se apresentassem limpos perante o sacerdote, sendo que, desses 10, apenas um voltou para lhe agradecer enquanto os outros nove, ingratos, foram viver sua vida.
Mas isso seria mesmo ingratidão?
Acredito que todos nós temos experiências com pessoas que enxergaram na gente algum alento para uma fase em que algo não lhes ia bem, mas que de alguma forma ajudamos a que passassem por aquela fase e se sentissem melhor. E, depois disso, se foram. Voltaram para sua vida sem que ao menos voltassem para agradecer.
Confesso que num raro momento de fé na humanidade fico tentado a crer que a gratidão existe, a sua demonstração é que é rara. Há um capítulo na história de cada pessoa que impede que aquele que passou e fez bem seja alguém estranho às suas memórias ou ao seu afeto. Acontece que se Jesus poderia sondar corações e saber onde havia soberba, ganância, bem ou gratidão, o mesmo não pode ser dito sobre nós. Um obrigado, uma lembrança, uma demonstração de que a vida segue em frente, mas se carrega do bom afeto merecido sempre fará bem.
Em tempos em que as pessoas são cada vez mais individualistas, cheias de si e preocupadas consigo, é causa de alento àquele que quis bem receber a ligação que só quer perguntar “oi, tudo bem?”, ou a visita que só quis mostrar que a importância está em quem é e não no que faz. Ainda que, em muito, pelo que já fez.
Mas ao mesmo tempo a ânsia pela felicidade leva como que nos ocupemos de sentir o que nos agrada e de olharmos só para o instante em que estamos contentes. Se estamos bem só olhamos para frente, não precisamos de ninguém, nada nos falta porque nos completamos com esse contentamento que acolhe a novidade excitante e esquece daquele “amigo” outrora constante. Só olhamos pro lado se precisamos de alguém e só olhamos para trás quando o socorro é urgente e a dor é tanta que desnubla as vistas e faz lembrar aquele alguém.
Às vezes damos sorte de ainda haver (vida, afeto, paciência). Pedimos a volta, pedimos por bem. Mas egoístas nem percebemos que enquanto felizes foi ele que ficou sozinho no exato momento em que foi ele que precisou de alguém.
“Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem”.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Se eu velasse meus pais...

A morte é o tema que mais me fascina e, ao mesmo tempo, o que mais me aterroriza. Não que eu tenha medo de minha própria morte. Dela tenho mais curiosidade (ainda que sem maiores ansiedades). Mas o medo da notícia que me contará que o meu tempo com quem amo acabou porque aquela pessoa morreu, esse me acompanha a cada segundo.
Dia de Finados é dia de pensar na morte. Pelo menos para mim que vivo acompanhado dela o tempo inteiro em que me ocorre de lhe pensar. E não porque eu reze pelos mortos (a bem da verdade, nos últimos tempos não tenho feito nem por mim ou pelos outros vivos, nem por quem quer que seja). Só sou alguém para quem é inevitável pensar na morte que de um jeito ou de outro, sempre vai chegar.
Nessa época me recordo da frase atribuída a Anne Frank que, em seu diário, teria escrito que “os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão”. E talvez seja disso que o dia de finados venha se tratando: remorso.
É então que me vem à mente a terrível imagem de um futuro velório de meus pais (que torço para que muito distante) – se é que será antes do meu.
Quantos remorsos será que eu carregaria?
Quantas vezes as razões que foram deles e não minha me voltariam e assombrariam e, das várias vezes em que certos eram eles, mas mesmo assim, no alto de uma soberba estúpida de uma vida medíocre e mais estúpida ainda, fui mais fiel aos meus erros que aos cuidados seus ?
Quantas vezes eu quererei ter-lhes dito: “eu vi que te deixei triste, mas não quis me desculpar”?
Quantas vezes eu quererei voltar o tempo para quando quiseram me dar um conselho e, impaciente, dei a entender que sua opinião me exasperava, me cansava e que eu já sabia o que deveria fazer, mesmo sabendo que tudo o que eles queriam era mostrar, com seu jeito de se preocupar, só queriam o melhor para mim?
Quantas vezes eu quererei voltar o tempo para aquele dia em que todos juntos nos calamos? E quererei a voz que agora é calada para sempre e jamais me dará qualquer opinião.
Se eu velasse meus pais sem que eles soubessem que cada tristeza que lhes fiz passar me dói e que cada angústia a que lhes submeti me mata, que terrível seria.
Se eu olhasse seus féretros pensando nos “eu te amos” que faltaram, nos “obrigados” que calei, na gratidão que devo ter pra sempre, mas que faltei e no carinho que os olhos e os lábios não deram, que vida seria essa que desde há muito eu já perdi?
É estranho quando a gente olha pra gente e vê que somos sempre prontos a sermos mais duros com quem está mais pronto a nos manter com seu amor. E é mais estranho quando pensamos que gritamos e cobramos mais de quem vai nos fazer mais falta se um dia nos faltar.
E são para esses mesmos que parece que mais custa o carinho desinteressado de quem só quer fazer saber: “a minha vida seria muito mais triste sem a presença de você”.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O passado que estamos construindo

Há certa ingenuidade naquele que se pensa livre do próprio passado.
Não raro é possível que nos deparemos com pessoas que em lances de autoafirmação, invocam sua condição de quem não olha para trás, só olha para frente porque o que interessa é o que está por se viver e não o que já se viveu. Há até uma frase bastante comum de se ver repetida nas redes sociais, que insta as pessoas a que parem de olhar para trás porque elas já sabem onde estiveram e o que importa é saber para onde se vai. Mas é fácil assim? Somos livres em relação ao nosso passado?
Creio que não. O nosso passado é a bagagem mais pesada a que somos obrigados a carregar. É como se fôssemos um Sísifo que não vê a rocha rolar ou um Atlas que, sobre os ombros, tem todo o nosso mundo cada vez mais pesado por todas as muitas escolhas e ainda mais pesado por todas as outras renúncias que nos assombram com todas as possibilidades não realizadas e com todo o tempo que não vai mais voltar.
A vida que poderia ter sido, a vida que deveria ter sido, a vida que talvez nem tivesse sido, mas que acreditamos que seria, são todos espectros passados que assombram o presente. Todos os nossos “hoje” são a consequência inevitável de tudo o que se viveu ou não, se experimentou ou não, se escolheu (porque não escolher também é escolha).
O passado, o presente e o futuro são sempre presente. Quando eu olho para o passado eu não revivo o instante da escolha ou da renúncia. Eu vivo o presente em que o passado me assombra. Quando eu sonho o futuro, eu não vivo o instante em que se acontece o que me sonho, eu vivo o presente em que o futuro parece o que é bom. Assim, tudo o que eu vivo é o presente, o presente que ao mesmo tempo constrói o futuro e o passado de amanhã.
Quando sentimos a dor do presente de que o passado inglório é causa, precisamos mudar. Quando sabemos que o ontem dói no hoje, é imperioso que olhemos para trás e, desde hoje, curemos o nosso amanhã. Se a vida vive para frente – e ela vive só para frente – precisamos da consciência de que todo o tempo que temos é o “quando de agora” e que a única forma de, amanhã, olhar sem dor para o hoje que será ontem, é estabelecer o compromisso de estar mais que possível no comando de cada instante a partir de agora, mudando o que está errado e tudo o que não deu certo, reconciliando com nossos sonhos, anseios e com tudo que somos nós, a fim de, honestos com a vida que nos queremos, alcancemos um amanhã cujo ontem nos absolva mais do que nos condene.
O ontem já começou hoje e é ele que nos cobraremos amanhã.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O problema da vida real

Portas fechadas, luzes apagadas, cama vazia, escuro. A cena proposta é um vazio total a exceção de você. Não há o que ou quem te distraia e, ante a ausência de todos, tudo o que te resta é você. Toda a tua companhia é só você e a única proposta de escuta é o barulho que fazem os teus pensamentos. Você está por sua própria conta e o que pode ser da tua conta é só o tudo e o nada de você.
Não, não é sempre e nem para sempre. Mas nesse instante, o convite é para que você descuide do mundo e se concentre somente em você, da tua vida, das tuas escolhas e das consequências de cada uma das tuas escolhas. Isso te aflige ou você faz com prazer?
Vivemos tempos em que, não raro, as pessoas têm evitado se confrontarem com a vida que vivem. A vida que vivemos cada vez satisfaz menos e cada vez incomoda mais. Ao mesmo tempo em que convivemos com pessoas que gritam uma felicidade na busca de se convencerem felizes, não é forçoso que nos “surpreendamos” com o soçobrar de uma vida que desistiu, que se entregou e que morreu.
Os apontamentos que nos dão notícia do alto índice de pessoas que apresentam quadros depressivos – pessoas a quem dói viver – também não se devem a simples acasos. Mais e mais as pessoas gostam menos de si e, confrontadas com a acusação da felicidade alheia, ressentem a vida que vivem e, mais ainda, a vida que não lograram viver.
E esse é o grande problema da vida real: ela tende afastar da vida que se pensa ideal.
As urgências do dia-a-dia nos solapam. Todo dia precisamos fazer o que precisamos fazer e, cada vez que fazemos o que precisamos, deixamos de fazer o que queremos.           “Escolhas um trabalho que ames e não precisarás trabalhar um dia sequer”, mas se escolher não fosse tão difícil.
O ser humano parece viver de ausências e isso parece normal na medida em que o desejo está na falta. O que se tem é história, mesmo que presente. A vida sonha e deseja mais na exata proporção com que impõe renúncias. Não nos é dado que tenhamos tudo o que queremos e menos ainda que tenhamos além daquilo que temos. A escolha de um pressupõe a renúncia de vários, então sempre que escolhemos perdemos e o que não vivemos continua perfeito na vida que sonhamos. Por sua vez, o sonho não sobrevive à realidade e, feito real, não alcança o ideal.
Quando escolhemos o que sonhamos e ele deixa de ser perfeito para ser real, tudo o mais que era ideal continua no campo do perfeito e continua parecendo bom. Agora, até parecendo melhor. Já esquecemos as circunstâncias que, antes, preferiram o par ao ímpar ou o claro ao escuro. Tudo o que não se quis passa a representar o que deveria ter sido e tudo o que foi parece o erro que se deveria evitar.
Não se trata de ingratidão. Trata-se de ser humano na essência de toda a sua humanidade. Querer não depende do outro, depende da gente. Não depende de ter, mas tem a ver com não bastar. E nada basta. A vida é curta pra tanto desejo e as escolhas são poucas para tanta renúncia. É como foi, é como é e assim é que será.