segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A dor de ser narciso (e a necessidade de se descolar do ser)

Gostar de si mesmo e dos resultados de si e de ser.
O que à primeira vista parece o ideal de uma vida bem sucedida, não raro se mostra razão de angústia. Nem sempre estamos preparados para estarmos bem.
Um olhar mais atento e percebemos um aspecto bastante particular e que presente na maioria das pessoas: lidamos muito melhor com a falta de satisfação. Tanto com a nossa insatisfação quanto com a insatisfação dos outros. E esse é o ponto. A não ser que sejamos aquela classe egoísta que não cuida do que não seja de si mesmo, o nosso “estar bem”, invariavelmente, depende de ser confrontado com o do outro. E é quando pode doer.
O bom narciso é aquele que não quer ser feliz sozinho. Ele até pode querer ser mais feliz, mas não sozinho. Isso porque, em razão de seu narcisismo, carrega em si a vocação de guiar os seus em direção de uma vida sempre melhor. Logo, a desventura experimentada por estes lhe dói na exata medida que aponta a sua inaptidão para o mister que se impôs e é quando ele decide que não pode ser feliz enquanto os seus são tristes. E é quando o que podia doer, dói.
O narcisista é sempre duro consigo mesmo. Tiraniza-se na medida em que quer ter o controle de tudo quanto ele depende para estar bem e na medida em que vai sendo dominado pelas expectativas do êxito que deveria ser inevitável, mas que falta, vai sendo ele próprio o palco de toda sua desolação. E, de certa maneira, tudo o que lhe parece certo sobre os seus dias é que ele sofra: afinal, por que deixaria de sofrer se os outros que ele gosta ainda sofrem?
O sofrimento do outro é o espelho que reflete o narciso que só consegue achar bonito o que lhe leva a enxergar a si. Mesmo na dor do outro não tende a ver outro que não seja ele mesmo sofrendo a incapacidade que não é sua e que só há em si.
É aí que colocar sobre si o peso de uma felicidade que não é só sua e de um sucesso que não tenha a ver com o esforço que é seu é de uma violência consigo que só se explica na percepção de quem entende que merece sofrer mais justamente por ser quem é. Quem se julga especial não pode gozar um sofrimento qualquer.
Mas o querer o bem do outro não pode ser visto como uma missão, mas como humanidade. Tampouco, alguém tem o direito de arvorar a si a condição de fazer o ser de alguém. Se a empatia é questão amor e humildade, não se pode querer o bem do outro como um meio cujo fim seja a satisfação desejada pelo narciso desejante.
Em tudo isso, tem-se que a hipótese de uma vida em que se goste de si e do que se fez com ela é possível e necessária, mas ao mesmo tempo em que se é imperiosa a constante reflexão sobre o ser na essência exata de si – e não na do outro. A felicidade do outro é responsabilidade dele e de suas escolhas e se ele é um espelho para a felicidade de alguém – e até do narciso que se projeta nele (para ver a si) – que seja apenas no confronto em que se mostra que a vida vive e segue independente de você escolher viver e ser feliz. Mas que então é melhor escolher e ser... (sendo).


*pintura: "Eco e Narciso - John William Waterhouse - óleo sobre tela - 236 cm X 107 cm - 1903 ( Wlaker Art Gallery - Liverpool, Inglaterra)

Um comentário:

Anônimo disse...

Com exceção da última linha, devo confessar que não entendi bulhufas. E olha que me esforcei viu! Cheguei mesmo a pensar que o conceito de narcisismo tivesse mudado... Me senti assim, como uma personagem daquele conto "A roupa nova do rei".

Agora que o texto acabou: dá pra traduzir???