quarta-feira, 24 de maio de 2017

Sobre quando se é triste por ter muitos, mas não ter ninguém


É século XXI e as fronteiras caíram e as distâncias parecem cada vez mais irrelevantes. É esse tempo em que posso conversar por vídeo com quem está a milhares de quilômetros de mim e me carregar da sensação de que somos próximos e estamos perto e, apesar disso, me sentir cada vez mais só.
É quando posso manter diferentes conversas simultâneas com as mais variadas pessoas, tratar dos mais variados assuntos, ocupar os mais variados vazios e, mesmo assim, me sentir cada vez mais só.
É quando me torno mais uma dessas pessoas possíveis, dessas que mesmo que sejam mais os que lhes procurem, por mais que sejam muitos e tantos os que lhes perguntam um “Oi. Tudo bem?” e, mesmo despeito de tanta atenção, ainda me sentir relegado a uma solidão que me faz me sentir cada vez mais só.
Posso estar em contato com o mundo, me inserir no contexto de muitos e vários mundos e, neles (e com eles), interagir com a intimidade aparente de quem se conforta com essa aparência... e ainda não entender de onde vem essa impressão cheia da certeza de que sou só.
E daí, talvez, esteja descrevendo um cenário bastante comum do mundo atual. Um mundo em que temos várias possibilidades de nos ligarmos a várias pessoas de uma vez sem que precisemos nos mover, mas que, ainda que haja essas possibilidades muitas, a mesma quantidade é proporcional ao tamanho da falta que faz um contato real, desses que, sem perceber, a gente dispensa e evita há tanto que até sente falta, mas já nem lembra como é.
Porque a vida passa a ser uma vida de inúmeras possibilidades e são essas várias possibilidades que nos impedem de estarmos onde temos para estar. A possibilidade de conversar com várias pessoas a partir de uma tela de telefone (ou de computador), pode acabar tornando desinteressante falar com aquela única de carne e osso, afeto e perfume que tenho na minha direção. Quando começo a me acostumar a fechar janelas de conversas ou simplesmente fazer de conta que não estou “na linha” – ou mesmo bloquear quem me cansa de tanto me procurar – sinto-me com um poder tal que, com isso, talvez não perceba o risco de também passar evitar quem me é relevante e que, certamente, poderia me alegrar (de verdade).
A vida que deveria ser uma realidade alegre se torna uma virtualidade triste e enganosa onde a nossa desatenção nos faz crer que avatares correspondem às verdades que não nos explicam e que o mundo em que não nos veem é atraente justamente porque saberão só o pouco que nos for dado lhes revelar (ou disfarçar, ou distorcer).
A vida vivida na virtualidade dos “encontros sem se encontrar” não passa de uma vida vivida desde detrás de um escudo que cobre quem tem medo de se deixar afetar. Uma vida mais segura porque aprisionados num mundo de faz-de-conta em que podemos ser heróis, mocinhos (por que não vilões?) e nos acharmos relevantes. Uma vida de um faz-de-conta de quem logo pensa ter algum significado aos olhos daqueles que a gente acha que nos sabem, mas que na verdade nem nos olham, nem nos veem. A gente se ilude com essa vida vivida cheia de escudos que nos separam do que poderia significar o fim de uma tristeza que vem de não entendermos por que é que parece que temos tantos ao nosso redor e, ainda assim, na hora que mais precisamos, olhamos em volta e não descobrimos, não vemos e nem temos ninguém.

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