segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O adeus depois da cura – a história da ingratidão humana

Há uma história presente no Evangelho de que Jesus, com uma palavra, curou 10 leprosos e disse-lhes que se apresentassem limpos perante o sacerdote, sendo que, desses 10, apenas um voltou para lhe agradecer enquanto os outros nove, ingratos, foram viver sua vida.
Mas isso seria mesmo ingratidão?
Acredito que todos nós temos experiências com pessoas que enxergaram na gente algum alento para uma fase em que algo não lhes ia bem, mas que de alguma forma ajudamos a que passassem por aquela fase e se sentissem melhor. E, depois disso, se foram. Voltaram para sua vida sem que ao menos voltassem para agradecer.
Confesso que num raro momento de fé na humanidade fico tentado a crer que a gratidão existe, a sua demonstração é que é rara. Há um capítulo na história de cada pessoa que impede que aquele que passou e fez bem seja alguém estranho às suas memórias ou ao seu afeto. Acontece que se Jesus poderia sondar corações e saber onde havia soberba, ganância, bem ou gratidão, o mesmo não pode ser dito sobre nós. Um obrigado, uma lembrança, uma demonstração de que a vida segue em frente, mas se carrega do bom afeto merecido sempre fará bem.
Em tempos em que as pessoas são cada vez mais individualistas, cheias de si e preocupadas consigo, é causa de alento àquele que quis bem receber a ligação que só quer perguntar “oi, tudo bem?”, ou a visita que só quis mostrar que a importância está em quem é e não no que faz. Ainda que, em muito, pelo que já fez.
Mas ao mesmo tempo a ânsia pela felicidade leva como que nos ocupemos de sentir o que nos agrada e de olharmos só para o instante em que estamos contentes. Se estamos bem só olhamos para frente, não precisamos de ninguém, nada nos falta porque nos completamos com esse contentamento que acolhe a novidade excitante e esquece daquele “amigo” outrora constante. Só olhamos pro lado se precisamos de alguém e só olhamos para trás quando o socorro é urgente e a dor é tanta que desnubla as vistas e faz lembrar aquele alguém.
Às vezes damos sorte de ainda haver (vida, afeto, paciência). Pedimos a volta, pedimos por bem. Mas egoístas nem percebemos que enquanto felizes foi ele que ficou sozinho no exato momento em que foi ele que precisou de alguém.
“Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem”.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Se eu velasse meus pais...

A morte é o tema que mais me fascina e, ao mesmo tempo, o que mais me aterroriza. Não que eu tenha medo de minha própria morte. Dela tenho mais curiosidade (ainda que sem maiores ansiedades). Mas o medo da notícia que me contará que o meu tempo com quem amo acabou porque aquela pessoa morreu, esse me acompanha a cada segundo.
Dia de Finados é dia de pensar na morte. Pelo menos para mim que vivo acompanhado dela o tempo inteiro em que me ocorre de lhe pensar. E não porque eu reze pelos mortos (a bem da verdade, nos últimos tempos não tenho feito nem por mim ou pelos outros vivos, nem por quem quer que seja). Só sou alguém para quem é inevitável pensar na morte que de um jeito ou de outro, sempre vai chegar.
Nessa época me recordo da frase atribuída a Anne Frank que, em seu diário, teria escrito que “os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão”. E talvez seja disso que o dia de finados venha se tratando: remorso.
É então que me vem à mente a terrível imagem de um futuro velório de meus pais (que torço para que muito distante) – se é que será antes do meu.
Quantos remorsos será que eu carregaria?
Quantas vezes as razões que foram deles e não minha me voltariam e assombrariam e, das várias vezes em que certos eram eles, mas mesmo assim, no alto de uma soberba estúpida de uma vida medíocre e mais estúpida ainda, fui mais fiel aos meus erros que aos cuidados seus ?
Quantas vezes eu quererei ter-lhes dito: “eu vi que te deixei triste, mas não quis me desculpar”?
Quantas vezes eu quererei voltar o tempo para quando quiseram me dar um conselho e, impaciente, dei a entender que sua opinião me exasperava, me cansava e que eu já sabia o que deveria fazer, mesmo sabendo que tudo o que eles queriam era mostrar, com seu jeito de se preocupar, só queriam o melhor para mim?
Quantas vezes eu quererei voltar o tempo para aquele dia em que todos juntos nos calamos? E quererei a voz que agora é calada para sempre e jamais me dará qualquer opinião.
Se eu velasse meus pais sem que eles soubessem que cada tristeza que lhes fiz passar me dói e que cada angústia a que lhes submeti me mata, que terrível seria.
Se eu olhasse seus féretros pensando nos “eu te amos” que faltaram, nos “obrigados” que calei, na gratidão que devo ter pra sempre, mas que faltei e no carinho que os olhos e os lábios não deram, que vida seria essa que desde há muito eu já perdi?
É estranho quando a gente olha pra gente e vê que somos sempre prontos a sermos mais duros com quem está mais pronto a nos manter com seu amor. E é mais estranho quando pensamos que gritamos e cobramos mais de quem vai nos fazer mais falta se um dia nos faltar.
E são para esses mesmos que parece que mais custa o carinho desinteressado de quem só quer fazer saber: “a minha vida seria muito mais triste sem a presença de você”.