segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Se você não se mostrasse, quem te veria?

Vivemos uma era de acentuação de carências já tão acentuadas. É cada vez maior o medo de nos descobrirmos (ou nos entendermos) sós. E é quando as redes sociais mostram-se instrumentos aptos tanto para nos sentirmos cercado de muitos, quanto para alimentar essa carência de precisarmos desses tantos.
Sim, porque é fato que estamos hiperconectados e, com isso, na possibilidade de sabermos de tanta gente, ao mesmo tempo em que tanta gente tem essa mesma possibilidade de “ser sabida” por essas e outras várias. É tanta-gente-ao-mesmo-tempo-junta que acaba se sucumbindo à necessidade de requerer atenção a tal ponto de se temer a falta dela.
Ou também não é fato que estamos sempre postando o mesmo que outros postam, cada um ao seu jeito? As mesmas poses, mesmas campanhas, mesmas hashtags, tudo o que nos dá a sensação de pertencimento ao que parece ser maior e mais forte do que nós.
Só que é tanta gente fazendo isso, tantas postagens, tantos stories, tanta satisfação sobre onde está, o que faz, o que come, tantos atestados do quanto se é feliz, que acabamos na impressão de que não se existe fora desse mundo em que todo mundo existe.
Por isso que postamos e, não raro, ficamos ansiosos pelas curtidas, pelos comentários, por todo feedback (positivo) que nos dê a impressão de que não passamos por esse mundo em vão, mas sim, que a nossa presença é reconhecida e que alguém sabe que nós existimos.
Nos mostrarmos, como se faz nas redes e mídias sociais, é uma garantia de sabermos desses olhos postos sobre nós, de nos pensarmos relevantes de alguma forma. É um jeito de garantir uma vitrine capaz de chamar a atenção de quem não passará por onde a gente esteja sem se dar conta de que ali há alguém para se ver.
E é quando nos mostramos mais bonitos e procurando mostrar os nossos melhores talentos, sorrindo nossos melhores sorrisos, dando testemunho de vivermos as melhores vidas, quase como um atestado de que essa vida só aconteceu porque soubemos escolher as melhores escolhas. Garantindo que quem nos veja, veja como queremos ser vistos e pelo quê queremos ser vistos, não importa se somos realmente entendidos ou apenas imaginados.
Mas não seria melhor a certeza da vida real à hipótese da vida ideal?  Será que somos justos conosco? Fazemos bem em aderir a essa nova forma de vida cuja existência mais relevante é a do nosso avatar a do nosso dia-a-dia? Nessa forma de existir em que mais vale ser visto por uma tela do que sentido enquanto presença? Que nos faz duvidar, inclusive, se haverá quem nos queira, nos aceite? Não é cruel nos mostrarmos tanto, muitas vezes porque temos dúvida de que alguém nos veria se não lhes obrigássemos a nos ver? Temos que ser mais do que isso. Nós somos mais do que isso. A vida é, certamente, mais do que isso.
Quando a gente realmente acha que precisa se mostrar para que alguém possa nos ver, nos notar ou nos saber, apenas atestamos vivermos de modo desinteressante. Mas a responsabilidade é toda nossa. Cabe à gente cuidar de viver de tal forma que os olhos nos procurem e nos encontrem e até se sintam atraídos por quem existe sem que precise pedir que lhe percebam.

 Então te pergunto: você precisa mesmo se mostrar para que alguém tenha motivos pra te ver?

sábado, 23 de dezembro de 2017

Viver basta para viver (e deve bastar quando o querer não basta para ter)


Seria o caso de a vida ensinar a não ter? Porque não devo estar sozinho quando me penso dentre aqueles que já desejaram aquilo que não tiveram, mais porque me negaram do que porque não assumi que quis.
Então querer não basta? Ou será que erramos ao nos deixarmos abater pela frustração de não termos alcançado o sonho – ou o desejo – que dependia de mais do que do nosso talento para fazer acontecer? Porque querer não é exatamente poder.
A vida é essa série de circunstâncias vindas de uma série de variáveis (e que trazem outra séria de tantas variáveis, como oportunidade, sagacidade, coragem, ousadia, medo) que podem fazer toda a diferença. É preciso estar pronto, preparado e disposto. Mas nem sempre basta estar pronto, preparado e disposto. Muitas vezes diremos, confessaremos mesmo, pediremos, insistiremos, mas não seremos ouvidos. E a culpa não é nossa. A vida encontra diferentes planos, diferentes quereres em cada pessoa que cruza a história da outra sem que saibamos quem vem para ficar.
Cada uma dessas pessoas traz consigo novas possibilidades de vida, de aprendizado de nós sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos cerca. A cada encontro com a vida e com as pessoas que a vida traz (apenas por assim dizer), nos renovamos em quem somos, ainda que muitas vezes sintamos como se desde sempre fôramos aquele que estamos. E são essas chegadas e as sucessivas partidas que fazem com que tenhamos que entender que a vida vive porque ela não tem outra escolha que não seja viver.
Na medida em que a vida nos surge e vive – e nos aflige! – vamos descobrindo sobre nós, que muitas vezes somos tomados de rompantes e logo nos sabemos desejosos de sermos mais. Algumas vezes mais do que o um que nos cansa, outras mais do que a personagem que desencanta.
E então nos abrimos para essas possibilidades de outras vidas que modificarão a nossa forma de vida. E é o que nos cabe. É o que nos resta. Porque daí, devemos, sim, sair do deserto de nós mesmos para nos expormos à vida que queremos. Não sendo assim, jamais haverá outra vida, mas, a eterna repetição do enfado e da tristeza e de uma melancolia dolorosa. É quando criamos a coragem de nos mostrarmos pra vida – e, se for o caso, pra quem seja o outro que nos comoverá (que “moverá nosso coração”) no sentido cujo destino, mesmo querido, ainda surpreenderá. 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Não existe igualdade. Graças a Deus

É como se vivêssemos tempos em que precisamos eleger vilões que nos façam nos sentir tal qual aos heróis. É a partir de um suposto opróbrio alheio que aproveitamos a chance de afirmarmos que somos os bons moços, os verdadeiramente dotados de bons sentimentos, bem quereres, empatia. Que queremos a felicidade de todos e o respeito à igualdade a que sempre defende(re)mos e pela qual não cansa(re)mos de lutar. É essa gente que depende do diferente ou, de tal igual e omissa, não teria voz para se fazer notar. Aliás, gente bem cansativa que parece nem saber do que fala, mas fala.
Afinal: desde quando somos realmente iguais? E por que seria bom que fôssemos?
Não é novidade para ninguém que a nossa sociedade é vítima do discurso cristão (principalmente esse de que somos filhos de Deus e, portanto, irmãos e, consequentemente, iguais por vocação e herança – divina). A partir dessa influência, buscou-se consagrar essa igualdade nos textos de lei e parece que com alguma razão, afinal, parece justo que pessoas que vivem sob as mesmas obrigações sejam titulares de mesmos direitos (civis).
O problema está em quando esse discurso passa a ser assumido como máscara de muitas pessoas que a ele aderem sem qualquer reflexão, preocupadas, apenas, com não serem vistas como anátemas dentro do círculo social (seja o mais próximo, seja o mais remoto). Ou não é fato que vemos – ouvimos – inúmeras pessoas repetindo discursos de uma igualdade que, por força da natureza, simplesmente não há (não é)? E chega a ser impressionante o quanto se ofendem e se insurgem contra aqueles que se recusam a acreditar que todos são iguais por serem humanos (que é diferente de serem iguais por serem cidadãos). Muitas, inclusive, sentindo-se no direito de ofender e acender a sua ira contra qualquer um que não se ocupe de ser mais um produto dessa pasteurização nociva que não se envergonha de defender que não deve haver diferença entre dois diferentes.
Pergunto: e daí se o negro se acha melhor que o branco ou vice-versa? Se o asiático se considerar mais capaz que o latino ou seus vizinhos hindus; ou se o grego entender que tem mais motivos para se orgulhar de sua história que o judeu? Se um homem quiser achar que é melhor que uma mulher ou se a mulher entender ter razão quando sabe que o homem é suficientemente fraco pra se sujeitar ao que ela quiser? Ora, em nome de quê as pessoas precisam andar de braços dados e corações gratos cantando “kumbaya” como se fossem uma grande família universal? Os fortes não devem ter vergonha de ser forte porque haverá alguém fraco; o bonito não precisa se “enfeiar” para que o feio não se constranja ante a sua ausência (evidente) de seu capital estético. Assim como o inteligente não precisa querer provas fáceis porque outros não conseguirão responder e o resiliente se compadecer do desistente porque suportou provações que este não conseguiu.
O mundo conhece inteligências diferentes, condições atléticas diferentes, com corpos diferentes, estéticas diferentes, por que, em nome da razão (e não da lei que nem sempre tem razão) se deveria defender que esses tantos diferentes sejam iguais ou tenham oportunidade iguais?
Infelizmente, ao longo dos últimos anos têm se voltado ao exercício de uma cultura – ocidental cristã – em que se busca nivelar os sujeitos “por baixo” (afinal, “os pobres de espírito é que terão o reino dos céus, os que choram é que serão consolados e os mansos é que herdarão a terra”). Com isso, parece que querem acabar com as diferenças exaltando os “sem motivo” ao mesmo tempo em que desacreditam os que teriam no que se (auto)gloriar. Não se quer subir ao alto a que o outro subiu, mas esforça-se em trazê-lo ao mais baixo em que está. Até porque, destruir é mais fácil que conquistar.