sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

É tudo instante (ou o porquê de o futuro não ser relevante)

Carpe diem, quam minimum credula postero! Eu não sei o que se passava na vida de Horácio quando ele lançou esse “aproveite o dia e confie o mínimo no amanhã”, mas um pouco de imaginação e a gente traz essa máxima pra nossa própria vida.
O carpe diem já é lugar dos mais comuns. Filosofia presente na boca de muita gente. O mesmo tanto de gente que teme o futuro e perde o presente.
Carpe diem porque a vida é feita de instantes, de momentos. É vivida na hora que acontece e tudo o que se acha que o amanhã pode ser amanhã, não passa de ilusão, talvez um tipo de mentira que se conta a si mesmo ou até um pretexto. É escudo que se quer protegendo de doer. Pensamos tanto no que pode ser que ele até acaba sendo, mas mais porque nos guiamos para ser ou ter aquilo que não queremos. E perdemos. Aliás, é justamente por não cuidarmos do agora e fantasiarmos tanto o antes e o amanhã que nós acabamos mais perdendo do que ganhando na vida.  Sem contar as várias vezes que a gente desiste de ganhar aquilo que dá medo de perder.
Carpe diem porque ser feliz, amar e querer viver é tudo questão de agora. Essa página não tem a pretensão de ser professoral. Pelo contrário. Mas eu vou me permitir falar daquele que acho o filósofo mais legal: Baruch Spinoza. E, sobre ele, apenas uma simples ideia: a felicidade vem do que te afeta no instante em que acontece e te faz se sentir mais cheio de vida. Ser feliz é sentir a vida ganhando vontade de viver na hora em que acontece o que te faz querer viver e continuar vivendo. Felicidade é presente. Não está no passado e nem no amanhã, mas no agora.
Mais um filósofo pra somarmos a Spinoza e encerrarmos por aqui? Agostinho de Hipona. Nele, todo o tempo é presente. A lembrança é quando eu trago pro agora – portanto, para o presente – a memória que eu quero; ao mesmo tempo, o futuro é quando eu vivo, no presente, a expectativa do que não é (que pode ser esperança ou desesperança). Mas enquanto a esperança enche de vida e faz querer viver, a desesperança logo entristece e faz desistir.
Toda felicidade, toda paixão, toda gratidão se deve ao momento. Geralmente é comum nos assustarmos com a paixão (nossa e por nós) porque tendemos a não entender de onde saiu, se é de verdade ou mero exagero, mas a verdade é que quando alguém diz que ama ou que sente a paixão ou o que seja que sente, não precisa ser (e de ordinário não é) uma proposta de futuro ou mesmo esse algum exagero. Ama porque o encontro é favorável, porque aquele dia juntos é bom, aquele toque com que se tocam é bom, a risada é boa ou aquela companhia pra uma simples caminhada. É porque quando se encontram se afetam um ao outro e se afetam positivamente. Se querem bem e fazem bem. Se fazem felizes, cheios, plenos e não querem que acabe. Amam a vida que se lhes soma naquele momento e amam o momento. E daí também amam quem lhes proporciona a experiência de viverem aquele momento ainda mais vivos de contentamento.
Eu tinha dito que chegava de filósofos, mas cabe mais um: Nietzsche vai nos ensinar o eterno retorno. Aquele instante que fez feliz e que de lembrar faz sorrir e faz gostar é aquele instante que a gente não quer que acabe, mas que, quando acaba, a gente se pega pronto pra voltar. E mesmo isso não é apostar no passado. Não se trata do passado. Mas do agora enquanto o único tempo que se tem. No fim, é dizer dane-se aos medos do futuro porque entendeu que tudo o que a vida deu é presente.
“Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"[1]




[1] Nietzsche – A Gaia ciência

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