A quem comunicamos a nossa
saudade? E sentimos saudade de quê?
Poucas coisas são tão ruins
quanto lutar contra o costume. A gente se acostuma muito fácil ao que ou a quem
nos faz bem e a falta desse alguém ou desse o que é bastante para desorientar
nossa rotina e por em xeque – de alguma maneira – a nossa sanidade. Sim. Porque
sabemos que desde antes desse “costume” já havia a vida que ainda haverá depois
que passa o momento e, portanto, nada daquilo com que nos acostumamos é
determinante para que vivamos bem. Mas faz falta.
Termos que ressignificar essa
rotina e esses gostos também algo longe de ser tranquilo. Ainda que possa ter
acontecido de a distância daquele bem tenha sido um ajuste entre duas pessoas
que, racionais, reconhecem o risco ou a inutilidade ou mesmo a indisposição de
se conviverem, seguir adiante e não olhar para trás é medida que requer ou
muita coragem ou total falta dela. A mulher tornada sal é a prova disso e olha
que, no caso dela, havia um Deus “recomendando”.
Espero que a hipótese da falta de
coragem tenha te chamado atenção até ao ponto de você estranhar e querer
entender o porquê dessa afirmação. Ora, ser racional não é ser desprovido de emoção.
Pelo contrário. Muitas vezes gostamos, mas diante de um cenário de mau futuro
que projetamos (talvez movidos por uma imaginação fatalista, pessimista e sabotadora)
deixamos de lado o bem de agora em nome de evitar um mal depois. E daí não
olhamos para trás por medo da dor e da saudade do que não teve tempo para se
estragar. Era só gozo.
Mas certamente o pior é para
aquele que fica enquanto há quem vai. Esse que fica é aquele que, ainda incapaz
de se libertar do desejo do “eterno retorno” daqueles instantes tão
significativos (e daí se faz sentido ou se é ridículo, é uma outra questão),
fica estancado numa fase em que seus pensamentos são seus piores inimigos. Começa
a se perguntar o que poderia fazer para mostrar que ainda há espaço se o outro
quiser voltar. Mas pior: começa a se perguntar e a fantasiar se o outro sente a
falta que ele sente e se pensa tanto quanto ele pensa ou se a essa altura, se
ri com outrem e tem a disposição de se compartilhar com o novo, mas jamais
consigo.
De minha parte, os anos me
ensinaram que minha cabeça covarde tenta controlar minha emoção. E ela faz isso
judiando de mim. Não raro, diante de algum episódio entristecedor, meu
mecanismo de fuga mental é sonhar sonhos em que a pessoa me é ruim. Me distrata
no que me dói, perde a discrição no que me importa, age como talvez, no mundo
real, eu fosse incapaz de perdoar. E daí, de alguma maneira, tendo a acordar
curado da saudade que dói, mas que não parte e que também tendo a querer comunicar.
Mas de que vale essa saudade? O que
se ganha em continuar esperando que alguém volte ou surja para legitimar uma
ideia de futuro com alguém que idealizamos sobre um alguém real que no mais nem
conhecemos? Tanto mais seguro seríamos entender que não temos saudade de
alguém, mas temos saudade de quem somos e do que sentimos quando sonhamos
acordados com a remota possibilidade do nosso ideal se fazer real. Porque a questão
a se fazer é até que ponto esse encantamento (que agora falta) resistiria ao
teste da vida real. Até porque, mesmo nós nos pensamos sendo perfeitos quando
apenas fantasiamos o começo de uma relação que, se tivermos sorte, não
ocorrerá.
Por outro lado, a vida não precisa
ser segura nos sentimentos. Talvez seja muito pior não arriscar tornar o ideal
real por medo. Talvez seja muito pior calar o desejo que sente, mesmo se esse
desejo não parece fazer sentido algum. Quem disse que a vida precisa ter
sentido?
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