domingo, 5 de janeiro de 2014

Satisfação é costume


Ao contrário do que as redes sociais tentam sugerir quando mostram milhares de sorrisos capturados no lance rápido de uma foto, o que percebo é que as pessoas estão cada vez mais insatisfeitas com sua vida. Talvez esse fato se deva à inevitável comparação que fazem de sua vida real com as vidas ilusórias dos que as cercam e que só mostram o gozo ininterrupto que não têm. Ninguém é feliz o tempo todo e não há quem viva uma vida sem que a dor, o ressentimento e a angústia façam parte. Ainda assim, as pessoas parecem - na sua maioria - viver uma necessidade de se mostraram sempre vitoriosas, infalíveis e inatingíveis pelas agruras da humanidade, de serem humanos. 
A partir daí, comparando a certeza que temos de nós mesmos com a aparência que vemos de quem nos mostra apenas parte do que é, invejamos a fantasia que é culpa exclusiva da nossa imaginação, tendente que é de fazer com que vejamos no outro todos os sucessos que não experimentamos, todas as vitórias que não venceremos e todas as felicidades que jamais ousaremos querer sentir. É quando, então, nossos ombros pesam pra frente, nosso semblante cai, nossos passos ficam carregados e a vida que deveríamos viver passa a ser o que nos vive, consumidos que nos fazemos pelo ocaso de uma existência insatisfatória dentre tantas que parecem tão cheias de satisfação. 
Estamos sendo injustos para conosco e somos apenas nós que temos a condição de revertermos esse quadro tão dolorido.
O primeiro passo para que sejamos justos para conosco é deixarmos de ser nosso principal adversário. Somos nossos próprios adversários quando protagonizamos violências que se voltam exclusivamente contra nós. Quando abro mão de experimentar um prazer que sempre tive sem que uma razão justa - e que seja minha - o justifique, sou violento contra mim e a insatisfação que sinto - por ser causada por mim - se faz motivo para que me goste menos, justamente porque é uma insatisfação a que eu mesmo dei causa. Ora, se me gostando menos, é natural que faça  pouco para alcançar o melhor de mim, afinal, não me mereço. 
É nesse momento que surge a necessidade de que sejamos francos com aquele que vemos todos os dias refletido no espelho diante da gente. É necessário que eu tenha o controle, o domínio de quem sou, do que quero, do que gosto, do que espero e do que posso fazer em razão e como fim de tudo isso. Por tudo isso é que é preciso que paremos de nos renunciarmos a nós mesmos e, antes disso, que sejamos honestos, sem medo dos julgamentos daqueles que, por não serem a gente, não tem qualquer condição de entender quem a gente é e porque a gente gosta disso que a gente gosta.
Como somos imaginativos, logo olhamos nosso próximo e nos permitimos crer que ele não abre mão de si, que goza feliz seu matrimônio, vivendo com um cônjuge que não lhe cobra e nem lhe furta um prazer que é sempre ninfômano, um chefe que sempre lhe compreende mais do que lhe exige, um emprego que lhe satisfaz mais do que fustiga, uma vida sexual que é ativa, plena e desembaraçada de pudores desnecessários, amigos, dinheiro, possibilidades e uma boa sorte que não tivemos e nem cremos que a teremos. Nessa pessoa vemos alguém que se permite, que vive de uma forma mais intensa do que a gente ousa e pensamos que se ele faz - e nem sabemos se realmente é como pensamos - nós também poderíamos, porém, a rotina da vida nos suga e, quando mal nos notamos, somos mera repetição daquilo que sempre fomos e que a maioria também é. 
Uma vida inteira de possibilidades para que sejamos o que quase todos também são. E aí está uma segunda violência para conosco.
Ao longo de nossa vida estamos cercados de pessoas que são mestres em dar palpites. É incrível, mas às vezes a impressão que dá é que praticamente todas as pessoas a nossa volta sabem melhor do que gente o que é melhor pra gente. É por isso que vemos pessoas insatisfeitas nas faculdades, nos empregos, nas cidades em que moram. A maioria dessas sucumbe à pressão e, inseguras em relação ao que sentem, seguem um roteiro escrito por quem não vive sua vida, mas não se toca que se é que sabe de algo, sabe pouco do muito que sente.
Sentir sem medo e respeitar o que sente e o que quer até se permitir buscar o que almeja, é outra forma de acabarmos com a violência para conosco e estarmos satisfeitos com quem seremos se de fato quisermos ser.
Querer ser é ter esperança, mas não a esperança de quem espera. A esperança que se "esperança" é aquela de quem age com o fim de alcançar o que quer, de quem não se furta de arregaçar as mangas para ser o protagonista da própria história e o arquiteto do próprio futuro. É a  esperança que sai do silêncio do anonimato gritando o som da certeza de ser quem é e não o que acha que esperam que seja. E, quando formos - e seremos - o dono de nossa própria história, poderemos nos dar por satisfeitos de verdade, não pela estima que nos prestam (emprestam), mas pela estima que nos temos, porque nos damos. É tudo uma questão de termos o costume de vivermos o que é nosso e o que somos nós e a satisfação nos será costume, costume de satisfação.  

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