Vez ou outra a gente precisa se permitir
sonhar. De olhos abertos, contemplamos a felicidade que nos parece qualquer coisa
menos improvável. De repente nos imaginamos perfeitos, dispostos a qualquer coisa
menos repetirmos o que não deu certo, o que não foi certo. A gente simplesmente
ousa acreditar que vai ser melhor. É a hora em que há por quem ser melhor.
Ao mesmo tempo projetamos o
futuro que no fundo a gente sabe que não vem. E é porque a gente sabe que ele não
vem que a gente permite que ele nos alimente. E a gente se alimenta dele. A gente
olha para frente e tudo que se consegue ver é a gente feliz, vivendo e fazendo alguém
ainda mais feliz. A gente se quer fazendo feliz até quem a gente acha que quer
para gente, apesar de no fundo desconfiar – até saber – que é alguém que nem
pensa em querer a gente.
É aquela vez, aquela época, em
que a tua vontade é a de romper o silêncio para dizer que não haverá no mundo ninguém
capaz de dar o que você tem, de fazer o que você pode, de viver o que você
deseja. Sim... nos tornamos soberbos. Mas soberbos porque cheios de uma
intensidade rara de quem escolhe viver o que não seja comum. É quando nos
queremos ousados, mas nos contemos e, se nos contemos, é porque no fundo não
acreditamos que gostarão do que há em nós. Não acreditamos que gostem de quem somos
nós. Não! Não temos medo do passado e nem do futuro, só do presente que nos
lega a ausência de quem nunca nos esteve porque não nos quis, mas que mesmo
assim insistimos em fazer a lembrança constante de tudo o que quisemos, mas
infelizmente não vivemos.
Daí que não se trata de amor não
correspondido porque nem amor foi. E nem amor é. Talvez seja o amor querido, o
amor desejado, vislumbrado e deslumbrado justamente no que se permitiu sonhar.
Sentimento de que queria se alegrar mais, mesmo quando se mantém longe de quem
nunca esteve perto. Sentimento que dura o tempo de nos vermos a nós mesmos
postos no beiral do qual não se pula, tendo às costas o caminho para o qual não
se volta e diante dos olhos, no horizonte mais distante, um futuro com que não
se conta.
Diante do fim do sonho, da
ilusão, da fantasia que faz – que fazia – a alegria de que se cantava e se
renovava a própria energia, a sensação de solidão fica ainda mais forte. Já não
há mais a companhia que impulsionava o passar dos dias porque cria que mais dia
ou menos dia seria o fim do adeus, seria o fim da agonia.
Mas chega a hora em que o sonho
também se vai. Vai e liberta o sonhador. Deixa-o pronto para ao menos um pouco
do que é real. Deixa-o pronto para viver na pele o que só desejou, no mais,
sequer revelou. Ficam, pois, as mãos acenando o adeus que se queria oi; os
braços vazios, abertos, esperando o abraço de quem já se foi enquanto se perguntam
se haverá novo corpo a quem envolveria, a quem envolverá; os olhos, por sua
vez, só menos opacos e sem vida que a voz que não passa de murmúrio de quem não
quer se confessar. Aliás, os lábios reservados para o encontro impossível,
agora se cerram e se enterram e juram jamais voltar a beijar.
Realidade entristecedora que afugenta
a felicidade de quem, ainda assim, não se furta de desejar que viva bem a vida
que for, mesmo que, a partir de agora, seja essa vida a vida que lhe exige nunca
mais voltar a sonhar.
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