quarta-feira, 20 de maio de 2015

A gente sente e o outro se ofende. O que dizer pra ele: ah, vá te catar!

A minha dor te incomoda. A minha alegria também te incomoda. O meu amor te incomoda. A falta de amor em mim te incomoda também.
Não. Não estou falando especificamente nem de mim e nem de você que me lê. Estou falando das pessoas em geral. Parece que “sentir” é cada vez mais proibido. Se você sente dor e chora, logo querem te dar um remédio pra disfarçar a dor. Se você está de luto e se desespera, logo alguém te oferece um calmante pra te desligar. Se você está alegre e se anuncia feliz, logo surge um censor pra te duvidar. Se você está com raiva e se expressa, eis que vem o “bom” pra dizer que raiva não é sentimento que se deve expressar. A todo o tempo querem te pautar, te controlar.
Nunca reparou nisso? Tem sempre alguém pronto pra dar uma opinião sobre o sentimento alheio. Não é a pessoa quem sente, nem é a pessoa quem viveu, quem experimentou, quem tinha a expectativa realizada ou que não se realizou, mas ainda assim essa pessoa que não é nada acha que tem condição de dizer que há exagero, que há falsidade, que há erro ou que há muito torpor em quem, ao invés de ficar na sua, não teve medo de se expor.
Por que isso acontece? Porque as pessoas estão cada vez mais incapazes de lidarem com os seus sentimentos e, então, resolvem se meter no sentimento do outro. Vivemos tempos em que sentir parecer ser cada vez mais ofensivo. Alguns exemplos:
a) A pessoa não é magra, mas posta fotos na praia porque se sente bem e logo ofende aquela outra que é magra, mas queria ser mais magra e por não ser magra como quer, não consegue se gostar e tem raiva de quem se gosta.
b) A outra é feliz na balada, gosta de balada, posta fotos de balada e todos acham que se expõe demais porque sua vida é vazia e precisa fazer conta que é feliz. E quem faz isso, geralmente, é aquela pessoa que não aguenta mais ficar em casa, mas que não tem coragem de sair e descobrir se a vida e o mundo ainda têm algo a lhe oferecer (e sempre tem).
c) Alguém reclama do mau serviço de uma empresa, de um órgão público, de um prestador ou de Deus, do seu time de futebol, do médico ou da justiça e logo surge alguém dizendo que a pessoa não deve se sentir contrariada e nem expor seu desgosto porque está se expondo demais e ninguém precisa saber o que ela pensa, o que sente e as razões que lhe levaram a isso.
Ora, não é mais fácil que quem acha que deve calar se cale e quem acha que deve falar, fale e seja respeitada no seu manifestar, ao invés de bombardeada por ter tido a coragem de falar? Parece que não. Todos parecem ter opinião sobre tudo. Mas tudo que é do outro, porque fica mais fácil não precisar olhar pra si e se descobrir ruim e desinteressante (e pior, sabendo que a culpa é toda sua).
O que vejo é que sentir ofende, sim. Ofende quando a pessoa consegue se expressar e o outro não. Ofende quando a pessoa tem coragem de se mostrar e o outro não. Ofende quando a pessoa desafia os costumes e o outro não. E a coragem dessas pessoas escancara a pusilanimidade das outras que, reveladas em sua mediocridade, investem contra quem apenas se permitiu sentir.
E sentir livre. Porque, não sei se você percebeu, mas estão querendo aprisionar até o sentimento. Estão querendo dizer como se deve e se pode sentir. Se você sentir como a maioria, não tem problema, talvez deixem passar. Mas se você não gostar do que todos gostam, não aplaudir o que todos aplaudem e não defender o que todos defendem, você vai ser condenada numa pena que só não vai ser mais cruel do que todo o processo de julgamento em que vão te judiar.
Não vamos deixar que seja assim. Vamos gritar, vamos cantar, vamos sorrir, vamos chorar, ousar, duvidar, nos mostrar, pular, ser bobo, ser louco, mudar e ser tudo de novo sem que ninguém consiga nos tirar o prazer de ser, rever, viver e gozar.
Agora, se o sentir te ofende, é melhor se acostumar....

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Conflitos, confrontos, família e amor

Não tem jeito. Ele é desse jeito e você tem que aceitar. E você vai aceitar e ele não vai nem perceber que você está aceitando.
Não adianta, ela sabe que está certa e que o jeito dela é o melhor e que você vai concordar porque, no fundo, tem juízo.
Está consumado! Você já decidiu como quer, já definiu a tua fé e não aceita que te digam o contrário. Estar com você é pagar o preço que você acha que vale, mesmo que no fundo você só pareça saber quem é.
E, então... confusão!
É assim todo dia em todos os lares do mundo. Nos quatro cantos do planeta as pessoas são a soma do que agrada e do que desagrada e nem sempre se separarem corresponde à melhor opção. Muitas vezes não é nem mesmo uma opção.
Famílias, casais, colegas de trabalho, vizinhos, todos esses agrupamentos resultam na junção de diferentes seres-humanos, dotados de diferentes psiques, formadas a partir de concepções surgidas de várias influências a que foram submetidas ao longo de sua criação. O resultado é uma heterogeneidade mais ampla e presente do que o afeto dos primeiros momentos é capaz de sugerir e que, momentos após, já não é mais capaz de permitir mascarar.
Não raro nos deparamos com situações de maridos e esposas que parecem já não concordar em nada ou com pais e filhos que parecem desunidos pelo vínculo do sangue, sempre com vozes exaltadas, dentes semicerrados, musculatura tensa e pressão arterial em picos de alta, cada qual tentando fazer prevalecer a sua maneira de ver a vida, tantas vezes crentes de terem a maneira melhor. Apaixonados por seus argumentos, desmerecem e desprestigiam o argumento do outro e, se puderem, até o impedem de falar.
Ainda assim, a real tristeza é quando, apaixonados por nossos argumentos – e, muitas vezes, por quem julgamos que somos – a nossa intransigência (máscara mais que perfeita da nossa insegurança não revelada) faz com que sejamos duros com quem nos é querido em circunstâncias normais. Para defendemos nosso ponto de vista (muitas vezes com sua data de validade expirada) usamos de palavras cruéis, de descaso, de indiferença e de desprestígio. Tantas e muitas vezes, a fim de nos destacarmos diante do opositor das nossas ideias (cônjuge, pai, filho, chefe ou só mais um rapaz), reduzimo-los a menos do que o pouco que os consideramos, para que, lá de baixo de onde os lançamos, ergam suas cabeças e nos vejam mais alto que a pouco altura onde nos achamos.
“Você diz que teus pais não o entendem, mas você não entende os teus pais”, cantou um dia o poeta do rock nacional. E que verdade tão bem urdida. Ninguém entende ninguém onde todos querem ser a última voz certa e perfeita. Gritam uns com os outros porque o som do outro me ofende ao me fazer pensar que posso estar errado no meu jeito de ter vivido até agora e se ele me faz duvidar desse ser perfeito que me julgo que sou, ele não serve para dirigir a palavra pra mim.
Mais grave é quando acreditamos nas mentiras calculadas que os outros contaram pra nós. De repente nos pegamos acreditando que somos mesmos os mais brilhantes, os mais inteligentes, agradáveis, melhores amantes, maiores amantes, companhia agradável e opinião que não se pode dispensar. Encantados com a doce voz da sereia que atrai para a morte, seguimos resolutos e orgulhosos ao destino cruel da solidão ventral em que repousa a morte de quem só quis ouvir o bom, sem se preocupar se também era o certo.
E brigamos. Brigamos, discutimos, nos perdemos e, se tivermos sorte, de repente nos achamos. E é quando a experiência se acumula e a gente entende que toda briga é imatura e coisa de quem acha que a vida só ganha quem joga e vence, enquanto tanta gente ignora que é preciso perder pra entender de ganhar. Ah, juventude que tem com a pressa do fim, nem percebe o tempo passar.
O papel do amor é ensinar esperar. Ensinar a entender antes da mania de julgar. É não concordar com nada e isso não importar porque entende que dois diferentes não precisam brigar. Se amo o meu contrário deve ser mais fácil aceitar.
Aceitar não vai impedir o confronto. Nem precisa. Mas sem dúvida que amar ajuda na solução desse confronto, e isso porque o amor ensina e a gente aprende a não ver o outro que não concorda com a gente como adversário, mas sim, como o companheiro de uma jornada que ninguém falou que era fácil, mas que mesmo assim a gente escolheu passear.