domingo, 22 de junho de 2014

Uma só mulher guarda em si muitas mulheres e essas muitas mulheres são (todas) a mesma mulher – Vicky Cristina Barcelona

“(...) Eram amigas íntimas desde a faculdade e tinham os mesmos gostos e opiniões sobre muitas questões, mas quando se tratava de amor, seus pontos de vista eram opostos. Vicky não tinha tolerância à dor, nem sede de combate. Tinha os pés no chão e era realista. De um homem ela esperava seriedade e estabilidade. Ficara noiva de Doug porque ele era decente e bem-sucedido e entendia a beleza do compromisso. Por outro lado, Cristina esperava algo bem diferente do amor. Relutantemente, aceitava sofrer como um componente da paixão e se resignava a pôr em risco seus sentimentos. Não saberia dizer o que queria ganhar arriscando suas emoções, mas ela sabia o que não queria, e isso, era aquilo que Vicky mais prezava”.

É com essa narração em off que nos são apresentadas as duas personagens principais do filme “Vicky Cristina Barcelona”.
Vez ou outra eu resolvo escrever sobre algum filme que gosto e esse filme é, seguramente, um dos que mais gosto. O primeiro fato importante sobre esse filme é que ele traz a assinatura de Woody Allen e isso, por si só, já é uma grande coisa. É certo que esse filme já não pode ser considerado um filme recente, ele data de 2008. Mas na noite passada, após assisti-lo pela quarta ou quinta vez e, ao amanhecer, tendo comentado sobre ele, me ocorreu a vontade de vir escrever um pouco sobre.
A razão dessa vontade foi uma percepção de que Cristina e Vicky, na verdade, são a mesma mulher que dá vida às suas diferentes personalidades, cada qual sendo o equivalente ao id e ao ego, respectivamente, à sua outra metade. E se a intenção foi essa, o filme é – no meu entender – ainda mais genial.
Talvez uma das questões mais desafiadoras da humanidade desde seus tempos mais remotos seja: “afinal, o que querem as mulheres?”. Quanto mais se pensa a respeito, mais distante parece que se fica de uma resposta que seja minimamente correta. Tanto assim que a maioria dos homens desiste de saber o que as mulheres querem para se bastarem com a sua realidade de que eles querem as mulheres, sem que se importem em se importar sobre o que elas querem. Mas eu não consigo não me importar com a mulher e com o que lhe diz respeito, não me restando alternativa outra senão pensar, pensar e mais pensar.
E então eu volto ao filme. A mim me parece que Allen foi genial quando nos mostra que nem mesmo as mulheres estão muito certas do que querem e que, não diferente dos homens, são produtos (ou vítimas ou protagonistas) de sua própria circunstância e é por isso que a mesma mulher ama mais a um e é mais amada por outro, sendo diferentes mulheres para seus diferentes homens mesmo sendo uma só. O corpo da mulher esconde muitas almas e muitas mulheres que se revezam em ser quem lhes parece apropriado conforme aquilo que lhes move e comove.  E é aí que vejo Vicky e Cristina como a personificação das diferentes personalidades de uma mesma mulher e que ganha em complexidade quando, sendo a outra, precisam conviver não só com o que veem de si mesma vivendo no corpo da outra, como, ainda, a personificação de suas consciências futuras nas demais personagens do filme que, mais velhas e mais experimentadas na vida, não conseguem mais disfarçar a frustração de serem a principal falha da vida que se desejaram.
Vicky é a parte da mulher que sabe o que quer, que sabe que quer uma vida estável, com um companheiro que a ame e a admire e que lhe escute antes de decidir. Quer a casa no subúrbio sem a preocupação se haverá o dinheiro para a hipoteca. Quer a liberdade para cursar seus cursos, para decorar sua sala, educar os filhos que serão a consequência da vida perfeita que se imagina e tudo isso mesmo que à custa de jamais experimentar um êxtase capaz de justificar cada escolha dessa mais pela emoção do que pela razão. Não se importa se o marido não é o melhor amante, nem o mais ousado ou divertido. O que lhe importa é que ele esteja lá, como uma peça importante de um tabuleiro que ela armou para não perder (ainda que não aspire ganhar).
Cristina não. Cristina é a parte da mulher que espera é que sonha com o que lhe arrebate. Aquela mulher que não acha tão absurdo esperar que um príncipe chegue num cavalo (ou numa limusine), lhe beijará o beijo que lhe retirará o chão e fará amor com a volúpia de um deus grego que desce do Olimpo para adorar uma mortal e premiá-la com a sua poderosa semente que faz nascer uma vida diferente de tudo que se conhece no mundo, numa exclusividade que ela não pede, mas numa intensidade que lhe permita julgar sem qualquer outra igual. Cristina sabe que não quer o mais ou menos, que não quer o previsível, que não quer o que todos acham que ela deveria querer para ser feliz, mas sim, que ela quer sempre mais e mais e mais.
E tudo isso fica perfeitamente perceptível quando surge a personagem Juan Antonio, uma artista plástico que demonstra interesse em ambas (ao ponto de, no primeiro encontro com as duas, convidá-las a que se juntem a ele em sua cama). Quando Juan Antonio surge na história há a perfeita fusão nas duas personagens e elas nos mostram que devidamente estimulada, a mulher muda quem é por aquele que lhe pareça merecedor de que ela seja o que, muitas vezes, nem ela se sabia capaz. Aquela que era noiva e amava o noivo e o pacote oferecido por ele, parecendo sempre incapaz de qualquer ato irracional, entrega-se ao misterioso sedutor que não lhe oferece nada além daquela noite que não se repetirá e que não merecerá nem uma ligação nos próximos dias. Já a outra que aceita o que a vida lhe oferece, mais e mais, no convívio com aquele mesmo homem, vai se mostrando inclinada a rever suas vontades e, quando menos espera, já vive com ele como se fossem um casal que vive a estabilidade de um casamento só balançado e atrapalhado com a chegada abrupta de uma ex-mulher muito mais passional que aquelas duas que na verdade eram uma: Maria Elena.
Maria Elena seria uma capítulo à parte do que seja ser mulher. Maria Elena é toda estímulo, é toda intensa, é toda querer aproveitar cada segundo como se fosse o último porque, pra ela, cada segundo pode ser o último. Maria Elena é a mulher que pisa no homem que ama, mas que depois rasteja seu perdão; Maria Elena é a mulher que fere e que goza em ser ferida; é a mulher que se doa sem pedir que haja uma troca, até que, de repente, quebra a casa porque precisa ser vista por quem acha que a esqueceu. Maria Elena é uma paixão furiosa e louca, como loucas são muitas mulheres que apaixonadas só não perdem a razão porque ela há muito lhes deixou.
Há, ainda, a personagem de Judy, talvez o principal alter ego do alter ego de Vicky. Surpreendida por Vicky beijando o sócio de seu marido, ela a procura e faz sua dolorida revelação: “amo meu marido, mas não sou mais apaixonada por ele há muito tempo” e, assim, sente-se como a mulher que julga que – qual a mãe que deixa de comer seu último pedaço de pão para que morra no lugar do filho – na sua renúncia de si mesma espia seus pecados ao manter o laço matrimonial, mas para tanto, perfuma seu corpo com o perfume do adultério ao imaginar que, assim, disfarça os sinais do apodrecimento de si.
Ah... como não ser tomado por uma certeza de que as mulheres são a mais pura expressão da incerteza? Não como se querer definir a mulher como uma só mulher, ela é várias. Tantas que nem ela sabe. Mas, pergunte pra sua ou pra outra o que ela quer e ela já quis e ela te dará uma resposta e te esconderá várias outras, porque dentro dela há várias mulheres se querendo feliz e muitas delas (quase todas) não são pra você, mas para outro. E é isso que ela não diz. O homem se angustia porque quer um controle que não tem, nem pode ter. Sua mulher que lhe ama hoje pode esconder um outro amor mais forte, mas que ficou pra trás no instante em que ela escolheu dar espaço pra uma outra (dela) ser amada e amar. Ficou pra trás, mas não morreu. Apenas dorme no esconderijo de todas as mulheres que vivem dentro da sua mulher. Misteriosa mulher...
Enquanto isso, a roda da vida gira e essas mulheres (que no fundo são as mesmas mulheres) na distância desse homem que se reveza entre ser a constante e a inconstante de cada uma, vão voltando ao normal. Vicky, apaixonada por seu artista, casa e permanece casada com seu noivo tedioso. Cristina, exasperada de seu artista, segue sozinha em rumo a tudo que não seja o que ela não quer e, todas elas – sendo a mesma – vão em busca da próxima emoção que lhes mostre a delícia de ser mais de uma mesma mulher... 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Parabéns, FHC... 83 anos

Hoje o maior presidente que o Brasil já teve completou 83 anos de vida. Em seus 08 anos de governo, Fernando Henrique Cardoso estabeleceu as diretrizes de governo que pautaram e possibilitaram as iniciativas econômicas que deram certo no Brasil. 
Em que pese o "acartilhamento" a que o atual governo tenta submeter a grande parte dos seus incautos seguidores, sempre preparados para repetir sua doutrinação sem qualquer valoração crítica, mas com a raiva dos que tentam convencer com o grito, FHC não diminuiu as riquezas do Brasil. Antes, preparou o Brasil - viciado por séculos de descaso e mau uso da res pública - para os desafios do tempo vindouro ao seu. Seja na telefonia, na exploração dos recursos minerais ou mesmo no transporte, continuássemos reféns do sistema vigente, estaríamos muito mais atrás no desenvolvimento que nos falta.
Isso tudo sem falar no controle da inflação, ainda que a um grande custo pro país e pra sua popularidade. Pai e fiador do Real quando ministro, FHC enfrentou desafios e adversidade globais que macularam os últimos meses de seu governo, mas sem nunca sair do posto de estadista e de grande defensor da república e das suas instituições.
Cumprido seu papel, viu-se gratuita e moralmente perseguido pelo sucessor revanchista e delirante, mas sempre soube honrar o país.
O tempo, maior juiz da história e senhor de toda razão, vem fazendo sua justiça a ele e nós, que colhemos o fruto de sua coragem e disposição, o saudamos e nos congratulamos. Longa vida e que volte ao cenário, colaborando no despejo desses que apenas apequenam e destroem o Brasil...

terça-feira, 17 de junho de 2014

Segundo jogo da Copa-2014: que bom que não precisa gostar

Mais um péssimo jogo do Brasil (que vem jogando mal desde o fim da Copa das Confederações - aliás, como ocorreu com o time dos amigos do Dunga). E, pelo jeito, acabou a lua-de-mel da torcida com a seleção. Se é que houve. Pelo tanto que a mídia andou forçando essa copa goela à baixo do povo brasileiro, é pouca a empolgação e a confiança nesse time que tem mostrado pouco brilho, pouca vontade e um excesso de afrescalhamento.
Há anos o México vem mostrando que o escrete brasileiro não põe medo em ninguém e que basta que um time se disponha a jogar de igual, sem se apequenar, recuar ou tentar evitar uma derrota que, o Brasil simplesmente não joga. Como não jogou. Tirante um cabeceio daquele rapaz que tomou conta do noticiário por conta da mudança na cor do cabelo e um outro cabeceio do capitão do time, o Brasil foi completamente dominado por um México que não só destruía, mas sempre levava perigo à meta do goleiro do time do Canadá que disputa o acirrado campeonato norte-americano.
Passaram a semana inteira falando que um jogadorzinho mudou o cabelo. Qual a relevância? Isso fez jogar melhor? Não, pelo contrário. A bola parece que queima no pé do rapaz que, muito embora diga que não quer ser o melhor do mundo, mas sim ser campeão, não tem tocado, não tem marcado e parece querer resolver sempre sozinho.
Neymar ainda é um bom jogador que talvez um dia venha a ser craque, mas não é o dono do time. Precisa jogar em grupo e pelo grupo. Ninguém passa pro Fred e só quem tem chamado a responsabilidade é o David Luiz e o Luiz Gustavo. O resto, mal, mal, mal...
E outra, vai ficar difícil se for pra jogador ficar chorando toda hora que tocar o hino nacional.
Um técnico cada vez mais neurastênico, dado a coicear jornalistas que contestam suas escolhas mas, principalmente, suas teimosias. Que vêm ao público lhe pedir que apoie incondicionalmente o Brasil, porque os jogadores precisam se sentir queridos pela torcida, mas que se recusa a dar explicações, recusa-se a ao menos ajudar que se entenda porque a bola não chega ao atacante, porque os volantes não conseguem chegar tocando a bola com qualidade ou porque os laterais nem apoiam e nem defendem.
Que bom que ainda não obrigaram a gente a gostar da seleção brasileira, porque tá difícil gostar desse time do Felipão (ou do Neymar).

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Tantos eus calados (ou a dor de morrer sem ser ou viver)

Olhos insones, no escuro, abertos, procuram o céu
Vêem apenas o teto em que não há vida ou luz.
Janelas fechadas, cortinas fechadas, portas fechadas
A alma também... e calada.
Sou meu próprio túmulo encerrado em meu túmulo que, com espaço, protege o mundo de mim.
A um só tempo (ou são todos os tempos?), dentro de um espaço menor que a dor de se ser
Morrem-me - morro-me! - aos poucos nas vidas que ousaram sentir diferente,
Ousaram querer, ousaram sonhar,
Mas precisam morrer, embora resistam e peçam "viver"!

Vivo! - mas dentro do túmulo que sou
Dentro da tumba que guarda o túmulo que me encerra
Dentro desse espaço que me abriga e que eu abrigo,
Que eu mostro, mas que me esconde e me tem
Mas que me esquece e me tranca (me tranco)
Passa, corre, descobre e gosta do que já não vai mais lembrar
E que será outro eu, talvez até com meu nome, outro homem destinado a não ser
Apenas se ser...
Só ser até deixar de ser sem nuca ter sido e partir e perder
Dentro do túmulo que é e abriga, que esconde e encerra
Mais um hospede futuro do mundo que é meu mundo
Em meio de um mundo indiferente à tantas faltas de tantos "eus"...


(madrugada de 16/06/2014 - 4 a.m.)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Primeiro Jogo da Copa: e aquela história de “homem cordial”?


“Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa, fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal.”

Assim, Sérgio Buarque de Holanda começa o trecho em que cunhou a expressão que lhe fez mais famoso, até que passasse de festejado autor de “Raízes do Brasil” a “pai de Chico Buarque de Holanda”, como ele mesmo, Sérgio, assumiu. O brasileiro seria o “homem cordial”.
O início dessa Copa do Mundo mostrou totalmente o contrário. Ao contrário do que possa parecer, não torço contra a Seleção Brasileira, apenas não consigo me empolgar enquanto torcedor de futebol. Claro que ficarei feliz em ver a exaltação do meu país, mas preferiria – sem hipocrisia – vê-lo se destacando em educação, cultura, saúde... Como acredito que 99% dos brasileiros, assisti a primeira partida da Copa do Mundo. Um jogo feio, truncado, nervoso e que contou com um erro decisivo da arbitragem marcando um pênalti que não existiu. De positivo, só o momento do hino nacional, mostrando uma união de brasileiros que, infelizmente, nem sempre é pro bem.
Futebol à parte, o momento que mais me incomodou foi a vaia da torcida brasileira para o time croata. E daí a gente vê que, pelo menos nessa geração atual de brasileiros, se há algo que não se pode dizer de nós, é que sejamos cordiais. No papel de país anfitrião, o mínimo que a torcida deveria fazer era aplaudir o time croata de modo a que se sentissem bem-vindos ao nosso país para disputar uma partida de futebol e não uma guerra. Mas cadê a hospitalidade. O curioso é que o próprio autor, a certa altura, afirma nesse mesmo livro “Raízes do Brasil”.
“Seria engano supor que essas virtudes possam significar ‘boas maneiras’, civilidade. São antes de tudo, expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante.”
Dentro desse jeito emotivo de ser, o brasileiro é desrespeitoso. E não adianta falar que estou generalizando se, no momento da vaia, foram mais de 60 mil pessoas vaiando. Eu continuo insistindo que o grande problema do Brasil são os brasileiros (basta ver que um brasileiro quebrou o dedo de um argentino que se recusou a soltar a bandeira de seu país) e quando eles – brasileiros – estão em grupo, ou é festa ou é balbúrdia, mais balbúrdia do que festa.
Sérgio Buarque de Holanda ainda disse que:
“No ‘homem cordial’, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro – como bom americano – ter a ser a que mais importa. “
Vencer um jogo de Copa do Mundo sendo “ajudado” pelo juiz, é lamentável e se exaltaria o time e a sua comissão técnica se, ao invés de cinicamente dizerem que viram pênalti, que viram falta no goleiro quando não houve, que a arbitragem foi boa, reconhecessem que houve o erro, que não foi pênalti. Mas não. O brasileiro é o tipo que diz que ganhar roubado é mais gostoso ao invés de aproveitar pra gritar para o mundo que se o brasileiro vai às ruas cobrar o fim da corrupção é porque ele não transaciona com o erro, ele execra e acusa o erro e o mal feito, porque prefere as coisas limpas. Mas não é bem assim...
Xingam a presidente a plenos pulmões para o mundo inteiro ouvir. E não importa as divergências que se tenha com ela ou com o partido e governo que representa: ali era a instituição presidência da república que se encontrava e deveria ser reverenciada pelo povo. Não a Dilma Vana Roussef, mas a representante maior do Estado brasileiro.
O jogo foi ruim, mas a torcida foi pior.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O sexo da Xuxa e o seu (ou nada melhor do que se assumir quem é)

É isso! No último sábado no programa "Altas Horas" a Xuxa finalmente se manifestou a respeito do filme "Amor Estranho Amor (1982)" de Walter Hugo Khouri, estrelado por Vera Fischer, Tarcísio Meira, Mauro Mendonça, Íris Bruzzi, Matilde Mastrangi e com uma participação dela em seu primeiro filme. 
Pelo que consta do enredo do filme, cujas cópias (quase todas) Xuxa consegue manter em seu poder, em fins da década de 1930, um menino de 13 anos é abandonado às portas de um prostíbulo onde sua mãe atende. Nesse prostíbulo, passa a conviver com diferentes garotas de programa, inclusive com uma jovem de 15 anos (Xuxa) que teve sua falsa virgindade leiloada. Em represália à forma como foi tratada pela mãe do garota, a personagem de Xuxa, resolve seduzi-lo em sua tenra idade. 
Penso que talvez a Xuxa tenha demorado até demais para se manifestar sobre esse filme que ela conseguiu até proibir de ser veiculado e, certamente, teve suas razões de fazê-lo. Contudo, condená-la por uma cena feita há 32 anos atrás, quando ela tinha 18 anos e interpretava uma garota de 15, é querer fazer fama na fama alheia. 
O deputado pastor que tentou lhe ofender na Câmara foi ridículo. E isso para manter o nível de respeito. 
Qual o erro da Xuxa? Ela não abusou de um menor, ela interpretou uma personagem num filme no qual ela nem era a personagem principal e filme esse que, todos que assistiram - eu só vi a cena em questão - dizem que é muito bom..
Claro que há aqueles que demonizam o sexo, que acham que erotizar a vida quando se lhe mostra como ela é e a pornografia são a mesma coisa. Nada mais absurdo.
"-Ahhh, mas ela até pousou nua..."
A nudez está presente desde o Éden (para aqueles que acreditam nele), pelo menos enquanto mito. A nudez é festejada como a perfeição, mas não a perfeição estética, e sim, a perfeição do espírito livre das amarras impostas pelos que não entendem que a vida é viver. A nudez é a natureza e as duas juntas, são Deus. Ou não? Quem mandou cobrir a nudez? Quem determinou que o corpo que nos mostra fosse o oculto de todo o mais?
Já quanto ao sexo, talvez seja o que há de mais presente no mundo (não por um acaso já somos mais de 7 bilhões de pessoas). Não sei por que razão as pessoas são mal resolvidas nesse assunto e se mostram sempre prontas a se ofender com quem não é. Acho justo que queiram manter suas vidas sexuais na privacidade de si mesmas, mas daí a doutrinarem e condenarem quem se permite ser livre sexualmente, julgando o que faz ou deixa de fazer, é de uma mesquinharia própria do ser humano.
Agora, existe uma forma corrente de se iniciar uma vida sexual? Ou não é verdade que durante muito tempo - e até hoje - é comum que um pai, um tio ou um amigo mais velho contrate uma profissional para que inicie o mancebo na arte da satisfação da carne? Quantas pessoas tiveram suas vidas sexuais iniciadas aos 13 ou aos 14 anos e quantas outras que já passaram dos 30 e ainda hoje não sabem porque o mundo continua se povoando (e à toda velocidade)? 
O nosso mundo é hipócrita. A pessoa reclama de permissividade, de licenciosidade, mas dá-se e refestela-se noites a dentro, das mais diferentes formas (vis para umas, prazerosas para outras). Impõem-se seus limites para si mesmas, mas não contentes, os querem impostos a todos os demais. Não sabem por que o outro gosta do que gosta, mas já o condena por gostar diferente do que ela gosta e tudo isso sob o manto de quem se acha melhor do que o outro porque mais decente, mesmo que tenha suas próprias indecências.
Mas o pior é que condenam a Xuxa como se ela, de fato, tivesse sido quem iniciara o rapaz nas artes do sexo. Condenam a Xuxa como se o filme fosse de verdade quando, na verdade, o que o cinema faz é retratar a vida e não a vida imitar a arte. E daí começo a achar que não é tão mentira quando um artista de novela diz que é agredido na rua.
Como se quer que o cinema retrate a sociedade, a vida, fazendo de conta que homens trabalham para serem honrados e não para impressionarem as mulheres? Ou que mulheres se pintam para receberem flores e bilhetes, e não para seduzirem? Como esperam ser levados a sério quando defendem que um filme beatifique todas as pessoas quando, na sua maioria, são dotadas de toda uma sorte de desejos e vontades só capazes de serem satisfeitas no encontro da carne que lhe receberá por sua? Isso é a vida desde o primeiro instante do mundo... a simbiose feita na vontade de "se completar ou de ser completado"...
As pessoas deveriam se ocupar mais dos seus gozos e menos da tentativa inútil de castração alheia. Mas ninguém quer ser castrado sozinho e, pra muitos, gozar nem deve ser tão bom assim...
É isso, Xuxa, se assuma! Se assuma e não se incomode com quem só sabe se recalcar...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Em clausura...

Ando pensando muito nas pessoas que vivem enclausuradas dentro de si. Reprimem sua própria vida, seus desejos, suas fantasias e seus impulsos. Andam curvadas pelo peso de se acorrentarem às verdades que são convenientes, mas que não lhes satisfazem e tudo isso às custas de uma renúncia que lhes desafia todo dia e que, a cada NÃO, apagam-lhes o brilho dos olhos, mas ainda assim, insiste em lhes acender um ímpeto que, ao menos pra mim, é mais aparente que o raio de luz que sangra a escuridão.
São olhos que não param e revelam no sorriso que se contém, mas que diz "note-me o tanto que noto aos que não poderia notá-los", convidam com suavidade, pedem com sofreguidão e clamam com a lascívia que quase não combina com o silêncio de um tormento que se tivesse forma, mais lembraria um terrível furacão.
As pessoas têm se escondido de todos, mas principalmente de si... ao mesmo tempo se mostram, traem-se no que tentando conter. Não se contêm.
No meio religioso é bastante comum que pessoas em busca de uma melhor encontro consigo e com seu Deus, fechem-se em conventos, monastérios e afins. Isso se chama enclausurar-se. A expressão "enclausurar" deriva-se do latim "inclusus" que, por sua vez, tem sua raiz na expressão latina "clausus", que é "fechado". O que me parece importante destacar é que, nesses casos, esse "fechamento" das pessoas, seja literal, físico ou emocional, é um ato de quem espera uma melhor compreensão de si mesmo, a partir de uma renúncia que faz a um instante também de si, uma experiência que lhes legitime para o que continuaram vivendo quando saírem da clausura. O ganho é para agora, para vida que, se é que não escolheram, ao menos lhes é inevitável que vivam. Não o fazem esperando uma recompensa para além da vida que tem.
Por sua vez, as pessoas que apenas limitam-se a abrir mão de serem quem são, perdem. Perdem na medida em que vivem uma escolha muitas vezes dissociada de suas expectativas para o tempo que, arrastado na angústia de quem vive quem não é, parece mais comprido do que o bom tempo sugere em diversão. Perdem também, na medida em que buscando atender ao anseio de outro, mostrando-se a esse quem não são, retiram desse mesmo outro a chance de descobrir que pode ser melhor viver com quem se gosta (a si) do quem que se suporta (por si). 
Ninguém se renuncia a si mesmo, nem se prende dentro da si mesmo e nem se mata para que continue o mínimo de si mesmo, sem que as rebeliões de seu próprio calabouço se escancarem no escândalo silencioso de seus olhos e falta de seu sorriso. E o barulho que não se ouve pode ser ensurdecedor para quem lhes vê. Você percebe?
Há urgências nas vidas que correm os anos e insistem em morrer enquanto andam, sem que tenham - sequer - a escolha de parar de andar (inspirar, respirar, fantasiar e se deixar...viver).