segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O problema da vida real

Portas fechadas, luzes apagadas, cama vazia, escuro. A cena proposta é um vazio total a exceção de você. Não há o que ou quem te distraia e, ante a ausência de todos, tudo o que te resta é você. Toda a tua companhia é só você e a única proposta de escuta é o barulho que fazem os teus pensamentos. Você está por sua própria conta e o que pode ser da tua conta é só o tudo e o nada de você.
Não, não é sempre e nem para sempre. Mas nesse instante, o convite é para que você descuide do mundo e se concentre somente em você, da tua vida, das tuas escolhas e das consequências de cada uma das tuas escolhas. Isso te aflige ou você faz com prazer?
Vivemos tempos em que, não raro, as pessoas têm evitado se confrontarem com a vida que vivem. A vida que vivemos cada vez satisfaz menos e cada vez incomoda mais. Ao mesmo tempo em que convivemos com pessoas que gritam uma felicidade na busca de se convencerem felizes, não é forçoso que nos “surpreendamos” com o soçobrar de uma vida que desistiu, que se entregou e que morreu.
Os apontamentos que nos dão notícia do alto índice de pessoas que apresentam quadros depressivos – pessoas a quem dói viver – também não se devem a simples acasos. Mais e mais as pessoas gostam menos de si e, confrontadas com a acusação da felicidade alheia, ressentem a vida que vivem e, mais ainda, a vida que não lograram viver.
E esse é o grande problema da vida real: ela tende afastar da vida que se pensa ideal.
As urgências do dia-a-dia nos solapam. Todo dia precisamos fazer o que precisamos fazer e, cada vez que fazemos o que precisamos, deixamos de fazer o que queremos.           “Escolhas um trabalho que ames e não precisarás trabalhar um dia sequer”, mas se escolher não fosse tão difícil.
O ser humano parece viver de ausências e isso parece normal na medida em que o desejo está na falta. O que se tem é história, mesmo que presente. A vida sonha e deseja mais na exata proporção com que impõe renúncias. Não nos é dado que tenhamos tudo o que queremos e menos ainda que tenhamos além daquilo que temos. A escolha de um pressupõe a renúncia de vários, então sempre que escolhemos perdemos e o que não vivemos continua perfeito na vida que sonhamos. Por sua vez, o sonho não sobrevive à realidade e, feito real, não alcança o ideal.
Quando escolhemos o que sonhamos e ele deixa de ser perfeito para ser real, tudo o mais que era ideal continua no campo do perfeito e continua parecendo bom. Agora, até parecendo melhor. Já esquecemos as circunstâncias que, antes, preferiram o par ao ímpar ou o claro ao escuro. Tudo o que não se quis passa a representar o que deveria ter sido e tudo o que foi parece o erro que se deveria evitar.
Não se trata de ingratidão. Trata-se de ser humano na essência de toda a sua humanidade. Querer não depende do outro, depende da gente. Não depende de ter, mas tem a ver com não bastar. E nada basta. A vida é curta pra tanto desejo e as escolhas são poucas para tanta renúncia. É como foi, é como é e assim é que será. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Errar sem medo de perder (ou, se arrepender é normal)

A gente faz escolhas o tempo inteiro. Escolher é, certamente, das experiências mais brutais a que nos submetemos. E não é por um acaso que a maioria das pessoas faz de tudo para não escolher. Uns acusam o destino, outros recorrem à vontade de Deus: quando a gente escolhe a gente sempre perde. Mesmo que ganhe, sempre perde. É como na música do Charlie Brown Jr: na vida, "cada escolha, uma renúncia".  Só que se a gente pensar bem, na verdade, a cada escolha são várias as renúncias a que elas nos obrigam.
E se para escolher uma é preciso renunciar a várias, logo, se arrepender é o que há de mais humano e o que há de mais normal.
Fiquemos, pois, tranquilos: você, eu, todo mundo... a gente sempre vai se arrepender. E não porque não nos escolhemos o que haveria de ser o melhor, mas porque quando escolhemos o que escolhemos, fazemos acreditando no ideal. E a escolha que vai sair desse “campo do ideal” e se tornar real, ao ser real, (não raro) será diferente daquilo tudo o que a gente imaginava e queria quando ainda apenas sonhava ao tempo de escolher. Nesse momento em que a escolha se faz real e o real se mostra cru e cruel, todas aquelas outras opções que foram abandonadas, nos assombram a partir da perfeição daquela ideia outra (das escolhas outras) que a vida não logrou estragar sendo real. Assim, essas renúncias vão sempre nos dar a (in)satisfação ideal ao imaginarmos que lhes ter escolhido nos teria garantido uma vida mais feliz.
Ora, se a escolha pressupõe renúncias várias e essas renúncias várias sempre pareceram mais perfeitas do que a escolha feita que por ser verdade insatisfaz, é cada vez mais importante estarmos no domínio de nós mesmos para que entendamos as nossas circunstâncias e - dentro do possível - as circunstâncias dos outros. Essa talvez seja a única maneira de sermos justos em relação a nós e às nossas expectativas em relação ao mundo que devemos ao menos tolerar.
"Conhece-te a ti mesmo e conhecerás aos deuses e ao universo...”, era a recomendação que o oráculo divino trazia desde o Olimpo. Mas é daí que vêm as melhores decisões. As decisões bem tomadas que, porém, não estarão imunes ao arrependimento. Até essas carregaram certo arrependimento. Conheça-te. Saiba de verdade quem você é, do que gosta, porque gosta, o que quer e porque quer e persista. Ouse. Erre, quebre a cara, sofra, mas viva, reviva, prossiga. A vida é uma só e se precisa viva, porque para não viver já basta o momento que teremos que morrer.