terça-feira, 27 de novembro de 2012

A história (do amor) de nós dois

______, __ de abril de um ano qualquer.

Alguns dias são bem piores do que os outros. Não que eu achasse natural a ideia de vê-la sozinha, mas nunca pensei que fosse me doer tanto. 
Sempre fui um homem comum. Meus sonhos eram comuns. Meus dias eram comuns. Meus quereres não eram diferentes de outros quereres comuns. Até que amei e fui amado como amei. Muito. Tanto. E pelo tempo que durou.
Foi há muito tempo. Eu a vi sem que ela me visse. Eram centenas de pessoas, mas meus olhos só existiam para ela. A pele clara e os cabelos que não divergiam. Fios que corriam para além dos ombros. Ela caminhava com pressa, grave, urgente. Mas ainda assim seus passos eram como música. Enquanto caminhava, ela corria sua mão direita pelos cabelos e os jogava para trás, da esquerda para a direita, enquanto outra mão carregava uma pasta contra o corpo dela que usava um vestido leve e florido de primavera que combinava bem com aquela manhã. 
Ela estava linda. Nada do que havia visto me preparara para a visão da mulher que mudaria a vida do homem que nunca quisera nada, mas agora via nela, o tudo que lhe queria. Lábios rosados e olhos que lembravam o encontro do céu com o mar. Os óculos que usava lhe davam um ar sério, mas eu sabia que bastaria o seu sorriso e o mundo sorriria também. Dali em diante ela era todo o meu sonho. E ela foi.
Já tinha ouvido falar em amor à primeira vista. Nunca duvidei, mas também nunca acreditei. Certamente, nunca imaginei que aconteceria comigo. Não, comigo não.
De repente eu estava ali, parado numa plataforma. Pessoas e mais pessoas passavam por mim e não me notavam. Eram vultos de quem não me interessava. O mundo não existia e o que via era que ela caminhava enquanto eu mal conseguia me mexer. Enquanto o mundo à minha volta parecia ter pressa, seus passos pareciam quase parados. A luz estava ao seu redor e de tudo que eu via, era só ela que eu via. O mundo ao seu redor era ofuscado pela luz que vinha dela.
Sinto um empurrão. Alguém dos que vinham (e eu não via) acertou-me com o ombro nas costas e já era tarde quando tentei impedir que junto de mim, eu derrubasse um outro alguém comigo. Alguns segundos até que eu entendesse o que houvera e mal acreditei quando, sob meu corpo, olhando-me com os olhos lindos e assustados, estava ela. 
Fiquei feito bobo. Olhava sem me dar conta que estávamos - eu sobre ela - no meio de uma plataforma em que as pessoas passavam e seguiam rumo às suas vidas.
Foram alguns segundos, até que, mais do que depressa, me levanto desconsertado e a ajudo a levantar. Tomo-lhe a mão, me desculpo, pergunto se está tudo bem, penso ter visto um sorriso que não vi e, quando vimos as folhas que com a queda, se soltaram da pasta que levava, abaixamos ao mesmo tempo para juntá-las.
Ainda envergonhado, me desculpo sem  parar e sem olhar para ela, mais preocupado em ajudar a recolher a bagunça que foi culpa minha. É, então, a primeira vez que escuto sua voz. Ela diz que está bem. Os papéis já estão todos nas minhas mãos e quando finalmente consigo olhar em sua direção, é o mesmo instante em que ela olha na minha. Ela sorri. Ficamos nos olhando por um tempo que pareia desde sempre e que não deveria acabar.
Seu sorriso logo traz o meu e nos levantamos. Ela me diz seu nome, eu lhe digo o meu e, sem que houvesse motivo para isso, esqueço meu caminho e sigo o seu.
Lado a lado com ela, falamos sobre tudo, sem dizermos quase nada. Aliás, ela caminhava. Eu me sentia como a flutuar.
Quando ela finalmente me pergunta aonde vou, a resposta me foge. Meus olhos são a agonia de quem não quer ir. O assombro de quem teme o momento que não vai voltar. Naquele instante, eu realmente não sabia para onde ir. E nem sabia o que dizer. Ela me olhava e sorria. E, dessas coisas que só se entendem os corações dos que amam, o seu sorriso aprovou o meu silêncio. Eu a beijei. 
O mundo vivia a minha volta e minh'alma voltava a viver em mim. 
Já tinha beijado muitas outras garotas. Já tinha estado com outras mulheres. Mas, naquele instante, era minha primeira vez. Era a primeira vez que beijava o beijo que tinha paixão. A primeira vez em que beijava quem amava e amava quem me beijava e, quando enfim nos olhamos, eu via o amor em seus olhos.
Não sou uma pessoa religiosa, mas me lembrei das várias vezes que li sobre a imortalidade da alma. Já estávamos juntos há meses, mas parecíamos que nos conhecíamos há muitas vidas. Eu não me sentia como se conhecesse esse alguém que me fazia tão bem, mas era como se a reconhecesse desde sempre. Como se sua alma fosse a outra metade da minha, vindas as duas de onde elas eram infinitas. 
Nela eu via tudo o que nem eu sabia que queria. Ela era linda. Isso eu já disse. Mas era mais do que isso. Bem mais do que isso. Conversávamos por horas. Ela me entendia quando eu achava que ninguém o pudesse fazer. Eu a entendia quando ela achava que ninguém o pudesse fazer. Ela tinha sonhos - todos os sonhos - e se tinha medo de sonhar, eu segurava sua mão e dizia que sonharia cada sonho junto com ela, porque valia a pena sonhar. (Realizamos muitos dos nossos sonhos que sonhamos os dois).
Eu também tinha meus sonhos e meus medos, mas ela nunca me deixou desistir de nenhum, nem nunca disse que eu não iria conseguir. Mesmo naqueles que me pareciam mais difíceis, ela tinha um jeito só dela de me mostrar que se dependia só de mim, não tinha porque eu achar que não conseguiria e assim fomos fazendo, vivendo, conseguindo e, principalmente, nos amando.
E tudo parecia improvável. Quem conhecia nossa história e sabia quem éramos antes da manhã na plataforma, diria que essa era uma história que não poderia acontecer. Nossos mundos eram diferentes, nossas rotinas, horários. Torcíamos para times diferentes e enquanto uma família era do norte, a outra era do sul. Mas nos amávamos e o amor parecia valer a pena. Ele valeu a pena.
Lembro-me exatamente das palavras que lhe disse quando pedi que se casasse comigo. Fiquei dias pensando onde seria, como seria e o que diria. Ensaiei, planejei, escrevi. Pensei em tudo que se vê nos filmes. Anel em taça de champanhe, em mousse de chocolate. Violino tocando na mesa durante um jantar à luz de velas num restaurante chique. Seria qualquer um desses. Mas não foi.
Um dia, que até então era um dia desses qualquer, nós passeávamos por um parque. Era um sábado pela manhã. Havia famílias em seu convescote de um lado, atletas de ocasião se exercitando de outro. Pais que brincavam com os filhos e amigos que riam entre si.
Após caminharmos um pouco, mãos dadas sempre e sorrisos mais ainda, sentamos num dos bancos do parque. Ela estava linda. Seu cabelos presos num simples, mas perfeito rabo de cavalo, vestida de uma blusa de um rosa que era quase branco. Em mim, a certeza de que não cansaria nunca de olhar aquela mulher. Ficamos em silêncio algum tempo e ela notando um calor diferente nos meus olhos, logo percebe que algo se passava em minha mente. Um meio-sorriso presente nos meus lábios lhe trouxe um sorriso tenso aos seus como quem se pergunta o que viria a seguir. Na mesma hora, após um beijo, tirei-lhe os óculos escuros que lhe cobriam os olhos claros. Ela me olhava impassível e ao mesmo tempo tímida e tensa. Havia uma intensidade diferente nos nossos jeitos de olhar.  
"Eu ainda não sei como vivi o tempo que vivi sem você. Na verdade, não vivi. Tudo o que foi antes de você era mero preparo para que você me viesse. Sim, porque você me veio como um presente que não se espera, mas que faz toda a diferença. Não fui eu que te busquei. Mas agora... agora eu sei que não suportaria um só dia se você fosse embora. Não suportaria um só dia sem você. Teu sorriso é o que me faz sorrir e sem teu riso não me haverá mais sorriso. Teu amor é o que me faz vivo e sem teu amor eu não saberia mais viver. Não há ideia que me seja mais terrível do que a ideia de mim sem nós e por isso eu preciso pedir - não só hoje, mas todo dia - que você seja pra sempre minha. Eu sei que não posso te prometer ser perfeito, nem posso te prometer uma vida sem dificuldade ou mesmo sem tristeza ou alguma dor. Mas eu preciso te pedir para ser minha e, quando você me disser sim, eu vou estar te prometendo te amar para sempre o amor que você quiser e que será sempre mais. Eu vou ser para sempre teu amigo e teu amante e, se te houver dor, a tua dor será minha até que eu tire toda ela de você. Sempre que você tiver medo, eu vou te segurar as mãos e se você não conseguir caminhar, vou te tomar nos braços e serei teus passos, porque eu não quero só ser teu par, quero ser tua vida, parte de você, como te quero sendo minha vida e parte de mim. Vou te amar toda vida e nas próximas depois de todas as outras e, só não vou começar agora, porque te amo desde antes de te conhecer. Me deixa ser teu presente como você foi e é de mim. Minha vida é feita de dias, mas quem dá sentido a todos eles é você e é por isso e muito mais que eu quero me casar com você. E eu não consigo parar de falar e acho que essa é a hora em que você me faz ficar quieto com um beijo e que aceita sim, ser tudo isso e mais pra mim."
Enquanto eu falava, seus lábios sorriam e seus olhos choravam a felicidade de sua alma. Ela me deu o beijo que eu queria e o sim que eu precisava. Não houve violino, vinho, champanhe, restaurante... não houve anel. Mas havia o amor que foi nosso pelo tempo que fomos nós.
E como fomos felizes! Nossa família foi linda. Três filhos felizes. Lindos e geniosos como a mãe. Fortes. Tivemos uma vida feliz. Até mais feliz do que eu imaginava que a vida podia ser. Ela era tudo para mim e, em mim, eu via que eu era tudo para ela.
Os médicos disseram que eu não estarei aqui por mais muito tempo. Vejo a dor nos olhos dela e o quanto ela se esforça para ser forte pra mim. Dói deixá-la tão antes do que queria, mas sei que ela ficará bem. 
Se eu escrevo é porque vejo que os jovens desse tempo duvidam do quanto pode durar uma história de amor e não apostam mais nisso de amar. Mas eu apostei, amei, vivi e enquanto vivi fui feliz. Provavelmente, você que lê sobreviveu a mim (que escrevi), mas, se puder deixar um pedido - um último pedido de quem já vai - eu te peço o que pedirei: encontre o amor e ame o teu amor como, minha vida, felizmente, eu também amei.      

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

AMAR: Tem que valer a pena ou vale simplesmente amar?


Certa vez, enquanto se correspondia com uma paciente que se tornara sua amiga, Freud disse-lhe: o problema é que – sou um velho – você não acha que valha a pena me amar.
Essa frase curta de Freud traz em si uma consideração muito séria: por que amamos? Amamos porque vale a pena amar ou amamos pelo simples prazer de amar?
De uma forma, aparentemente melancólica, Freud, no alto de seus 77 anos afirmava para sua amiga (a poetiza Hilda Doolittle), que não havia motivo para alguém se apegar a um outro alguém que duraria tão pouco. Era quase como se ele afirmasse que as pessoas costumam crer que um sentimento se mede pelo tempo de sua duração e não pela intensidade com que ele se sente. Mas a intensidade muitas vezes assusta...
E eis que vem a questão: o que é “valer a pena” quando se fala em amar? Até porque, se eu penso que amar tem que valer a pena, preciso, além de enxergar essa compensação no outro, perguntar a mim mesmo se “me amar” valeria a pena para a mulher que me amasse.
Mas a tendência é que nos ocupamos de procurar esse “valer a pena” no outro e esquecermos da parte que nos cabe a nós. E daí o amor passa a se mostrar na sua forma egoísta e, ao menos para mim, egoísmo não combina com amor. Pelo contrário. Egoísmo é o mal que mata o amor aos poucos, separa os amantes um do outro. O egoísta pensa em si e, por egoísta que é, não ama o outro como o outro pede para ser amado, mas apenas se sente no direito de exigir que a vida que se vive seja a vida que ele –  egoísta – resolveu viver. E sem acordos.
Amar é troca. Amar é compartilhar, é viver para ambos e não para si. É ser do outro mesmo antes do outro ser de você. É sentir porque sente e não porque é conveniente.
Só que temos outros problemas quando pensamos no amor e se ele tem que valer a pena.
Nem sempre o amor com que se ama o outro é o amor com que esse outro quer ser amado. Cada um de nós sabe o que podemos oferecer, mas somos apenas nós quem sabemos o que queremos que nos seja oferecido. E, quando não nos sentimos prontos para retribuir um sentimento que nos parece tanto diante daquilo que sabemos haver (ou não haver) em nós, nos assustamos – não sem razão – e os medos de magoar e ser magoado começam a indicar que não vale a pena amar. E nem deixar que nos amem, porque achamos não merecer o amor que ousaram nos amar. E fugimos do sentimento que não sabemos corresponder.
(não alimentar um sentimento é diferente de sufoca-lo).
Amar e ser amado é a equação perfeita. Querer e ser querido é o que melhor há e, por isso, nos devemos permitir ter. E não será o tempo da duração desse sentimento que vai dizer se valeu a pena. O poeta já dizia que tudo vale a pena a depender do tamanho da nossa alma. Há amores de verão que ficam para sempre e amores de estações dos quais se lembram pouco. Mas foram amor do jeito que cada um sabe amar.
Mas no final é amor e se é amor, vamos tratar de aceitar e amar. Porque, até onde sei, vale, sim, a pena amar. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Uma noite pra recordar...


Vou propor que antes de você continuar lendo, pare alguns segundos e tente lembrar qual foi a tua melhor noite. Lembrou? Agora eu te pergunto: o que fez dessa noite a melhor? O que houve de tão especial? Que momento foi esse que é digno de ficar na memória não importa quanto tempo tenha passado?
A resposta depende do que é importante para cada um: para quem valoriza o sentimento, a melhor noite vai ser aquela cheia de carinhos. Já quem valoriza o prazer, talvez se recorde de uma noite em que o êxtase iluminaria uma cidade. Outros, mais afetuosos, talvez se lembrem daquela reunião familiar em que todos estavam contando histórias ao redor de uma mesa bem servida de amor.
Mas nos lembramos e, se lembramos, é porque foi bom. Nos lembramos e sorrimos porque vale a pena recordar.
“Bom vinho, luzes e estrelas.” Gosto dessa receita de noite mais que perfeita. 
Música de fundo. Olhos claros que, lindos, brilham mais do que as luzes e as estrelas. Um sorriso que faz sorrir e as horas que passam como se fossem simples minutos. Essa é a minha noite para recordar.
Ela passa e, de repente, é chegada a hora de ir e a única “obrigação” que você sente é a de que haja a próxima vez e que essa próxima vez seja tão boa quanto a primeira, porque querer que seja melhor do que o melhor que ela foi parece demais.
E você se lembra da noite e sorri.
Você se lembra da noite e a certeza que tem é a de que não faria nada de diferente. Nem uma palavra. Nem um movimento. Nada!
Você se lembra das palavras ditas, das músicas tocadas, dos casais inusitados ao redor. Você lembra como era gostoso rir e fazer rir naquele instante de dois que se pareciam ser desde sempre, mas eram mesmo a partir de agora.
Teu peito irradia uma alegria que só você é capaz de saber e, quem sabe, teus olhos de denunciar. É de verdade! É real!
O lugar é lindo, mas, pra você, o momento é mais (e ela ainda mais!). Vocês estão onde é tão alto, que as luzes das estrelas se confundem com as luzes da cidade, ao tempo em que a sensação que você tem é a de que luz nenhuma brilha mais do que o sorriso que se sorri com lábios, olhos e coração, enquanto a sua frente você tem a melhor testemunha do melhor instante de você.
As horas passam e não adianta querer que elas parem. Não pararão. Elas continuarão girando nos ponteiros e correm porque o passar do tempo é da vida e, naquele instante em que tudo é bom, você percebe que a vida também pode ser. Está sendo... será!
Que bom que há noites assim pra recordar...