domingo, 30 de novembro de 2014

Independência ou morte

 "... eu não tenho medo da morte. O que eu tenho é saudade da vida."
Vinícius de Moraes

A única certeza que temos na vida é a de que vamos morrer. A partir disso, há as outras certezas que insistem em ter, mas que ninguém tem direito de ter nenhuma. É por isso que os religiosos, muito embora concordem que todos vamos morrer, também acreditam que teremos outras vidas. Para alguns, outras vida vividas nesse plano aqui, reencarnadas  em busca de alguma auto-justificação. para outros, uma vida a ser gozada numa eternidade modorrenta, onde uma multidão de pessoas repetirá exaustiva e eternamente (?) um mesmo cântico de adoração que não faz tanto sentido assim.
E daí chego em um ponto em que preciso alterar minha afirmação acima. Nós não temos apenas uma certeza. Além do fato de que vamos morrer, também podemos ter a certeza de que temos essa vida que estamos vivendo. E essa vida é certa, qualquer outra é apenas esperança.
E daí nasce a minha grande inquietação. Há um mundaréu de pessoas que parecem ignorar que têm uma vida para viver e então dormem acordadas. 
Dormir acordado é pior do que sonhar acordado. Dorme acordado aquele que tem vontade de fazer, mas não faz porque tem medo. Dorme acordado aquele que tem vontade de terminar, mas não termina porque não sabe como será julgado pelo que decidir. Dorme acordado aquele que tem vontade, mas renuncia por causa de um dogma ou por causa de um Deus. Dorme acordado quem sabe que a vida passa e apenas assiste a vida passar.
Tenho verdadeiro horror a quem não se permite viver os desejos, as vontades, as loucuras, as revoltas. Cada vez mais as pessoas são menos. Cada vez mais as pessoas são de mentira. Não falam o que querem, não pedem o que desejam, não revelam o que sentem. Querem viver sob a segurança de que nada pode dar errado e, por essa razão, não fazem nada a fim de que algo dê certo. Insistem em 0 a 0 (e nem pensam em tentar, pelo menos, o 1 a 1).
Sem contar quem pensa que o mundo está perigoso e, então, o melhor é não sair de casa, não se expor, para que, então, não morra cedo e viva muito. Mas viva muito o que? O tédio de um tempo que passa, mas que não acrescenta?
Quer saber? Morrer é uma merda, mas não viver é pior ainda. E é daí que eu acho que antes não morrer, mas se o oposto for não viver, antes, então, morrer aos 32 como o Cazuza, aos 34 como o Senna, aos 36 como o Renato ou aos 27 como Hendrix, Joplin, Morrison e Winehouse, do que aos 80 como alguém que além de não fazer tudo, também não fez nada.
As pessoas ficam presas às neuroses paternas, maternas, aos medos a que lhes são sujeitados desde cedo, aos dogmas que lhe são impostos desde sempre, regras que não sabem de onde vêm e, quando menos percebem, estão imersos numa depressão que não sabem de onde veio, mas tem a razão óbvia de não se terem vivido, mas apenas lamentado.
Assim não pode. É imperioso que em determinada altura da vida mandemos nossos pais, avós, pastores, padres, compadres, ídolos e heróis, às favas (no bom sentido e com todo o carinho). A receita deles é para eles e não nos pode ser refém. E ainda que possam estar certos, devemos errar com convicção ("errar rude" como diria "o deus da tribo da Polinésia" da Porta dos Fundos clique aqui).
Ora, se inferno existe, ele já começa aqui na terra quando a vida é menos do que deveria e a vontade é mais do que a ousadia. 
Se danação realmente há, ela já se mostra desde quando nos exigem muitos nãos sem que nos deem qualquer sim. 
Se outra vida há, ela não tem que ser melhor do que essa porque essa foi ruim. Ela tem que ser melhor do que essa porque nessa aprendi mais de mim.
Mas eu não sei se há inferno, se há danação, reencarnação ou seja lá o que houver para depois que esse corpo deixar de respirar. Sei que não gosto da ideia de morte e que me é confortável ansiar um futuro eterno em que eu sempre exista, de preferência próximo de uma divindade que em tudo me susterá. 
Sei que tenho essa vida de agora de cujo ônus maior a me desincumbir é fazer viver valer a pena. E não há vida que viva bem se vivida sob o medo de morrer. Morrer não é um problema, é um fato. Deixar de viver é que deixa tudo um saco. Então dance, transe, trance, canse e alcance o infinito que nasce dentro de você. Faça isso tudo só por você que, no fim de tudo, é só quem deve importar pra você. 
O epílogo do texto é de Vinícius. O problema não é deixar de viver depois de ter vivido, o problema é não ter mais tempo pra viver o que nunca teve coragem de se permitir ter vivido.
O prólogo será do Chico Anysio e sua sabedoria de quem entendeu a importância de aproveitar a vida que Deus - segundo, agora, a minha concepção - lhe deu: 
"Eu não tenho medo de morrer, eu tenho pena." 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Cada vez menos diferentes. Cada vez mais desiguais

Os rumos que a sociedade, que o convívio social, vem tomando me preocupam muito. Aparentemente todos têm a forma certa de fazer algo que o outro faz. Só que desses todos, cada um tem a sua e considera errada todas as outras que são diferentes da sua.
Hoje todos são críticos de tudo. Todos entendem de tudo. Todos discursam e pedem mais humanidade, mas ninguém está disposto a enxergar o que é ser humano.


As pessoas, perdidas no orgulho sem razão que sentem de si mesmas, não parecem enxergar a dominação velada a que vêm se sujeitando a partir do momento em que não toleram que o outro tenha seus próprios pensamentos e sua própria forma de encarar a vida e o mundo.
Um ator beija uma mulher que não é sua esposa e o país entra em polvorosa, todos se sentindo aptos a condená-lo, ainda que a própria esposa não tenha tornado pública qualquer intenção sua nesse sentido;
Um Procurador da República reclama da inércia das forças armadas frente ao desolador quadro das políticas no país e é afastado para responder processo administrativo;
Um cientista responsável por um dos maiores acontecimentos dos últimos tempos aparece com uma camisa estampada com várias imagens de mulheres e o mundo - literalmente de todas as partes do mundo - mesmo sem conhecê-lo intimamente já lhe taxa de sexista;
Uma mulher resolve programar a própria morte a fim de evitar um fim sofrido em razão de uma doença terrível e lá está a patrulha pronta pra dizer o quanto ela está errada;
Um jornalista demonstra falta de apreço por determinada região do país e logo chega a turba pronta para linchá-lo como se fosse seu dever abrir a boca só pra falar o que um dado grupo quer ouvir.
O engraçado é que a moda agora é dizer que os juízes não são "Deus". Só que o tempo todos nos colocamos na posição de divindade capaz de saber de tudo sobre tudo e sobre todos. E estamos tão confiantes de que realmente o sabemos, que nos apressamos em apontar, censurar, condenar.
Em todos os cantos, em todos os lugares alguém está procurando um fato qualquer pra transformar em polêmica. Não sei se para desviarem a atenção de si, cada vez mais e mais pessoas apontam para o outro. É sempre o outro quem erra, quem faz ou fala bobagem. Eles - os que falam - não. São sempre morais, sempre éticos, sempre corretos. Só não se sabe segundo a cartilha de quem.
As pessoas estão chatas. O mundo virtual aproximou muita gente que não tem razão pra estar perto e então, cada qual a partir da sua casa, mas pensando conviver com o mundo, acha que entende das pessoas, das gentes, quando já é bem pouco aquilo que entendem de si mesmos.
Aquela história de se colocarem no lugar do outro, de entender suas razões, suas circunstâncias, não existe mais. Estão todos ocupados demais colocando-se em diferentes lugares, se transformando em diferentes pessoas para agradar todos os diferentes grupos e acabam sendo todos, mas não sendo ninguém. E quanto menos somos nós e mais somos o que esperam de nós, menos entenderemos que a última coisa que deveríamos é tentar que sejamos todos iguais...

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Incômodo: uma sociedade que não se permite plural

Ao contrário do que a propaganda insiste em afirmar, ser diferente não tem sido normal. Ser diferente tem sido motivo de escárnio, de indignação, de diferentes injúrias e diferentes formas de discriminação. E não me refiro às diferenças de raça, sexo ou gênero. A diferença que mais vem sendo atacada é a diferença de opinião.
As opiniões nunca pareceram incomodar tanto. Por alguma razão que só o tempo passado explica e o tempo futuro confirmará, vivemos uma época em que as opiniões alheias têm sido ora motivo de acréscimo de autoestima, ora motivo de execração do outro.
Nesses tempos atuais, as pessoas gozam na satisfação de ouvirem pensamentos que se assemelham ao seu ao mesmo tempo em que se encolerizam quando ouvem algo que não são capazes de considerar. Assim, a impressão que se passa é a de que estamos todos sempre armados, sempre preparados para o patrulhamento de pensamentos que não nos dizem respeito. E se nos insurgimos contra nosso “adversário intelectual”, raramente é com um intuito de paz ou de reflexão, mas apenas com uma tentativa (in)consciente de escorraçá-lo pelo simples fato de ter ousado falar.
O silêncio, pouco a pouco, vai tomando conta das pessoas. É cada vez mais raro acharmos quem fale o que pensa ou quem assuma um desgosto, quem confesse pecado ou um preconceito ou até mesmo uma vontade de que tudo seja ao contrário do que é e que a sua vida seja o contrário do que ele mesmo se fez... é cada vez mais improvável que alguém admita um pensamento que seja. A opinião pública “o suicidará”.
De repente o mundo virou uma grande vitrine em que somos o departamento de marketing responsável por convencer o mundo de que somos melhores uns que os outros. Somos pessoas físicas, cidadãos, pagadores de nossos impostos, donos do nosso direito, mas agimos como se fôssemos Pessoa Jurídica, dependente de menos juízo para que alcance uma melhor reputação. A opinião pública passa a ser tão relevante que nos envergonhamos de cada nuança de diferença que nos percebamos.
Mais do que nunca nos queremos a aparência de mais do que todos. Queremos “ser” (mais o certo é “parecer”) os mais devotados à nossa religião, os mais engajados à nossa ideologia, os mais participativos da nossa comunidade. Só que tudo isso só valerá, desde que sejamos reconhecidos como tal.
Como não queremos que vejam nossos defeitos e tememos que não se nos notem as nossas qualidades, corremos a alardear os defeitos alheios, a rebaixar o que é bem visto, menoscabar o que é autêntico, a vilipendiar a quem simplesmente se deixa ser. Logo, somos o primeiro inquisidor da maioria e nosso objetivo é o de que seja menos julgado por eles, julgando-nos a nós mesmos como “o grande maioral”.
Enquanto isso, a sociedade envelhece anos em poucos dias. Não há novo que resista à patrulha que não permite nada e condena tudo. Até há quem pensa, mas prefere calar; há quem queira, mas prefere conter e há tantos que sonham, mas não há coragem pra ousar.
E daí se um gosta do preto, outro gosta do branco, um gosta de mato, outro gosta de asfalto?
E daí se um fotografa o céu, se outro não repara a lua, um ouve música e alguém prefere o silêncio?
Por que o meu jeito tem que ser o jeito do outro? Por que se precisa de música pra dançar, razão pra sorrir e motivo pra chorar? Quem nos deu o direito de censurar, condenar e ridicularizar? Se não há um jeito único de ser, também não há – nem deve haver – um único jeito de pensar.
É... vivemos tudo errado. A semelhança não une, mas separa, justamente porque somos únicos e  não devemos ser iguais. Forçarmos uma igualdade fingida reforçar uma sociedade cada vez mais docente e cada vez mais hipócrita. Quanto mais queremos parecer uns aos outros e pros outros, mais é a distância que nos separa uns dos outros.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Aonde chegaremos? O caminho não parece nada bom.

Os rumos que o Brasil vem tomando me assustam.
Passada a ressaca eleitoral, o que temos visto ao longo da última semana é cada vez mais desalentador. E chego a dizer que duvidava que poderia ser ainda mais desalentador.
Não sei se é verdade que a presidentE, em represália ao fato de a revista  VEJA ter lançado a notícia das denúncias do doleiro Youssef na véspera da eleição, cortou o repasse de verbas referentes à publicidade governamental para a revista em questão.
Não duvido e nem é isso que me preocupa. Eu, por exemplo, não teria problema nenhum em aderir a uma campanha para aumentar o número de assinantes de VEJA só para mostrar para o governo que é um golpe que "não entrou".
O que me assustou foram comentários que li na página do desprezível Paulo Henrique Amorim, responsável por ter divulgado a notícia com "exclusividade".
Na página do dito jornalista, são várias as pessoas que comemoram e aplaudem essa medida, defendendo inclusive, que a mesma medida se estenda à Folha, Estadão, o Globo, SBT e TV Globo. Além de muitos também defenderem que a mídia (a quem eles chamam de "golpista") precisa, sim, ser controlada pelo partido (porque, venhamos e convenhamos, já não tem mais nada a ver com governo).
Mas até chega a parecer que não tem mais jeito e torno a repetir aqui o que já escrevi em outros comentários.
Os eleitores dessa corja comunista que tomou o país de assalto se acham que são tão esclarecidos que pensam que, de fato, estão no controle da democracia e estão contribuindo para que ela aconteça. Como eles são "bem informados" (porque não leem a mídia golpista [?], mas sim as publicações sérias [??] de esquerda), acham que é absurdo alguém considerar a hipótese de que um país "desse tamanho" possa ser comparado aos pequenos países "bolivarianos" para fins de política de dominação ideológica.
Infelizmente, creem piamente que elegeram um governo que promove justiça social porque se preocupa com a dignidade do pobre e ainda se volta contra os grandes conglomerados responsáveis [?????] por 500 anos de segregação do pobre... e isso é o que mais me assusta: a maioria tem assistido tudo se repetir à exata maneira que já ocorreu nos países vizinhos e assiste isso achando tudo normal.
Vamos mal... vamos muito mal.