– É clichê? Sim. Mas realmente,
não é você. Sou eu. Ou talvez seja eu por causa de quem eu descobri que você é.
Pra mim, não faz sentido insistir no que me parece que não tem futuro e o que
eu percebo é que se eu não deixar de gostar de você agora, você vai gostar de
mim, talvez eu até goste de você, até o dia – um breve dia – em que eu terei
que desgostar. Não me olha assim. Você nem precisa entender, só aceita.
– Aceitar? De uma hora pra outra
o que era bom precisa terminar pra que não seja ainda melhor porque parece que
lá na frente vai ter que acabar de qualquer jeito e eu preciso só aceitar?
– Não é só isso, mas se você
quiser pensar assim. Eu só acho que você...
– Você acha que já sabe o que vai
acontecer. Que o que vê é o certo e o que pensa é inevitável. Você pensa em
futuro sem viver todo dia eu penso em todo dia pra fazer um futuro.
– Não tem futuro.
– Mas tem presente e não me
parece que você não gostava do presente que durou até “ontem”. O pior é que uma
parte de mim te via partindo e eu não queria ver que precisava ao menos tentar
que você não fosse. Daí agora eu já corro o risco de você estar bem longe...
– Eu preferia que a conversa
parasse aqui. Não há porque prosseguir se eu sei que não vou mudar de ideia e
se a única certeza que tenho é a de que devo partir da tua vida pra uma vida
que seja minha e só.
– Enquanto isso a minha vontade é
te dizer que já deu, sim. Mas que o que já deu foi o tempo de você perceber que
não tomou a melhor decisão ou que não escolheu os melhores motivos. Mas daí te
ouço como acabei de te ouvir e logo percebo que você já decidiu e como sempre
disse que não é de voltar atrás, me calo já que me parece inútil buscar mais de
você.
– Não há mais nada de mim...
– Mas é que como foi você quem disse
que as iniciativas sempre foram minhas e que só houve o que houve porque a
iniciativa de nós dois foi minha e como eu gostei do que houve e gostei de mim
com você, preciso reconhecer que me sentiria péssimo se não fizesse nada pra
não perder você.
– Para...
– Você me deu tempo – e motivos –
de ensaiar diferentes planos com você...
– Eu sei o que eu disse, eu sei o
que fiz e acho que sinto muito. Me deixei levar por um querer de uma vida que
me quero e quis te encaixar no que agora nem eu sei se realmente quero. Quando
duvidei que você pudesse ser no modelo que sempre quis, deixei de querer te
querer e bloqueei o desejo de gostar de você...
–... Me escuta – e eu nem acho
que vai fazer diferença, mas quero a certeza de que te disse o que tinha pra te
dizer...
– Não apronta...
– Eu queria conseguir te mostrar
que as razões que te convenceram não são as melhores razões e queria que,
então, você mudasse, ficasse e permanecesse comigo.
– Não tem o que mudar...
– Shh... Eu queria que me desse a
chance de realmente me apaixonar e te mostrar que valeria a pena se apaixonar
também. Porque não foi só você que tentou me por na vida que se queria, mas eu
também consegui te ver numa vida que descobri que me quero. Queria te ter
comigo até quando você pudesse gostar até dos defeitos que eu tenho – desses como
todo mundo tem. E daí eu finalmente iria te mostrar que eu posso – porque eu
quero, porque eu já tinha escolhido fazer por onde – ser o melhor do que já
passou na tua vida.
– Você foi um momento bom da
minha vida quando eu nem esperava que houvesse algo bom...
– Eu te escolhi também com a
razão. De repente me vi apostando na ideia de futuro e de família e de vivência
que eu não tinha, mas que um dia você me deu, olhos brilhando e falando de nós
dois. Sim, eu não tinha e foi você que me deu.
– Você acha que eu não sei que
não te ter é fazer com que ninguém entenda como alguém que te tem não quer mais
permanecer. Sei que já há quem me julgue – já tenho amigos que me julgam e nem
tem conhecem – e sei que ainda haverá quem julgará.
– Não deixa de ser bom saber que
há quem fale por mim. Quanto a mim – e por mim –, você apostaria só no agora e
no dia-a-dia, um de cada vez, e não se deixaria levar por um medo de um futuro que
desse errado. E sim, eu acho que parte do teu desânimo é medo. Por mim, você aceitaria que apesar de você ter
definido que o amanhã tem tudo para dar errado, a gente começou bem, do jeito
certo e que vinha sendo bom.
– Você não entende que eu não sou
quem você me pensa? Eu não sou quem você acha que quer. Quem conhece a gente
sabe que a gente não tem por que se entender. Me deixa ir embora. Para de
falar. Essa conversa já durou mais do que precisava e já está fazendo doer o
que já não vale e nem é pra valer. Chega!
– Sim. Chega. Também tenho meus
limites. Também vou até onde consigo me sentir normal, mas a verdade é que já
me sinto pra lá daqueles que são ridículos. Nunca insisti pra que alguém
ficasse comigo e não vai ser agora que quero te vencer por algum cansaço. Se
fosse só questão de querer, lógico que o que eu queria era que tudo isso fosse
bem mais simples e que eu pudesse simplesmente te pegar nos meus braços e te
beijar com meu beijo e que isso fosse suficiente pra te fazer querer me abraçar
com teus braços e me beijar com teu beijo, mas parece que não é bem assim que
funciona. Talvez nos filmes ou no texto de alguém...
– Para. Não tem por que duvidar o
tanto que gosto do teu beijo e do teu abraço. O quanto gostei de ficar com
você. O quanto era diferente o tanto que não te resistia, mas sempre te recebia
pra mais de nós dois. Mas gosto mais de mim e agora quem eu sou não se basta na
vida e na ideia de quem você é.
–Pois quer saber? Já falei bem mais do que eu
planejava. No fim, minha intenção era te fazer saber que te esperaria e que se
voltasse, chegaria e se não viesse eu saberia que você se bastava no que
decidia e pronto: era como já está. Mas agora eu também quero que você vá.
Quero que descubra a felicidade que acha que te haverá e que ela seja o que
você se deseja.
– É difícil acreditar que me
deseja bem quando o tom da tua voz é de quem está mal.
– Não... eu só sou alguém que te
quis pra ser um parceiro que sonhe e te apresente sonhos; que ria e te faça
rir; que goste, saiba gostar e saiba ser gostado; que não se assusta, que pega
na tua mão e te leva ou que pega na tua mão e fica ou simplesmente pega na tua
mão e não solta. Mas agora só quero que você saia da minha vida e de diante de
mim.
(a porta se abre. Um beijo no
rosto de olhos que não se olham)
– Você encontrará alguém que te
mereça...
– Não fale isso. Não preciso de
condescendência. Aí sim seria pior. Que fique o que houve de bom como sinal de
que nem mesmo o que é inusitado – de bom – pode ser suficiente. Apenas vá. E me
deixa com os próximos dias em que me haverá com a vida que me sorrirá com as
novidades que, até há pouco, não eram sequer hipótese.