quarta-feira, 30 de abril de 2014

O principal projeto de vida deveria ser viver

Heidegger já dizia que a vida do homem é um projeto inacabado, sempre projetada para o futuro com o objetivo de se tornar, de alguma forma, essencial. Difícil seria refutar essa afirmação.
Nossa vida precisa ser vivida e o é na forma que escolhemos cada um de nós. Cada um tem a sua razão, cada um tem o seu jeito e cada qual é feito conforme as suas circunstâncias lhe permitiram na medida em que impostas pela vida vivida à volta de quem só tem a escolha de viver.
Nem sempre dono de suas circunstâncias, homens e mulheres precisam lidar com um mundo que parece lhes sugar mais do que lhes preencher. Todo o tempo, esses homens e mulheres são bombardeados com diferentes tipos de pragmatismos de gente sempre pronta a lhes conceder suas receitas de uma felicidade que eles mesmos não têm. (sem contar aqueles que dizem para não se ocupar com a ideia de ser feliz).
O que me parece é que é cada vez menos lícito divergir.  Num mundo em que as diferenças são motivos de briga e não de conciliação pelas ideias que são iguais, mais e mais pessoas veem-se ocupadas de viver uma vida diferente do que seria a sua vida se não houvesse ocupação com que se ocupar. Além de suas próprias expectativas, muitas vezes se pegam vivendo expectativas de todos os outros que não são elas, mas parecem querer lhes dizer o que é viver.
É a partir dessa dura realidade que me pego assistindo pessoas cada vez menos satisfeitas consigo, cada vez se gostando menos e desejando um mais que já não sabem o que é. Parece cada vez mais comum a sensação de um vazio existencial, sem saber o que é que realmente falta para que possam, então, tentar adquirir, vivendo como se o mundo fosse, de fato, um consumir indiscriminado. E não percebem que o tempo todo em que sentem falta de algo que não sabem qual algo é, estão sentindo falta de si mesmos. Mal percebem que se olham no espelho e não estão sendo quem veem. Olham-se nos espelhos de todos os lados e em cada espelho parecem ver o que não foram diante de todos os olhos críticos de quem só vê prazer em não perceber que somos quem somos e não quem alguém pensa que deveríamos ser.
Então uns procuram um casamento, outros procuram uma religião, um deus, um ídolo, um herói, mas quase não se dão conta de que procuram a si mesmos. E que casamento triste! Que culto vazio! Que deus silencioso e que herói sem honra.
Mas qual é o instante em que nossos sonhos começam a perder para a nossa realidade? Em que momento da vida a gente deve se  deixar de ser mais importante do que as expectativas que fazem de nós?
Vejo pessoas que dividem suas vidas em grandes planos e acontecimentos: vou estudar, quando terminar o colégio vou trabalhar e entrar numa faculdade, depois vou arrumar uma esposa ou um marido, vamos constituir uma família e veremos como será. E como será? O que essa pessoa realmente espera pra si? O que ela realmente procura?
O que ela estuda e o que ela quer estudar? No que ela trabalha e o que eae realmente quer fazer? Por que estudar o que não gosta? Por que trabalha no que não lhe dá prazer? Será que os homens são projetos inacabados de si mesmos ou estão é destinados a serem projetos não realizados de si mesmos? Eu prossigo amanhã sempre para além do meu limite de hoje ou viro às costas para o caminho que ainda tenho em nome do que me disseram que tenho que querer? O que eu realmente quero?
Por exemplo: quem casa procura o que? Sexo? Amor? Companheirismo? Deus? Mas que sexo? Que amor? Que companheirismo? Que Deus? O Sexo despudorado que ele gostaria de oferecer, mas que não sabe como vão lhe julgar ou o sexo casto que ele julga ter sido o dos seus pais e o de Maria com seu bom marido José? O amor que liberta e que sabe que a verdade é que ninguém é de ninguém e fomos feitos para o mundo e que, por amarmos, nos cedemos a quem nós queremos ou o amor que aprisiona e faz julgar haver propriedade onde há permissão? Companheirismo que faz querer estar junto, mas que sabe que pode deixar ir onde ele não esteja (fisicamente), porque mesmo assim, sempre estará ou o companheirismo dependente que faz o outro julgar só ser possível achar na sua outra “metade” o ar que lhe importa respirar? Que Deus ele busca? O Deus que dá a vida ou que tira a vida? O que permite ou o que castra? O que é justo ou o que só soma o erro? E enquanto isso, que vida ele – que casa – já viveu?
Em dois que se dão para viverem uma vida, qual a vida que viveram pra doar? Quanto vale a doação que não doa? Quanto vale a entrega do que não existe? Que vida se junta quando nenhuma vida ainda viveu? Mas até isso vale se tudo for pra viver...
Respirar não é viver. Andar não é viver. Trabalhar não é viver. Amar não é viver. Gozar não é viver. Viver é fazer tudo isso junto e ao mesmo tempo e mais de uma vez, repetindo enquanto tiver vontade e o corpo tiver condições, sem arrependimentos inúteis ou medos sem razão.
E se as pessoas se ressentem é porque são quem preferiam não ser e não são quem sempre se sonharam sendo. Pensaram demais, ouviram demais, temeram demais e viveram de menos.
Enquanto não vivemos pra nós não devemos ter planos pros outros ou isso seria vingança e vingança só gera ressentimento e ressentimento dor. Viver bem não é o principal objetivo. Acertar não é o principal objetivo. Amar não é um projeto, é um sentimento. Casar não é projeto de vida, assim como morrer não é esperança. O que nós temos na vida desde o seu início é só a vida, essa vida e ficamos perdendo tempo com tantos projetos que não nos permitem que sejamos quem queremos, que já é mais do que hora de sabermos e entendermos que na vida, o principal projeto que podemos ter, é viver... viver, nos viver, mais viver.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Eu perguntei, mas ninguém me respondeu. Alguém se habilita?

Nesse fim de semana de feriado participei de um seminário bíblico nominado “Conflitos Espirituais”, ministrado por um teólogo por formação, pastor de um Estado do Sul do país e sobre o qual tinha muito boas expectativas. Por fim, em linhas gerais, o mote do que pregado foi: tudo o que é bom é de Deus, aquilo que é mau é do diabo; quando somos de Deus fazemos coisas boas e, se fizermos coisas ruins, é porque por estarmos longe dEle, demos lugar pro seu principal antagonista.
No sábado tinham dito que a parte do seminário a se realizar hoje seria aberta à resposta de perguntas e, na medida que ouvia atentamente as explanações do responsável pelos estudos, sentia algumas angústias por não alcançar as razões que motivavam a mensagem que ele parecia querer passar. Por exemplo: Ele disse que os EUA estão em débito com Deus porque proibiram oração e leitura da bíblia nas escolas e estão autorizando e reconhecendo como casamento a união homossexual, caminhos que, segundo ele, o Brasil também vem adotando porque está afastado de Deus.
Também disse – não sem antes pedir perdão aos psicólogos e psiquiatras – que não considera a atuação do inconsciente ou do subconsciente já que a Bíblia não trata disso, mas antes, considera o homem um ser consciente nos e dos seus atos e que, logo, o crente não deveria se deixar dominar por fobias ou outros medos, já que confia em Deus.
(lembro que pode ser que eu não tenha entendido muito bem).
Como é costume, criticou o uso da Internet para acesso a pornografias e da Rede Globo (aliás, todo mundo bate na Globo), exortando que crente de verdade não consome esse tipo de canal e nem questiona o que está na Bíblia.
Pois bem. No sábado fiz minhas perguntas (19 no total), depositei-as onde determinado e hoje, dia 21/04/2014, acordei às 7h30 crendo que o pastor que proferia o seminário me responderia. Pasmem que ele não respondeu sequer 01. Assim, deixo-as aqui na minha página. Lanço-as aqui, na expectativa que haja quem disposto a me ajudar enxergar além do véu que obscurece meu entendimento... 
  1. O cristão pode questionar o que lhe é ensinado? O senso crítico deve ser estimulado?
  2. O que se diria para alguém que é crente em outro “Deus” a respeito do “nosso Deus”? Assim como há os ateus do nosso Deus, não somos todos ateus de outros deuses também tão acreditados? 
  3. Quando saber se acredito no Deus que é ou no Deus que penso? Não é fato que, muitas vezes as nossas conveniências orientam a nossa fé?
  4. Qual seria a melhor definição de caráter e moral do ser humano entendido enquanto ser social?
  5. Escolher está ligado a quem a pessoa é ou às circunstâncias a que ela se vê submetida (e aqui lembra-se a frase do escritor Ortega y Gasset: “eu sou eu e minhas circunstâncias”)?
  6. Se um pai não dá educação (boas maneiras) para uma criança, isso implicará na sua vida espiritual? A educação faz diferença? Se parte-se da premissa de que as escolhas partem do que o “inimigo sopra no ouvido das pessoas”, qual é o papel da formação social (educação, psicológica e moral) dos homens?
  7. Por que se pode controlar o pensamento, mas não se pode escolher o que pensar?
  8. Mesmo partindo da ideia de que o tema é “conflitos espirituais”: o desejo nasce no coração a partir do que o homem julga ser importante para si ou é “plantado” nele por uma força imaterializada?
  9. Qual o papel do subconsciente nas escolhas pessoais? Ou o fato de a Bíblia não tratar do tema o invalida enquanto realidade?
  10. Qual o nível de inocência de um ser humano que, aceitando a ideia de que está a mercê da influência do mundo imaterial, é feito fantoche dessas forças imaterializadas em relação às suas escolhas e conduta?
  11. Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, todos são levados a pecar ou o pecado é atitude deliberada, mas de ocasião na vida das pessoas?
  12. Qual o papel da “energia libidinal” enquanto força motriz da atuação humana? O que impele o homem?
  13. O ser humano é essencialmente mau? As pessoas já nascem inclinadas para serem ruins ou são projetos do seu meio? Não há uma consciência inata própria que faz com que haja afeto, amor e respeito? Lançados ao nosso estado de natureza, seríamos piores do que bestas?
  14. Há uma consciência “no sentido de controle da própria história e memória do que fazemos, do que quisemos e sobre quem somos” ou isso que chamamos de consciência é um “canal de atuação” das entidades imateriais (divinas ou não) que serve para a nossa “auto”-acusação? Quando a pessoa ora e, eventualmente, lembra-se de fatos da vida, é obra do inimigo ou exortação de Deus ou é algo próprio de sermos gente e termos memória?
  15. O que é “gente ser gente”? As nossas vontades são sempre para o mal?
  16. Em relação ao exemplo da mulher que tinha que jantar com os diretores da empresa em que fora efetivada e, por isso, pediu demissão: ela não conseguiria impor seu respeito e, com isso, resistir a esses avanços? O cristão não deveria ser mais forte que o resto do mundo? Ou somos mais fracos? Essa mulher conseguiu um emprego melhor?
  17. Tudo é conflito espiritual?
  18. Uma democracia não deve respeitar e resguardar, inclusive os direitos dos “diferentes” ainda que minorias? O senhor defende uma ditadura religiosa? O ideal seria sujeitar pessoas à moral religiosa de uma religião com a qual não comungam?
  19. O Senhor não acha perigoso colocar o crente numa posição de super-humano, como se ele estivesse acima de angústias que assolam as pessoas, podendo, inclusive, levar alguns a crerem que o medo (as fobias em geral), a angústia e a dúvida são comportamentos de quem não tem uma vida íntima e aprovada com Deus? Davi errou ao pegar 05 pedras ou deveria ter pegado uma única já que lutava “em nome de Deus”?
        Muito obrigado!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Pelo buraco da fechadura

Algumas pessoas parecem subestimar a vida. Parecem preferir não reconhecer que a vida é um caminho sinuoso, cheio de curvas, de perigos e de necessárias mudanças de rota. É como se tivessem traçado um mapa que as levará para o destino que imaginam seja o que devem chegar. Quando, do nada, veem-se forçadas a não seguir por aquele caminho, logo pensam que vivem mal e que as coisas não são como são, porque não são como elas acharam que deveria ser.
Algumas pessoas parecem achar que as pessoas são (ou deveriam ser) o que elas mostram. Algumas pessoas parecem crer que o que se faz na superfície é o que se vive e se pensa no mais profundo de si. São pessoas que têm certezas escoradas naquilo que pensam sozinhas, muitas vezes baseado no que lhes levaram a pensar quando viviam o momento de inocência que se tem na infância.
Várias e várias vezes vi pessoas procurando reproduzir o conto de fadas dos seus sonhos na vida vivida no mundo real. E sofreram. Sofreram porque não entendiam que o príncipe com que sonharam não existe e que aquele que deveria ser, está longe de ser.
Não. O que as pessoas mostram – o que nós mostramos – está longe de ser o que elas são (somos). O que as pessoas são, geralmente está do outro lado da porta em que se trancam longe dos olhos de alguém. Daí a expertise do grande Nelson Rodrigues, o cronista da vida vista pelo buraco da fechadura mostrando que as pessoas não são um poço de virtude. Que nem todo marido traído é vítima de sua esposa, mas muitas vezes, cúmplice da traição. Que nem toda dama da sociedade anda de táxi, mas gosta do contato dos corpos suados de motoristas e cobradores da lotação. Que nem todo machão está livre de, na hora de sua morte, pedir o beijo de outro amigo machão ou que por trás de uma irmã mais nova pode estar um anjo negro capaz de toda sorte de perversão com o noivo da irmã.
E você? Quantas vezes você fez algo que não queria que ninguém soubesse, que não te seria honrado, mas mesmo assim fez? Quantos são os teus gostos que você pensa que ninguém entenderia, mas que te assanham a uma vida que é só tua e de mais ninguém? O que se veria de ti, se te vissem pelo buraco da fechadura da porta que se tranca atrás de ti?
E não se trata de não poder resistir. Todos podemos resistir ao que quisermos. A questão é que não fizemos questão de resistir. É como quebrar um regime. Você está há dias só no alface e, de repente, se depara com uma suculenta torta de chocolate. Não conseguiu resistir? Conversa. Você não fez questão de resistir porque o prazer de agora seduz mais do que a esperança de amanhã.
Ah, o buraco da fechadura que nos esconde dos olhos da censura e nos permite a maquiagem que nos mostre quem achamos que será aprovado por quem a aprovação não se deveria sequer fazer questão.
Pelo buraco da fechadura você vai ver que um irmão dorme com a mulher do irmão ou uma filha que deseja seu pai sexualmente
Pelo buraco da fechadura um pastor acessa sites pornôs, um padre abusa de uma criança e um bom marido goza com outro homem.
Pelo buraco da fechadura, a dama que se mostra fiel dá-se aos homens mais impensáveis e o velho frágil oculta a sanha devastadora de quem precisa consumir e ser consumido.
Pelo buraco da fechadura têm-se segredos, perversões e todo um colorido que faz com que a vida possa ser tudo, menos a previsão de que todos são iguais, decentes ou não. O senso comum não entende da vida. O senso comum não vive. Só atrapalha viver.
Pelo buraco da fechadura as pessoas são quem elas são. Nem certas, nem erradas... só gente.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

A dor de mudar ser preciso

Toda mudança é um rompimento. Rompe-se com o que se era, com o que se cria, com o que se pensava. Rompe-se. Rompimentos não são indolores. Não. Rompimentos são sempre abruptos, duros, mas também necessários.
Essa necessidade de mudança não costuma surgir de uma hora pra outra. Pelo contrário. A mudança tende a ser sempre postergada até o momento em que ela se faça inevitável. Por se saber abrupta, sabe-se que ela tem toda a condição de causar dor e, geralmente, se a dor puder ficar pra depois, ela ficará. A mudança, então, também.
Só que viver é estar em constante transformação. Eu não posso ter por objetivo chegar ao amanhã sendo o mesmo que hoje. Não posso ser daqueles que não são afetados pelo mundo a minha volta e que, não importa quanto viva, não importa quantos encontre e nem quanto experimente, continuarei sendo o mesmo que sempre fui.  Preciso estar sempre aberto a que me venha o novo e, a partir desse novo, preciso repensar cada passo da minha caminhada a fim de ajustar os passos que virão, corra eu o risco que correr.
Sim, porque a autoanálise é sempre perigosa. É fácil medirmos a vida alheia. É fácil querermos apontar os erros e os acertos das outras pessoas; mas nos defrontarmos com nós mesmos, nossas escolhas e nossas consequências, pode ser uma das experiências mais doloridas a que nós mesmos nos sujeitamos.
Ninguém gosta de estar errado e, muitas vezes, analisar-nos implicará em por vezes acharmos que hoje estamos mais errados que antes e por vezes descobrimos que antes estivemos mais errados que hoje. E é difícil saber qual desses erros é o mais desesperador. O tempo que se perdeu ou o tempo que se perderá...
Contudo, a vida que anda pra frente não pode ser refém das escolhas passadas. O que não deu certo, o que não faz bem, o que entristece pode – e tem – que ser deixado de lado. E isso é crescimento.
Crescer não é só o processo que se inicia na infância e percorre ao longo de toda adolescência e início da vida adulta. Se tornar grande não é um processo apenas físico mas, principalmente, mental e espiritual lato sensu. É continuar absorvendo o mundo, refletindo o mundo e construindo a mim como alguém que se sabe capaz de ser melhor para o mundo, aqui entendido desde o planeta Terra até a minha vizinhança ou a comunidade (socio-familar-religiosa) que me tiver por mais tempo.
Mas crescer dói. É o osso que enquanto cresce, estica a pele e rompe músculo que precisa se regenerar, cicatrizar e continuar irresoluto até o seu destino e, mesmo ali, continuar firme para cumprir sua função, mesmo precisando se curvar. Crescer é a coragem de se lançar no precipício da dúvida sabendo que muitas vezes, o percurso vale mais que a chegada.
O que nós precisamos mesmo é cumprir com a nossa função de continuarmos mudando. Precisamos parar de ter medo dessa mudança, mesmo que ela cause dor. Não posso achar que o mundo muda o tempo todo e só eu é que tenho que continuar o mesmo seja pelo motivo que for. Viver é natural. Mudar é viver. Viver é mudar.... sempre! Mudemos, pois...